Capítulo 4 - Sussurro

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Jantar na casa de Kane era igualzinho a jantar em qualquer outra casa de família grande que eu conhecia: todo mundo falava ao mesmo tempo – menos, claro, Jasper, que só falava quando alguém lhe perguntava alguma coisa – e ninguém queria tirar a mesa no fim.

Programei meu cérebro para telefonar no dia seguinte para Raven e dizer que ela estava errada. Eu não conseguia ver qual era a vantagem de ter irmãos: eles comiam com a boca aberta e acabavam com todos os croquetes antes que eu conseguisse chegar perto de um único.

Depois do jantar, resolvi que seria melhor não voltar para o quarto e deixar bastante tempo para Lexa decidir se ia cair fora com ou sem os dentes. Não sou muito fã de violência, mas infelizmente é um dos ossos do ofício no meu caso. Às vezes a única maneira de fazer alguém ouvir é com os punhos. Reconheço que não é uma técnica recomendada pelos manuais usados pela maioria dos terapeutas para fazer seus diagnósticos.

Mas eu nunca disse mesmo que era uma terapeuta...

Meu plano só tinha um problema: era noite de sábado. Com todo o estresse da mudança, eu tinha esquecido que dia era. Numa noite de sábado comum em Nova York, eu provavelmente teria saído com Raven, ir ao cinema ou simplesmente ficado em frente de casa vendo gente passar. Posso ser uma garota de cidade grande, mas isto não quer dizer que a minha vida lá fosse cheia de glamour.

Mas a minha mãe não podia esperar a hora em que eu adentraria na vida social de Carmel. Mal havia enchido o lava-louças, e ela começou:

— Octavia, o que você vai fazer hoje à noite? Tem alguma festa ou coisa assim? Quem sabe você levava a Clarke e a apresenta às pessoas?

Bellamy, que estava preparando um shake de proteínas – aparentemente, as duas dúzias de camarões gigantes e o bife cavalar que ele comera no jantar não eram suficientes – respondeu:

— É mesmo, quem sabe, se Jasper não fosse trabalhar hoje à noite...

Ouvindo seu nome, Jasper se sacudiu, enfiou a cara no relógio, praguejou, pegou a jaqueta e foi saindo. Octavia olhou para o relógio e fez um "tsc,tsc":

— Atrasado de novo. Se não tomar cuidado, vai ser posto na rua.

Mas Jasper tinha um emprego? Era novidade para mim, e eu perguntei:

— Onde ele trabalha?

— Na Península Pizza.

— Jasper está trabalhando em uma pizzaria?

Da cozinha, areando uma forma de bolo na pia, Kane explicou:

— Ele faz as entregas. Volta para casa com um monte de gorjetas.

— Está economizando para comprar um Camaro — informou Bellamy, com um grosso bigode branco de shake.

— Ah...

— Se quiserem que eu os deixe em algum lugar, terei o maior prazer — ofereceu-se Kane, generosamente. — E então, O? Vai mostrar à Clarke como andam as coisas no shopping?

— Negativo — respondeu Octavia, limpando a boca com a manga do pulôver. — O pessoal ainda não voltou do feriado em Tahoe. Talvez na semana que vem.

Eu quase desmaiei de alívio. A palavra shopping invariavelmente me enchia de horror, horror que não tinha nada a ver com os "morto-vivos". Em Nova York não existem shoppings como os daqui, mas Raven adorava pegar o trem para ir a Nova Jersey. Geralmente depois de uma hora eu ficava com os sentidos completamente transtornados e tinha de me sentar para tomar um chazinho de ervas até me acalmar.

E eu tenho de reconhecer que também não estava propriamente encantada com a ideia de alguém me "deixar" em algum lugar. Minha nossa, o que havia de errado com aquele lugar? Dava para entender perfeitamente por que não seria uma grande ideia implantar o metrô, considerando-se as falhas geológicas que provocavam terremotos, mas por que não tinham criado um sistema decente de transporte urbano em ônibus?

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