Ele não comeu.
Ele me convidou para jantar, mas não comeu. Tad comeu. Tad comeu bastante.
Pelo menos Tad tinha bons modos. Segurou a cadeira para mim enquanto eu me sentava. Até usou guardanapo, em vez de simplesmente enxugar as mãos nas calças, um dos truques prediletos de Bellamy. E se certificou de que eu fosse servida antes, de modo que havia bastante coisa para nós.
Especialmente porque seu pai não estava comendo.
Mas ele se sentou conosco. Sentou-se à cabeceira da mesa com uma taça de vinho tinto – pelo menos parecia vinho – e sorria para mim sempre que cada prato era apresentado.
Você leu certo. Eu nunca tinha comido uma refeição com vários pratos. Quero dizer, Kane era um bom cozinheiro e tal, mas em geral servia tudo ao mesmo tempo – você sabe, entrada, salada, croquetes, tudo ao mesmo tempo.
Na casa de Red Beaumont os pratos vinham individualmente, servidos por garçons com grandes floreios; dois garçons, de modo que os nossos pratos – quero dizer, de Tad e meu – eram servidos ao mesmo tempo, e a comida de ninguém ficava fria enquanto estava esperando que todos fossem servidos.
E o Sr. Beaumont não tocou em nada. Disse que estava numa dieta especial e que já tinha jantado.E mesmo eu não acreditando em vampiros, só fiquei ali sentada, imaginando em que consistiria sua dieta especial e se a Sra. Fiske e aqueles ecologistas desaparecidos tinham proporcionado alguma parte dela.
Eu sei. Eu sei. Mas não podia evitar. Estava me assustando o modo como ele só ficava ali sentado bebendo vinho e sorrindo enquanto Tad falava de basquete.
E de repente fiquei convencida de que tinha reagido com exagero lá em casa quando pedi a Lexa que mandasse o padre Jaha chamar os policiais se eu não estivesse em casa à meia-noite. Quero dizer, é, havia gente que poderia pensar que Red Beaumont era vampiro, e ele certamente podia ter feito fortuna de um modo assustador.
Mas isso não o tornava necessariamente um mau sujeito. E nós não tínhamos prova de que ele realmente havia matado aquelas pessoas. E quanto à mulher morta que ficava aparecendo no meu quarto? Ela estava convencida de que Red não a havia matado. Tinha se esforçado bastante para me garantir que ele era inocente da morte, pelo menos. Talvez o Sr. Beaumont não fosse tão mau assim.
— Bom, onde é que nós estávamos? Ah, sim. Clarke, você ia contar como sua turma está tentando levantar dinheiro para restaurar a estátua do padre Serra que infelizmente foi vandalizada na semana passada...
— Ah, claro — concordei.E comecei a contar uma história longa e chata, que na verdade era uma grande mentira.
— E então — falei, realmente convencida de que a coisa toda tinha sido um enorme mal-entendido — Nós descobrimos que é mais barato fundir uma nova estátua inteira do que consertar a antiga, mas aí não seria uma obra autêntica de... bem, sei lá quem é o artista, esqueci. Então ainda estamos tentando decidir. Se consertarmos a antiga, haverá uma emenda aparecendo no pescoço, mas a gente poderia esconder a emenda se levantasse a gola da batina do padre Serra. De modo que está havendo uma disputa entre precisão histórica e uma batina de gola alta, e...
Foi nesse ponto da minha narrativa que de repente Tad se lançou para frente e caiu de cara no meu colo.
Olhei-o assustada. Será que eu era tão chata assim? Meu Deus, não era de espantar que ninguém tivesse me convidado para sair antes.
Foi então que percebi que Tad não estava dormindo. Estava inconsciente.
Olhei para o Sr. Beaumont, que ficou observando tristonho o filho, sentado no sofá de couro diante de mim.
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Sempre ao seu lado
RomansaVivi mais de mil anos. Morri incontáveis vezes. Esqueço o número exato. Minha memória é uma coisa extraordinária, mas não é perfeita. Sou humano. As primeiras vidas são um tanto indistintas. O arco da alma segue o desenho de cada uma das vidas. Houv...