A Academia Junipero Serra havia sido integrada ao sistema oficial de ensino na década de 80, e para meu grande alívio desistira recentemente da obrigatoriedade do uniforme. Os uniformes eram azul real e branco, que não são exatamente as minhas cores favoritas. Felizmente, os uniformes eram tão impopulares que o colégio acabou desistindo deles, assim como acabara aceitando meninas, e embora os alunos ainda não pudessem usar jeans, podiam vestir praticamente tudo que quisessem. O que me convinha perfeitamente, pois eu só estava interessada em usar minha enorme coleção de roupas de grife, comprada em várias lojas de Nova Jersey com a ajuda de Raven como consultora de moda.
Mas o lado católico é que ia ser um problema. Não exatamente um problema, mais um transtorno. O negócio é que minha mãe nunca se preocupou em me educar dentro de alguma religião específica. Meu pai era judeu não-praticante e minha mãe, cristã. A religião nunca havia desempenhado um papel importante na vida dos dois, e nem é preciso dizer que só servira para me confundir.
O que estou querendo dizer é que qualquer um poderia imaginar que eu tivesse uma compreensão melhor da religião do que qualquer outra pessoa, mas a verdade é que eu não tenho a menor ideia do que acontece com os fantasmas que mando para onde deveriam ir depois de morrer. Só sei que depois que os mando para lá, eles não voltam. Nunca. Ponto final.
De modo que quando minha mãe e eu chegamos à administração da Academia Missionária na segunda-feira posterior à minha chegada à ensolarada Califórnia, eu estava bastante incomodada com o enorme Jesus crucificado por trás da escrivaninha da secretária.
E, aliás, eu havia sido prevenida. Na manhã de domingo, minha mãe mostrara o colégio da janela, enquanto me ajudava a desfazer as malas.
— Está vendo aquela grande cúpula vermelha? — perguntou. — É a Academia Missionária. A cúpula é da capela.
Jasper estava ali por perto – eu já havia notado que ele fazia isto com muita frequência – e começou a fazer mais uma das suas descrições detalhadas, desta vez sobre os franciscanos, membros de uma ordem religiosa católica que seguia os ensinamentos de São Francisco, oficializados em 1209. O padre Junipero Serra, um monge franciscano, era, segundo ele, um personagem histórico tragicamente mal interpretado. Herói polêmico da Igreja católica, a possibilidade de sua santificação chegara a ser considerada em certa época, mas, segundo a explicação, os indígenas americanos contestaram a iniciativa, considerando-a "uma forma de aprovação das táticas de exploração da colonização espanhola. Embora se saiba que defendeu os direitos econômicos e de propriedade dos indígenas americanos aculturados, Junipero Serra também militou ativamente contra seus direitos de ter um governo próprio e apoiou com intransigência os castigos corporais, recorrendo ao governo espanhol pelo direito de açoitar indígenas".
Quando Jasper acabou sua palestra, eu olhei para ele e perguntei:
— Memória fotográfica, hein?
Ele ficou sem graça.
— Bom — respondeu. — É sempre bom conhecer a história do lugar onde a gente vive.
Arquivei aquilo na memória para o caso de necessidade no futuro. Jasper podia ser a pessoa indicada caso Lexa voltasse a aparecer.
Naquele momento, de pé ali no frio escritório do prédio antigo que Junipero Serra mandara construir para o progresso dos nativos da região, eu estava me perguntando quantos fantasmas encontraria. Aquele tal de Serra devia ter um monte de indígenas fulos com ele – especialmente levando-se em conta a história dos castigos corporais – e eu não tinha a menor dúvida de que ia encontrar todos eles.
Apesar disso, quando minha mãe e eu atravessamos o grande pórtico frontal do colégio em direção ao pátio em torno do qual a Academia Missionária fora construída, não vi uma única pessoa que parecesse estar no outro mundo. Havia alguns turistas tirando fotos de uma bela fonte, um jardineiro trabalhando ao pé de uma palmeira – pois havia palmeiras até no meu novo colégio –, um padre caminhando em atitude de silenciosa contemplação pelo corredor.
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Sempre ao seu lado
RomanceVivi mais de mil anos. Morri incontáveis vezes. Esqueço o número exato. Minha memória é uma coisa extraordinária, mas não é perfeita. Sou humano. As primeiras vidas são um tanto indistintas. O arco da alma segue o desenho de cada uma das vidas. Houv...