15 - O guerreiro de Hati

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Ainda era um rapaz de quase 16 anos e trabalhava com minha família numa fazenda de Satíria.

Eu era magro, pequeno e meu pai não tinha muitos planos para mim, enquanto eu estivesse trabalhando estava tudo certo. E eu também via as coisas da mesma forma, trabalhar muito, comprar uma fazenda, casar e enchê-la de filhos. Esses eram todos os planos que eu tinha para o futuro até os 16 anos.

Mas após completar 16 anos meu corpo se modificou muito de uma hora para outra. Comecei a ganhar músculos e altura rapidamente e passei a enxergar as coisas de outra maneira. Coisas que para mim antes eram tão importantes como a vida rotineira de Satíria agora se tornavam enfadonhas e medíocres.

Os sonhos que eu tinha foram substituídos por outros muito mais atraentes. Grandes aventuras por Seran, seguindo até os lugares mais remotos, glórias em batalhas, tesouros inimagináveis e lindas princesas. Passei a sonhar acordado durante o trabalho duro na fazenda e o desejo de mudar de vida começou a me sufocar. Dia após dia. Arranjei uma espada enferrujada e com ela matei muitos espantalhos, criando uma boa intimidade com a arma.

Como nunca fui de falar muito, guardava minhas ideias para mim mesmo e tracei caminhos para alcançar minhas metas. Quando tinha tudo muito bem planejado, fui falar com meu pai.

"Vou-me embora" - eu disse simplesmente. Meu pai era menos comunicativo até do que eu e depois de me olhar por um bom tempo falou que já sabia, mas que não concordava e voltou ao trabalho. Eu me virei, coloquei um saco nas costas que continha pão, água, minha espada velha e sai da vila.

Nos meus devaneios decidi atravessar o deserto para o leste, na direção de Hati, que eu muito tinha ouvido falar. Mas antes de chegar ao deserto me deparei com meu primeiro desafio. Avistei um grupo de soldados montados a cavalo e como não tinha certeza se eram inimigos ou não, me escondi e depois que passaram passei a estudá-los. Vestiam-se todos com uniformes vermelhos e isso era tudo que determinava que eles eram soldados, pois andavam fora de marcha, muito desordenadamente, e pareciam cavalgar despreocupadamente, sem um batedor ou alguém na retaguarda. Com certeza não poderiam ser de Hati, pensei.

Prossegui rumo ao deserto e depois de três dias descansando à noite, cheguei ao castelo de Hati. Lembro até hoje da emoção que senti ao transpor o portão principal desguarnecido. Mas esta emoção durou pouco. A desordem era explícita. Homens corriam de um lado para o outro, apagando fogos e acalmando animais. Parecia que o lugar havia sido atacado há pouco tempo e os soldados se preparavam para uma nova investida. Esbarrei num deles que acabou perdendo o equilíbrio e veio feroz em minha direção. Segurei-o pelos braços e disse que queria ajudar. Arranquei a espada da bolsa e a bati reta no chão.

Creio ter assustado o soldado vestido de azul. Ele me conduziu em meio à confusão para uma sala, onde havia um homem que começava a ficar grisalho e possuía um uniforme diferente dos demais, de cor negra. Este homem estava debruçado com outros azuis sobre uma mesa de madeira. Após o soldado que me conduziu cochichar algo em seu ouvido, ele dispensou todos com suas ordens e ficou um tempo me olhando. Ele era grande, mas eu já o ultrapassava em altura e não movi um músculo, olhando-o sem receio algum.

"O que quer aqui, camponês?"

"Lutar!" - eu disse e como ainda estava com a espada na mão, repeti o gesto e a bati no chão.

Ao contrário do outro soldado, este não demonstrou surpresa e continuou me observando. Chamou um subordinado que me conduziu para um quarto, onde me banhei e descansei. Mais tarde ele apareceu e se apresentou como o tenente da guarda de Hati.

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"Vamos ver se eu consigo adivinhar" - cortou Cláudio de repente - "Seria esse tenente da guarda o meu conhecido Deiron?"

