Ninguém me contou sobre o sumagre venenoso.
Ah, falaram sobre as palmeiras. É, contaram muita coisa sobre as palmeiras, certo. Mas ninguém disse uma palavra sobre a história do sumagre venenoso.
— O negócio, Clarke...
O padre Jaha estava falando comigo. Eu tentava prestar atenção, mas deixe-me dizer uma coisa: sumagre venenoso coça.
— Como mediadores, o que eu e você somos, Clarke, nós temos uma responsabilidade. Dar ajuda e consolo às almas desafortunadas que sofrem no vazio entre os vivos e os mortos.Bom, é, as palmeiras são legais e tudo. Foi maneiro sair do avião e ver as palmeiras em toda parte, especialmente porque eu tinha ouvido dizer que podia ficar bem frio à noite no norte da Califórnia.
Mas que negócio é esse do sumagre venenoso? Como é que ninguém me avisou disso?
— Veja bem, como mediadores, Clarke, é nosso dever ajudar as almas perdidas a ir para onde devem. Nós somos seus guias, por assim dizer. Sua conexão espiritual entre este mundo e o outro — padre Jaha mexia num maço de cigarros fechado sobre sua mesa e me olhou com aqueles grandes olhos azul-bebê. — Mas quando a pessoa que serve de elemento de ligação espiritual pega sua cabeça fantasmagórica e bate com ela numa porta de armário... bem, esse tipo de comportamento não produz exatamente o tipo de confiança que gostaríamos de estabelecer com nossos irmãos e irmãs perturbados.
Ergui os olhos da erupção vermelha em minhas mãos. Erupção. Essa nem era a palavra certa. Era como um fungo. Pior até do que um fungo. Era um câncer. Um câncer insidioso que, com o tempo, consumiria cada centímetro da minha pele lisa e sem manchas, cobrindo-a de calombos vermelhos e escamosos. Que por sinal soltavam líquido.
— É — falei — mas se os irmãos e irmãs perturbados estão pegando pesado com a gente, não vejo por que é um crime tão grande eu só agarrá-los e jogar contra o...
— Você não percebe, Clarke?
O padre Jaha apertou com força o maço de cigarros. Eu só o conhecia há duas semanas, mas sempre que ele começava a acariciar os cigarros, que, a propósito, ele nunca fumava, queria dizer que estava chateado com alguma coisa.
Essa coisa, em particular, parecia ser eu.
— E é por isso que você é chamada de mediadora — explicou ele. — Você deveria ajudar a levar essas almas perturbadas à realização espiritual...
— Olha, padre Jaha — falei, escondendo minhas mãos que soltavam pus. — Não sei com que tipo de fantasmas o senhor andou lidando ultimamente, mas os que andaram esbarrando comigo têm tanta probabilidade de achar realização espiritual quanto eu de achar uma fatia de pizza decente, estilo Nova York, nesta cidade. Não vai acontecer. Esses caras vão para o Inferno, para o Céu ou para a próxima vida na forma de uma lagarta em Kathmandu, mas de qualquer modo que a gente veja a coisa, alguns às vezes vão precisar de um pequeno chute no traseiro para chegar lá...
— Não, não, não.
O padre Jaha se inclinou para frente. Não podia se inclinar muito porque há cerca de uma semana uma daquelas suas almas perturbadas tinha decidido adiar o esclarecimento espiritual e em vez disso tentou arrancar a perna dele. Além disso, partiu duas de suas costelas, deu-lhe uma concussão bem forte, arrebentou com a escola numa boa e – vejamos – o que mais?
Ah, é. Tentou me matar.
O padre estava de volta à escola, mas usava um gesso que ia até os dedos dos pés e desaparecia sob a batina preta, quem sabe até onde?
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Sempre ao seu lado
RomanceVivi mais de mil anos. Morri incontáveis vezes. Esqueço o número exato. Minha memória é uma coisa extraordinária, mas não é perfeita. Sou humano. As primeiras vidas são um tanto indistintas. O arco da alma segue o desenho de cada uma das vidas. Houv...