Capítulo 10 - Salvadora

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Era uma noite fresca e clara. De lua cheia. Ali, na frente da casa, eu a via sobre o mar, parecendo um lampião aceso – não um farol como o sol, mas uma daquelas lâmpadas de baixa potência que a gente põe em abajures na mesinha-de-cabeceira. O Pacífico, parecendo à distância um espelho tranquilo, estava negro, exceto numa estreita faixa iluminada pela lua, branca como papel.

À luz da lua eu podia ver a cúpula vermelha da igreja Missionária. Mas só porque eu estava vendo a cúpula não queria dizer que estava perto. Ficava a bem uns três quilômetros de distância.

Dei meia-volta e caminhei em direção à garagem. Tinha de haver uma bicicleta em algum lugar. Dois garotos, correto? Tinha de haver pelo menos uma bicicleta.

Acabei encontrando uma.

Então pensei: muito bem, lá vou eu vestida de preto, andando de bicicleta pelas ruas depois de meia-noite. O que está faltando?

E lá fui eu, descendo a ladeira. Cascalho não é exatamente o melhor terreno para andar de bicicleta, especialmente na descida. E logo ficou claro que o caminho todo era descendente, pois a casa, com vista para a baía.

Descer certamente era melhor que subir – eu nunca conseguiria voltar para casa pedalando ladeira acima; entendi perfeitamente que na volta teria de empurrar a bicicleta –, mas aquela descida dava uma aflição enorme. A colina era tão íngreme, o caminho era tortuoso e a noite estava tão fria que pedalei com o coração na boca quase o tempo todo, com lágrimas escorrendo pelas bochechas por causa do vento.

Mas a colina não era o pior de tudo. Quando cheguei lá embaixo, dei com um cruzamento de pistas. Dava muito mais medo que a colina, pois embora já passasse da meia-noite havia carros. Um deles buzinou para mim. Mas não foi culpa minha. Eu estava indo tão rápido por causa da colina e tudo mais, que se tivesse parado, provavelmente teria voado por cima do guidão. De modo que fui em frente, escapando por pouco de ser atropelada por uma picape e, de repente, nem sei como, eu estava entrando no estacionamento do colégio.

O lugar parecia muito diferente à noite. Para começar, durante o dia o estacionamento estava sempre cheio, com todos aqueles carros dos professores, alunos e turistas que visitavam a igreja. Mas agora estava vazio, não havia um único carro, e tão tranquilo que era possível ouvir, bem longe, o som das ondas na praia de Carmel.

Além disso, por causa do turismo, suponho, eles tinham instalado aqueles focos de luz para iluminar certas partes do prédio, como a cúpula – que estava toda iluminada – e o frontispício da igreja, com seu enorme pórtico de entrada. Mas a parte posterior do prédio, onde parei, estava bem escura. O que, afinal, me convinha perfeitamente.

Escondi a bicicleta atrás de uma lixeira, deixei o capacete pendurado no guidão e me aproximei de uma janela. A Missão foi construída há mais ou menos um quinquilhão de anos, quando não existia ar-condicionado ou aquecimento central e, para refrescar no verão e aquecer no inverno, as construções tinham paredes muito grossas. Com isto, todas as janelas do lugar tinham uma profundidade de uns trinta centímetros, com mais outros trinta de recuo na parte interior.

Subi num desses parapeitos, olhando ao redor para ver se alguém estava me vendo. Mas só havia por perto um par de guaxinins fuçando em volta da lixeira, em busca de algum resto do almoço. Levei as mãos ao rosto como uma viseira, para proteger os olhos da luz da lua, e olhei para dentro.

Não levei mais que um segundo para quebrar o vidro de uma das antiquadas vidraças de ferro, esticar o braço lá para dentro e abrir a janela. O mais difícil em matéria de arrombar uma janela não é propriamente o momento de quebrar o vidro ou mesmo de conseguir abrir a maçaneta. O pior é tirar a mão depois sem se cortar.

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