Era o turno de Dave, a vez dele vigiar, mas seu sono tornava a tarefa quase impossível. O frio da noite era diferente do frio da manhã. Era traiçoeiro, não se via ele vindo e não podia evitá-lo. A neve já tinha cessado, mas o frio permanecia, forte como nunca. Era bom saber que ele finalmente estava chegando ao seu destino, embora não soubesse exatamente o que o aguardava. Ter passado novamente por Dneva fora bem assustador e ele já se sentia preparado. Constatou muito rapidamente que a lamparina era inútil. Não sabia como o esqueleto capitão estava pilotando em toda aquela névoa. Dave apertou o botão de seu relógio. Estar com ele novamente era um alívio. O frio não podia vê-lo assim como ele não podia ver o frio. Mas um sentia ao outro. Ele fechou a jaqueta até o pescoço.
A marca do pacto com Bia já não era um incomodo, mas algo confortável. Quando dissera a palavra de proteção, não sabia o que esperar. Com certeza não era ainda mais medo, mais desespero e tudo mais que não precisava sentir. Seu braço ardeu como se tivesse sido mergulhado num balde de ácido. O momento da palavra até Bia aparecer na floresta pareceu uma eternidade. Dneva havia falado coisas, gritado, feito os cães latirem, mas Dave não conseguiu ouvir. Ela ameaçou voltar para cortar sua gargant antes de usar o relógio de seu pai e desaparecer. Seu coração batia num desespero muito alto. Possibilidades horríveis se passavam por sua mente. Todas resultando em morte. Sua morte. Quando Bia apareceu, ele teve certeza de que tudo ficaria bem. Ela tirou suas amarras e garantiu que Dneva não estava por ali, repetindo que tudo estava bem. Ainda assim, ele não conseguia encontrar um bom motivo para não acabar logo com aquele sofrimento. O braço ainda ardia angustiantemente. Então ele lembrou-se que sua coragem e sua segurança estavam em Bia. Foi por isso que derrubou suas flechas e agarrou seus cabelos. Seu toque era quente, e ela parecia tão aliviada quanto ele enquanto suas bocas dançavam. Ouviu os amigos chamando por eles, mas não conseguia soltá-la. Tinha medo. E se o perigo voltasse? Não podia arriscar. Ficou mais calmo rapidamente. Sabia que a neve não o congelaria e acreditava que Dneva não voltaria para cortar sua garganta. Mesmo assim não a soltou. Não queria parar.
Chacoalhou a cabeça. Não queria pensar nisso. Apertou o botão no relógio de novo. Talvez agora que o frio podia vê-lo teria pena dele. Mata-Touro parecia cada vez mais pesada em seu bolso. Acariciou a pedra que dividia com sua mãe. Ela e o irmão adorariam saber qual fora a "surpresa do segundo ano". Ter trabalhado ao lado de todas aquelas pessoas com costumes tão diferentes e aulas divertidas fora uma das melhores experiências de Érestha até aquele momento. Maria teria adorado ver o filho fazendo novas amizades pelo reino todo.
O rio continuava calmo e silencioso, e Dave ainda pensava em Maria. Todos dormiam dentro da cabine e alguém –provavelmente Riley- roncava. A lamparina iluminava apenas alguns palmos à frente. As margens continuavam a ser apenas arbustos que balançavam com o vento frio. A luz era inútil. Seu turno o estava entediando. Uma névoa ainda mais densa começou a se formar envolta do barco, deixando o balanço dos arbustos mais fantasmagórico, mas Dave ignorou. A bruma foi se condensando e a lanterna não fazia a menor diferença. Dave se levantou para tentar ver melhor, mas a névoa continuou a se acumular, mais e mais, até que não se via nem mais a luz do lampião. Os outros ainda dormiam e Riley roncava.
Dave caminhou até a ponta do barco e alcançou o lampião com a mão que não empunhava a espada. Não tinha nenhuma opção a não ser esperar o nevoeiro se dissipar e tentar garantir que não fossem em direção à margem. Tinha que depositar confiança total no esqueleto. Tentava inutilmente abaná-la para longe e ver seu caminho, até que uma luz avermelhada ao longe chamou sua atenção.
-Hey! –ele gritou.- Tem alguém ai?
Mas não obteve resposta. A luz foi se aproximando e ficando mais brilhante. Parecia estar vindo do fundo do rio. Ele se aproximou da água e a névoa ficou mais gelada e mais densa. Não via mais nada. Mata-Touro e o lampião não estavam mais em suas mãos. A fonte da luz vermelha o assustou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Érestha- Castelo de Marfim [LIVRO 2]
FantasyLivro 2 A surpresa trará novos amigos. A missão, velhos inimigos. A família trará um dragão. As aventuras de Dave, Riley e Alícia continuam no segundo ano em Érestha. Dave continua preocupado com a família, principalmente com a notícia de um novo me...