A segunda coisa incrível em pouco tempo aconteceu: o Sr. Ninguém sorriu!

"É ele mesmo, foi com o tempo promovido a capitão e hoje deve estar bem mais grisalho..."

"Então você é..., puxa, que coincidência!"

"Sim, realmente! Mas voltemos à minha narrativa, que ainda deve demorar um pouco para acabar..."

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Deiron me propôs um treinamento, comida e um lugar para ficar. Não disse nada sobre eu participar de batalhas ou sobre os constantes ataques dos cladianos à Hati. Confesso que fiquei desapontado, me expressei claramente sobre isso com ele, mas a julgar pela aparência nobre do cavaleiro azul à minha frente, resolvi seguir a sua sabedoria e aprender tudo que fosse necessário para poder percorrer o mundo sem receio algum.

O meu treinamento inicial foi físico, mas não foi nenhum desafio. Corridas e exercícios não eram barreiras para mim. Depois de algum tempo comecei a treinar lutas de espadas e apesar de quererem me dar uma espada nova, fiquei sempre com a minha velha e enferrujada espada ao meu lado.

Não sabia que as lutas de espadas tinham tantas regras e técnicas. Aprimorei todos os tipos existentes e em pouco tempo não havia guerreiro no castelo que pudesse me derrotar num confronto, pois além das habilidades que ganhava, a força física fazia toda a diferença, pois eu era incansável numa batalha.

Quando cheguei nessa classe, Deiron acrescentou ao meu treinamento estratégias militares, as quais discutíamos quase todas as tardes. Fizemos uma grande amizade e creio que ele não saiba que eu o tenho como um pai, pois não sou muito de falar sobre o que sinto, mas eu sei que ele me adotou como filho, principalmente depois do que aconteceu quando eu me aventurei em Clad.

Depois de quase dois anos, pois eu beirava os 18, fui chamado à sua presença numa manhã de outono.

"Está na hora de você enfrentar sua primeira missão. Pegue este mapa que indica a localização de uma caverna ao norte. Esta caverna ainda não tem nome, quando você retornar certamente a batizaremos. Tudo indica que lá você encontrará uma estatueta com o formato de uma deusa antiga de um povo mais antigo ainda, que pertenceu ao segundo rei de Hati e que foi furtada do castelo. Apesar de uma grande soma em ouro de recompensa oferecido para quem a devolvesse, ela jamais foi encontrada."

Estava emocionado demais para pensar em palavras para dizer. Fui para meus aposentos, me armei com minha velha espada, uma adaga curta, água, alguns mantimentos e parti num corcel branco. O castelo de Hati é cercado pelo deserto, mas em dois dias de viagem sem aborrecimentos eu já me encontrava nas campinas do norte. O mapa mostrava um desfiladeiro e no seu final a caverna sem nome. Cavalgava no limite do corcel e à tardinha acampava junto sempre a uma grande fogueira, para espantar qualquer animal curioso ou faminto, e saia sempre antes do sol nascer. Procedendo assim em poucos dias acampei diante da caverna. Sua entrada estava fechada por pedras e levei um dia inteiro abrindo uma passagem entre elas. Fiquei preocupado com o fato, pois não sabia por qual motivo ela se encontrava fechada e se isso ocorrera naturalmente. No dia seguinte, bem cedo, amarrei o corcel com uma corda comprida junto a uma área gramada para que ele pudesse se alimentar e entrei. Assim que entrei eu já visualizei um nome para a caverna...

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"Eu conheço este lugar, Sr. Ninguém. E infelizmente fui eu que a fechei..." - Sttor não encarou o loiro nem o Sr. Ninguém, simplesmente ficou olhando para as suas mãos grandes - "A cada momento eu creio que os nossos destinos estavam mesmo ligados. Hoje esta caverna tem um nome, foi você mesmo que a batizou assim?"

"Foi! Achei que o nome era apropriado com o que me deparei ali..."

A Saga de Kedl - No Caminho Escuro (Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora