Finalmente uma interação entre elas :D
Boa leitura!!
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Se eu dissesse que a garota ficou surpresa de ser abordada daquela maneira, estaria muito longe de dar uma ideia da reação dela. Ela não ficou apenas surpresa. Chegou até a olhar ao redor para ver se era com ela mesmo que eu estava falando.
Mas é claro que a única coisa que havia atrás dela era a janela e, além dela, aquela vista inacreditável da Baía e o mar. De modo que acabou se voltando novamente para mim e deve ter visto que meu olhar estava grudado no seu rosto, pois suspirou "Meu Deus".
— Não adianta invocar seus espíritos superiores — comuniquei-lhe, arrastando a cadeira com bordados cor-de-rosa para minha nova penteadeira e sentando-me nela, de frente para ela. — Se ainda não notou, Ele não está prestando muita atenção em você. Caso contrário, não a teria deixado por aqui apodrecendo todos estes anos... — e então dei uma olhada mais firme nas suas roupas, que pareciam muito com algo saído do velho oeste. — Quantos anos mesmo?... Uns cento e cinquenta anos? Já passou mesmo este tempo todo desde que você bateu as botas?
Ela me olhou fixamente com seus olhos verdes e úmidos. E perguntou, com uma voz rouca por falta de uso:
— O que quer dizer... bateu as botas?
Eu não pude deixar de revirar os olhos de impaciência. E traduzi:
— Esticou as canelas. Dobrou o Cabo da Boa Esperança. Foi desta para melhor.
Quando vi por sua expressão de perplexidade que ela continuava sem entender, finalmente eu falei, exasperada:
— Morreu.
— Ah — repetiu ela. — Morri.
Mas em vez de responder a minha pergunta, ela balançou a cabeça.
— Não estou entendendo — disse, com ar de espanto. — Não entendo como você consegue me ver. Durante todos esses anos, ninguém nunca...
— Claro — fui cortando, pois como você já deve saber, estou cansada de ouvir esse tipo de coisa. — Olha só, os tempos mudaram, sabia? Então, qual é a tua?
Ela piscou com aqueles enormes olhos esmeraldas. Suas pestanas eram mais longas que as minhas. Não é sempre que dou de cara com uma fantasma que também é uma graça, mas aquele garota... caramba, ela devia ter sido alguma coisa quando viva, pois ali estava ela morta e eu já estava querendo adivinhar como eram as coisas por baixo da camisa branca que usava, bem aberta, revelando um pouco do abdômen definido. Será que fantasma também faz abdominal? Era o tipo da coisa que eu nunca tivera oportunidade – ou vontade – de explorar até então.
Não que eu fosse me deixar perturbar por esse tipo de coisa àquela altura dos acontecimentos. Afinal de contas, sou uma profissional.
— A minha? — repetiu ela.
Até sua voz parecia derretida, com um tom monótono.
— É — falei, e limpei a garganta.
Ela se virara um pouco e apoiara uma botina na almofada azul-clara do assento da janela, e então eu pude ter certeza de que os fantasmas realmente podem fazer abdominais. Seus músculos abdominais eram muito definidos, definidos demais para apenas uma garota.
Eu engoli em seco. Bota seco nisso.
— Sim, a tua. Qual o seu problema? Por que ainda está aqui? — Ela olhou para mim, sem expressão, porém interessada. Eu fui mais clara: — Por que você ainda não foi para o outro lado?
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Sempre ao seu lado
RomanceVivi mais de mil anos. Morri incontáveis vezes. Esqueço o número exato. Minha memória é uma coisa extraordinária, mas não é perfeita. Sou humano. As primeiras vidas são um tanto indistintas. O arco da alma segue o desenho de cada uma das vidas. Houv...