Sem coração

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C

-Ele foi embora Karina.

Poderia passar quanto tempo fosse, mas ela nunca esqueceria essas palavras, elas nunca desapareceriam de seus pesadelos, nunca. Em toda sua vida, essas palavras foram de longe as mais dolorosas, difíceis e tristes de se escutar, nem as do diário, que foram como um tapa na cara ao serem lidas, nem mesmo elas causaram um impacto assim tão grande.

Sua visão foi ficando ofuscada, a imagem das muitas pessoas espalhadas pelo refeitório foi se embaraçando, e Karina precisou forçar os pés contra o chão, para conseguir se manter em pé.

-C...Como? –saiu como um soluço, ou entre um soluço, até mesmo sua audição estava difícil de se entender.

-Eu pensei que você soubesse...Achei que ele podia ter contado. –João respondeu surpreso, mas logo seu olhar foi ficando triste, e o par de olhos verdes se fixaram nos punhos fechados sobre a mesa.

-João... –conseguiu segurar as lágrimas, talvez por orgulho, em uma tentativa de parecer forte na frente deles, de todos naquele refeitório, que certamente já sabiam de quase tudo.

-Ele foi aprovado em uma universidade na Irlanda, bem antes de se aproximar de você ele já sonhava com isso, a resposta chegou a pouco tempo atrás, é uma oportunidade única.

-E eu aqui sendo feita de boba...Eu tinha o direito de saber. –socou a mesa.

-Ele gostava de você Karina, gosta, só tinha medo de contar, o Pedro não queria que o namoro de vocês acabasse... –sorriu irônica, com os olhos brilhando de ódio, e também pelas lágrimas que iriam cair. –Eu também tô me sentindo mal com isso, mas do que você imagina, ele ia desistir da viagem para ficar com você, mas acho que as coisas aconteceram de repente, não era pra ter sido desse jeito...

Lembrou da conversa estranha que tiveram a tempos atrás, quando ele a questionou sobre uma possível proposta para estudar fora do país, lembrou também de sua resposta que foi quase uma declaração, e o imaginou se divertindo com isso mais tarde, se gloriando e comentando como uma garota boba desistiria de uma proposta como essa para ficar com ele.

Foi como um balde de água fria sendo derrubado em sua cabeça.

-Chega! Eu não quero mais ouvir João, isso vai passar e eu vou esquecer que ele existe um dia, vou voltar a ser aquela garota de poucas palavras, que vagava por essa universidade lendo, não precisando de namorado ou da ajuda de ninguém para ser feliz, sugiro que você tente esquecer também, ou nem precisa com certeza ele vai ligar para você, manter o contato, e vocês vão rir de mim não é? E jogar várias piadas, saiba que isso é patético, como ele.

Percebeu os olhares curiosos sobre si, encarou a mesa uma última vez, então ela saiu. Atordoada, e desorientada, não sabendo ao certo o porque de doer tanto, não tentou engolir o bolo na garganta, e deixou as lágrimas descerem com intensidade, inundando sua visão. O dia estava ensolarado, e muitos estudantes conversavam alegres e animados por todo lugar onde passava, procurando um local calmo e silencioso, para chorar e tentar colocar a dor para fora. Vendo a alegria das pessoas, ela lembrou que a meses atrás também era assim, do seu jeito diferente, mas era, lendo um bom livro, estudando ou jogando conversa fora com Cobra, antes de Pedro entrar em sua vida ela era uma garota feliz. E agora só restou alguém completamente acabada, Pedro Ramos levou sua felicidade para a Irlanda, ou parte dela, a mais importante, ele levou.

Essa sensação pode ser comparada a sensação de uma pessoa sem coração, uma pessoa morta, foi exatamente assim que ela se sentiu, quando correu desesperada, precisando de um abraço, sozinha entre aquele bolo de pessoas a seu redor.

Eu vou tenta conserta vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora