Capítulo 6 - O Mediador

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Desviei o olhar do padre Jaha para a fantasma da garota e voltei a olhar para ele. Finalmente, consegui balbuciar:

— O senhor consegue vê-la?

Ele fez que sim.

— Sim. Quando sua mãe me falou de você e dos seus... problemas no colégio, eu desconfiei que você podia ser uma das nossas, Clarke.

Eu mal conseguia ouvi-lo. Ainda precisava me acostumar ao fato de finalmente ter encontrado outro mediador, depois de todos aqueles anos.

— Então é por isto que não há espíritos por aqui! — disse eu, praticamente gritando. — O senhor cuidou deles. Eu estava tentando imaginar o que havia acontecido com todos eles. Esperava encontrar centenas...

Padre Jaha abaixou a cabeça modestamente e disse:

— Bem, não eram centenas, exatamente, mas quando cheguei aqui havia mesmo uma boa quantidade. Mas não era nada, no fundo. Apenas cumpri o meu dever, fazendo uso do dom celestial que recebi de Deus.

Eu fiz cara de espanto.

— É Dele que você acha que vem?

— Mas é claro que se trata de um dom que recebemos de Deus. — Padre Jaha me olhava com aquele tipo de piedade que os fiéis sempre demonstram conosco, pobres e patéticas criaturas cheias de dúvidas. — De onde mais você acha que poderia vir?

— Não sei. De certa forma, eu sempre quis ter uma conversa com o responsável, entende? Se pudesse escolher, eu preferiria de longe não ter sido abençoada com este dom.

Padre Jaha pareceu surpreso:

— Mas por quê, Clarke?

— Só serve para me criar problemas. O senhor tem ideia de quantas horas já passei em consultórios de psiquiatras? Minha mãe está convencida de que sou completamente esquizofrênica.

— Sim — concordou padre Jaha, pensativo. — Compreendo que um dom milagroso como o seu possa ser considerado por uma pessoa leiga como... digamos, incomum.

— Incomum? O senhor está brincando comigo?

— Reconheço que aqui na Missão eu posso contar com uma proteção — admitiu — Nunca me ocorreu que deve ser extremamente difícil para vocês que estão... bem, na linha de frente, por assim dizer, sem um efetivo apoio eclesiástico...

— Vocês? — indaguei, levantando as sobrancelhas. — O senhor está dizendo que não somos só nós dois?

Ele pareceu surpreso.

— Bem, eu presumi... certamente não somos só nós dois. Não é possível que sejamos os últimos. Não, não, certamente há outros.

— Desculpem-me — interrompeu a fantasma, olhando-nos com sarcasmo. — Será que se importavam de me dizer o que está acontecendo? Quem é esta perua? É ela que vai tomar o meu lugar?

— Ei! Veja como fala! — retruquei, fulminando-a com os olhos. — Você está na presença de um padre.

Ela sorriu com escárnio para mim:

— É mesmo, é? E eu não sei que ele é um padre? Ele passou a semana inteira tentando se livrar de mim.

Eu olhei para o padre Jaha com ar de surpresa, e ele disse, embaraçado:

— Bem, é que a Ontari está sendo um tanto obstinada...

— Se está pensando — interferiu Ontari com sua vozinha ranheta — que eu vou ficar aqui de braços cruzados deixando que você entregue o meu armário a esta perua...

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