Capítulo 14

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O jantar está o mais normal possível depois do terrível café da manhã. Rebecca não me encarava nem por segundo se sequer, obviamente está com medo. Na verdade todos estão tensos com minha presença. Noto que Abigail está estranha, não sei se foi por causa do acontecido ou algo além. Continuo observando a mesa de jantar e no fim encaro a luz que vem do lustre, acima de nossas cabeças, na tentativa de acalmar meu coração que batia freneticamente. Respiro fundo e encaro o frango no centro da mesa e tigelas de arroz junto com copos de vidro cheios de refrigerantes ao seu lado. Jantar com a eles me faz lembrar dos jantares que tinha com minha família de verdade, dos risos do meu pai e as reclamações da minha mãe para sempre lavar as mãos antes de comer. Droga de saudade.

- Você está se sentindo bem?! - pergunta Laurel com uma voz doce.

- Está tudo bem! - digo dando um pequeno sorriso.

- Se estiver passando por alguma coisa, ou só saudade mesmo, pode me contar - sua voz parece me acolher - Agora somos uma família e meio que somos irmãs - ela sorri timidamente e, depois de segundos sustentando o olhar em mim, volta sua atenção a comida

Laurel é agradável e doce. Essa atitude, mesmo que pequena, teve certa relevância para mim pois, a ideia de pertencer a algo, faz brotar uma sensação boa, como uma flor que nasce no meio de um deserto seco e morto. "Eu nunca tive irmãs" penso.

Todos terminamos de comer, mas só podemos sair quando Abigail se levanta. Quando ela faz isso vou direto para meu quarto. Tranco a porta imediatamente e solto o ar que não sabia que havia prendido sentindo o sangue correndo meu corpo e o suor descendo frio pela minhas costas. Está na hora de tentar decifrar o livro.

Pego meu celular do meu bolso enquanto caminho até a cama e abro o aplicativo do Google Tradutor. Tiro foto da página e o aplicativo fez o trabalho duro.

Algumas palavras eram de um latim já esquecido, que nem o próprio Google conseguiu decifrar, só traduziu algumas, como "Ouija - falar com espíritos - portal." Folheio um pouco e vejo um papel antigo dobrando entre as páginas. Abro com cuidado para não rasgar e encontro a forma de um tabuleiro de Ouija.

Procuro a peça por dentro do livro e a acho na última página, preso a contracapa por uma fita transparente fina. Me levanto da cama e coloco o pedaço de papel no chão, analisando as letras de A a Z na parte superior da folha e os números de 0 a 9 inferiormente com duas palavras no centro: "Sim" e o "Não".

Ponho os livros na minha perna e leio algumas páginas na tentativa de achar as palavras para iniciar o jogo. Depois de longos minutos encontro uma frase que se repete ao longo do livro, o que me faz acreditar que essas sejam as palavras que eu estou procurando. Treino um pouco a pronúncia e depois recito o que estava no livro. Meu sangue gela. O mundo esfria de repente e sinto meu batimentos dando intervalos maiores de tempo. Como se fosse um mau presságio.

"Eu não devia fazer isso" meu subconsciente grita, mas não adianta.

Respiro fundo e recito as palavras profanas.

- Corações sinceros reunidos estamos, espíritos próximos o invocamos.

Prendo a respiração ansiosa na expectativa de algo fora do comum acontecer. Sinto um formigamento estranho na minha espinha e o ar gelado faz meus pelos arrepiaram. "Algo vai acontecer, tenho fé!" Penso confiante.

Mas é decepcionante, quando depois de alguns minutos nada  acontece. Recito novamente, falando mais alto e com mais convicção dessa vez, mas de novo, nada.

"Dê certo, dê certo" imploro a mim mesma, "dê certo, eu tenho que saber o que aconteceu de verdade"

Recito uma última vez.

"Agora vai"

Sinto um frio no meu estômago, e minhas mãos suam. Calafrios percorrem todo meu corpo. "Está acontecendo algo." Penso e fecho os olhos. Porém, na mesma rapidez que sinto essas coisas, elas somem. Fico frustada, com vontade de rascar todo esse livro e ficar nesse quarto por horas me estressa ainda mais. Meu corpo está esgotado.

Deito na cama preguiçosamente, buscando por entre o edredom meu celular, passo a mão e não sinto nada, levanto me e balanço o lençol. No instante que faço isso, o celular cai no chão e racha superficialmente a tela. Praguejo diversos xingamentos enquanto pegava-o no chão e vou pesquisar um pouco sobre esse jogo de espíritos.

Muita das coisas que tinha na internet eram mentiras horrendas, mas já outras pareciam plausíveis. Um site disse para fazer tal jogo as três horas da manhã, pois é quando os espíritos estão mais fortes, outro disse para por velas ao meu redor, ajudaria a mostrar o local ao espírito.

Anoto algumas dessas coisas no meu bloco de notas e depois decido descansar um pouco. Coloco o despertador para as 3:00 da manhã e deixo meus músculos relaxarem, ele pediam isso.

Trim. Trim. Trim

Acordo assustada por causa do despertador, levanto com cuidado e vou na cozinha silenciosamente. No corredor, avisto Leonard, que para minha sorte, está dormindo em uma cadeira de madeira perto da porta do seu quarto. Acredito que hoje seja seu turno, ando devagarinho, para que assim ele não acorde.

Abro algumas gavetas no armário de cozinha até achar velas. Depois de mais algumas gavetas abertas, acho um isqueiro. Volto para o quarto e faço uma roda com as velas acessas e fico no centro, junto com o jogo de Ouija, e recito a mesma frase sem muita expectativa.

- Corações sinceros reunidos estamos, espíritos próximos o invocamos.

Nada acontece.

"Merda!"

Isso me deixa possessa de ódio. Levanto, pois não consigo ficar nesse quarto, ando em direção à porta. Mas paro.

A peça, que está em cima do tabuleiro, antes imóvel, começa a se mexer em cima das letras.

- A
- S
- S
- A
- S
- S
- I
- N
- A
- T
- O

A peça se movia tão rápido que eu mal conseguia acompanhar. As labaredas do fogo ficaram maiores de repente. O calor era forte.

- Meus pais? - questionei - Foram assassinatos?

A peça se moveu para o "sim"

- Quem os matou?! E porque? - falei alto, com algumas lagrimas em meu rosto.

A peça se moveu rápido demais, me fazendo ficar completamente imóvel com a resposta.

- V
- O
- C
- Ê

Sombras da Noite (REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora