Capítulo 20 - A moça com cabelos de fogo

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Aquele fora um dos piores dias da vida de Faedran Eochad. Abandonado pela irmã, capturado por desconhecidos e deixado sem água e comida em uma cela, ele mal tinha forças para pensar em como escapar.

O maior problema era aquele porão. Pequeno, abafado, escuro como um túmulo... o lugar era um pesadelo para alguém acostumado a dormir sob a luz das estrelas. Faedran se lembrou do céu de sua amada Afeldhun e desejou poder voltar para lá, onde o ar fresco não cheirava à urina de Madras, e onde as pessoas tratavam umas às outras como irmãs. Em algum momento, o dokalfar fechou os olhos e passou a pensar na relva fofa onde costumava dormir, bem em frente às Cascatas de Pérola. Isso ajudava a esquecer a náusea, a dor de cabeça e a falta de ar, mas, por outro lado, trazia lembranças de Faena. De tempos em tempos, Faedran se lembrava do que sua irmã tinha feito e sentia o peito doer.

Faena sabe que a seiva do salgueiro de Ma Ulna tem um efeito maior em mim... ela sabia que eu estaria em perigo se me deixasse naquele bosque, mas, mesmo assim, fez o que fez. A dor mudou minha irmã. Ela está irreconhecível. É uma loucura o que ela fez... uma loucura que pode ser fatal. Para ela...

E para mim.

De repente, Faedran foi retirado de suas divagações. Sabia que estava sendo vigiado porque sentia o cheiro de seus carcereiros, mas agora havia algo novo. Algo agradável, limpo, com um toque de lavanda... o dokalfar reconheceu o aroma da moça com cabelos de fogo. Ainda zonzo, ele abriu os olhos e viu a jovem ruiva em frente à porta da cela, fitando-o com uma expressão neutra. A seu lado, a cadela de pelos brancos e marrons virava a cabeça, calma.

– Dara – a moça disse – Vá vigiar a entrada. Se alguém chegar, lata.

Incrivelmente, o animal obedeceu. A mulher tirou um molho de chaves do cinto, abriu a porta da cela e entrou, o que deixou o dokalfar apreensivo. É verdade que ela tinha olhos gentis, mas como ele podia ter certeza de alguma coisa naquelas terras? Agitado, Faedran sentiu mais uma onda de calafrios e náusea maltratar seu corpo e pensou que daria qualquer coisa para sair daquele lugar. Nesse momento, a moça chegou bem perto dele e se abaixou; ela segurava uma caneca de cobre em uma das mãos.

– Você deve estar com sede.

A jovem não esperou resposta. Colocou a caneca nos lábios dele e o ajudou a beber uma água maravilhosamente fresca. Faedran se sentiu tão agradecido que, depois de terminar, murmurou a primeira palavra do dia.

– Obrigado.

A moça pareceu satisfeita.

– Então você fala, dokalfar. E sabe nossa língua.

Faedran assentiu, zonzo.

– Sim. Não devia me deixar sem água? – ele perguntou, com a voz pastosa.

Ela deu de ombros.

– Devia. Mas eu gosto de lobos. Principalmente daqueles que fazem Madras mijar de medo nas calças.

O dokalfar conseguiu sorrir. A bondade que ele vira nos olhos dela parecia não ter sido fruto de uma impressão errada, afinal. A moça começou a mexer em uma algibeira presa ao cinto dela e, de repente...

– Ah! – ele arquejou, surpreso.

– Já fazia tanto tempo que eu queria uma desculpa para dar uma sova no Madras – ela disse, virando uma pena branca e cinzenta entre os dedos – Isto... é um agradecimento.

Meu talismã, Faedran pensou. A moça ficou muito séria, mas se aproximou e prendeu a pena em uma das mechas do cabelo do elfo, exatamente onde ela estava antes. 

Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)Onde histórias criam vida. Descubra agora