Sono profundo

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-O que você tá fazendo com esse cara? - A voz alterada se espalhou pelo local em sons agudos. Karina rapidamente se afastou desnorteada.

-Cobra eu...

-Você o que Karina? Eu jurava que você nunca mais iria querer olhar para esse cara, e agora vejo vocês dois aí no maior papo. -Talvez estivesse bancando o infantil, mas em uma situação como está não teve outra escola.
Pedro encarava os dois confuso, não tendo tempo de abrir a boca para se intrometer.
-Eu não quero...Cobra não entenda tudo errado. -Pediu direta e assustada, e não era para menos com seu atual namorado prestes a começar a primeira briga desde que começaram a namorar justamente por seu ex namorado.
-Tudo bem então explica, o que esse cara está fazendo aqui e ao seu lado enquanto vocês conversam como dois amigos? -Cruzou os braços esperando pela resposta.
-Você está exagerando, muito. -Karina falou um pouco irritada, mas logo como consequência do silêncio constrangedor, ela viu as costas do namorado serem voltadas para si.
Imediatamente tentou alcança-lo, mas por ser mais rápido e estar nervoso ele em passos rápidos sumiu de sua vista.
E Pedro ficou na mesma posição, mas com o rosto virado para o lado, vendo sua ex namorada sumir com um desespero evidente nos olhos.
Ela deve gostar muito dele.
Muito mesmo.
[...]
-Cobra chega! Vamos conversar como dois adultos por favor. -Karina abriu a porta da sala, o suor escorria por sua testa provocado pela corrida rápida e mesmo assim ele chegou vários minutos antes dela.
Com um olhar irritado Cobra passou a mão pelo rosto e se jogou no sofá, no fundo seus sentimentos são mais que uma simples irritação, mas também insegurança, preocupação e medo.
-Desculpa Karina, eu exagerei um pouco, mas ver você e aquele cara conversando tão de perto, isso é difícil.
-Eu sei, mas você precisa confiar em mim, foi só uma conversa rápida, ele chegou hoje e não me explicou direito eu nem quis ouvir.
-Durante todo esse tempo eu evitei falar sobre esse assunto, tocar no nome dele, nunca passou pela minha cabeça ele um dia voltar do nada. -Mentiu as últimas palavras, em todo esse tempo, um dia ou outro, Cobra perguntou a si mesmo se a fazia feliz, mas do que Pedro um dia fez, tentou procurar uma resposta positiva para esta pergunta, e sempre imaginava como seria se um dia o descarado resolvesse voltar.
-Nunca passou pela minha também! Não me olhe desse jeito Cobra, nunca brigamos ou discutimos nenhuma vez, e só porque ele resolveu voltar como se nada tivesse acontecido, não quer dizer que nossa vida precisa ser bagunçada.
-Ninguém bagunçou nada Karina! Eu vi vocês dois conversando não entendo o motivo de você estar tão nervosa.
-Porque você está me olhando com desconfiança, não aconteceu nada demais, confie em mim.
-Karina eu quero perguntar uma coisa. -Olhou dentro dos olhos azuis apreensivo. -Você ainda sente alguma coisa por ele?
Para uma pergunta tão simples, a resposta deveria ter vindo rápido e positiva. Mas ela nem chegou a vir, e novamente um silêncio constrangedor reinou entre os dois. Karina olhava para os dedos após desviar o olhar do namorado, e ele daria tudo para poder ler seus pensamentos e descobrir a resposta. E depois de cinco minutos esperando uma resposta que não veio, Cobra levantou frustrado e mais irritado que antes, e saiu pela porta batendo os pés fortemente com os punhos serrados, deixando uma garota confusa e também frustrada para trás.
[...]
Pingos grossos de chuva tocavam o vidro do pequeno e simples carro. Já se passava das três horas da madrugada, descontou a enorme irritação olhando para o nada dentro do carro parado em uma rua pouco movimentada. Mas agora já mais calmo o engarrafamento é a única coisa que o impedia de chegar rápido em casa e tentar conversar civilizadamente com Karina, ela com certeza jogaria em sua cara como foi infantil ele não atender suas mais de vinte chamadas no celular.
Socou o volante imaginando quais foram os assuntos que os dois conversaram mais cedo. Conhecendo bem um canalha quando ver um Pedro talvez até tenha tentado uma gracinha, insinuado que deseja relembrar o passado. Então Karina veio a sua mente, ela se magoou tanto na época da descoberta, prometeu a si mesmo que a faria feliz novamente, mais do que ele fez um dia, e tudo foi acontecendo tão aos poucos, a amizade dos dois foi ficando forte e intensa, cometeria uma besteira se a visse chorando novamente por Pedro.
Pisou fundo no acelerador, apressado para chegar em casa, uma boa conversa resolveria parte do problema, e a outra é descobrir se ela ainda sente mesmo algo pelo ex, o mais difícil, pois ela continua sendo a mesma quando a questão é sentimentos, fechada.
A chuva forte atrapalhou muito a sua visão, os pensamentos conturbados e amontoados a um milhão de possibilidades nada boas foi o pior. E ele não conseguiu evitar que seu carro batesse em algo logo a frente, perdeu o controle pelo veículo, e rodar o volante e pisar no acelerador não foi mais o suficiente. A imagem de uma Karina chorando veio mais uma vez em seus pensamentos, os vidros do carro se quebraram voando até seu rosto, cortando sua pele, e um forte impacto bateu contra seu corpo, que apertava entre as ferragens.
Buzinas e uma luz forte incomodaram sua visão, vozes de pessoas, uma mão tocou seu corpo e uma voz que não conseguiu identificar perguntou seu nome e se estava tudo bem, sabendo que não estava tudo bem e nem ficaria tão cedo. A dor veio aos poucos, lentamente atingindo cada nervo do corpo, dos mais pequenos até os maiores. O celular no bolso direito passou a tocar, e as portas do carro sendo forçadas para serem abertas.
A dor aumentava agora acompanhada por algo que pareciam pequenos socos em seu cérebro, uma dor de cabeça talvez simples que foi aumentando.
O sangue escorria pela testa, e ele se deu conta do que estava acontecendo.
Seus olhos foram se fechando lentamente com calma. Assim como seu corpo que adormecia aos poucos, a dor foi ficando pequena quase inexistente, ele sabe que não deve se entregar assim tão fácil, mas diante de tanta dor isso pareceu muito convidativo. Então ele o fez, deixando o barulho alto atrás dos vidros estilhaçados do carro, o desespero das pessoas que passavam pela rua, pessoas que ele nunca teve a chance de conhecer um dia. Ele se permitiu dormir, e sem o consentimento nem a vontade de ninguém, isso fez de Pedro Ramos anos depois novamente um vencedor. Uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto, quando a última imagem de Karina Duarte chegou, rápida como uma flecha, ela chorava confusa pequena e com medo. Em uma única noite Ricardo perdeu uma batalha e uma guerra que ele nem sabia que havia começado.

Eu vou tenta conserta vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora