Capítulo 2 - Fantasmas

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[Clarke POV]

Vou ter de explicar. É que eu não sou exatamente como qualquer garota de 17 anos. Quer dizer, acho que eu pareço bastante normal. Não uso drogas, nem bebo,nem fumo - tudo bem, só quando estou nervosa. Não tenho nenhum piercing, só furos nas orelhas, e só um em cada lóbulo. Não tenho nenhuma tatuagem. Nunca pintei o cabelo. À parte minhas botas e minha jaqueta de couro, não exagero no preto. Nem uso esmalte escuro nas unhas. No final das contas, sou uma adolescente americana perfeitamente normal e comum.

Só que eu falo com os mortos.

Talvez não devesse dizer assim. Talvez devesse dizer que os mortos é que falam comigo. Quer dizer, eu não ando por aí procurando esse tipo de conversa. Na realidade, tento evitar essa coisa toda o mais que posso.

Mas o negócio é que às vezes eles não me largam.

Estou me referindo aos fantasmas.

Não acho que eu seja maluca. Pelo menos não mais maluca que qualquer outra adolescente de 17 anos. Suponho que posso parecer maluca para certas pessoas. A maioria do pessoal no bairro onde eu morava certamente achava isto. Que eu era biruta. Mais de uma vez puseram os conselheiros da escola para cuidar de mim. Às vezes chego a pensar que talvez até fosse mais fácil simplesmente deixar que me trancafiassem.

Mas mesmo em uma instituição eu provavelmente ainda não estaria a salvo dos fantasmas. Eles me achariam.

Eles sempre me acham.

Ainda me lembro do primeiro. Lembro-me dele com a mesma clareza das minhas outras lembranças daquela época, o que significa que não me lembro muito bem, pois tinha apenas cerca de dois anos. Acho que me lembro tão bem quanto me lembro de ter livrado um rato das garras do nosso gato, mantendo-o protegido em meus braços até que minha mãe, horrorizada, o arrancasse das minhas mãos.

Puxa vida, eu só tinha 2 anos... Na época, ainda não sabia que agente devia ter medo de ratos. Nem de fantasmas, por sinal. Por isto é que, quatorze anos depois, nenhum dos dois me assusta. Talvez me espantem, às vezes. E certamente me chateiam um bocado. Mas me dar medo?

Nunca.

A aparição, exatamente como o camundongo, era pequena, cinzenta e desprotegida. Até hoje não sei quem era. Mas eu falei com ela. Os fantasmas não entendem crianças de dois anos, como aliás ninguém entende. Ela só ficou me olhando tristemente do alto da escada do nosso prédio. Acho que eu estava com pena dela, assim como tivera pena do camundongo, e queria ajudá-la. Só não sabia como. De modo que fiz o que qualquer criança de dois anos faria. Corri para a minha mãe.

Foi então que aprendi minha primeira lição a respeito dos fantasmas: só eu sou capaz de vê-los.

Quer dizer, é claro que outras pessoas também podem vê-los. Caso contrário, não teríamos casas mal-assombradas, histórias de fantasmas, seriados de mistério e tudo mais. Mas existe uma diferença. A maioria das pessoas que vêem fantasmas só vêem um. Já eu vejo todos os fantasmas.

Todos mesmo. Qualquer um. Qualquer pessoa que tenha morrido e por algum motivo ainda esteja por aí, em vez de ir para onde deveria ir, eu sou capaz de ver.

E posso lhe garantir que isto significa um bocado de fantasmas.

O que me faz lembrar da segunda coisa que aprendi sobre os fantasmas naquele mesmo dia, há quatorze anos: no fim das contas, é sempre melhor não dizer que você viu um fantasma. Ou, no meu caso, qualquer fantasma.

Não estou dizendo que minha mãe entendeu que eu estava apontando para um fantasma ao mesmo tempo que balbuciava umas coisas incompreensíveis naquela tarde, quando tinha 2 anos. Duvido que ela soubesse. Provavelmente pensou que eu estava querendo dizer alguma coisa sobre o camundongo que ela havia tirado de mim naquela manhã. Mas ela parecia descontraída lá no alto da escada e concordou com a cabeça, dizendo:

Sempre ao seu ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora