Capítulo 44 - Aquilo que ele não disse

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Eladar não soube quanto tempo passou embalado em serenidade, dormindo um sono tranquilo. Apesar disso, despertar não foi nenhum martírio. Gradualmente, um calor suave começou a subir de seus pés para suas pernas, desembocou em seu abdômen e se espalhou pelo peito, estendendo-se até o pescoço. Quando o clérigo sentiu até as orelhas esquentarem, ele abriu os olhos, sem sobressalto. A princípio, ficou confuso, porque flutuava. Depois de alguns segundos, percebeu que não havia nada de sobrenatural acontecendo; na verdade, El estava parcialmente imerso em uma água morna e revigorante, que preenchia uma enorme bacia de pedras brancas.

– Boa noite, pequeno.

Ele olhou para cima, de onde a voz vinha. Ma Ulna estava sentada ao lado dele, na borda do que parecia ser uma grande fonte. A cabeça do elfo repousava sobre algo macio, na mesma borda, e ele se deu conta de que fazia meses que não se sentia tão bem.

– Nós lavamos aquelas runas imundas que os orcs desenharam em você. – A anciã disse, sorrindo. – Imagino que esteja se sentindo melhor.

O garoto concordou.

– Sim, senhora. Obrigado.

Eladar virou a cabeça. Ainda estavam próximos do enorme salgueiro de antes, mas agora El parecia vê-lo de outro ângulo. Além de Ma Ulna, não havia ninguém à vista. Vagalumes e o brilho de lamparinas redondas eram seus únicos companheiros, ao que parecia.

– Faena está com os pais. – Ela adivinhou a pergunta do clérigo. – Poucos sabem que ela está de volta e apenas nós duas sabemos que você está aqui. Vamos continuar assim, certo?

– Onde estamos?

– Em Afeldhun, querido.

– Ah, sim... eu sei... – ele respondeu, vermelho. – Faena me disse... mas...

– Você quer que eu o situe. – A velha riu. – Sim, nada mais justo. Vamos lá. Você está na fonte de Selaya, ou fonte da Lua, se preferir. Estas águas estão sempre quentes e elas fazem bem ao espírito. Já sentiu, não? Por fim, este salgueiro é o meu lar. Eu trouxe vocês até aqui por um... atalho.

Eladar se deu por satisfeito. Se Ma Ulna era um espírito, como Faena havia dito, devia ter seus subterfúgios. Depois ele podia até fazer mais perguntas, mas, por hora, tinha uma dúvida muito importante que precisava ser esclarecida.

– Tem certeza de que não estou morto, senhora? – Ele perguntou, genuinamente preocupado.

Ma Ulna gargalhou.

– É que, veja bem... – ele explicava – aqui é muito bonito. Parece mesmo um paraíso. O céu tem cor de violetas... e as estrelas, olhe só para as estrelas...

– Primeiro: – a anciã pigarreou – pare de me chamar de senhora. Ma Ulna está bom, ou Ma. Segundo: não, você não está morto, eu garanto. Mas existem duas pessoas nesta terra bonita que precisam de sua ajuda, ou senão elas morrerão.

Eladar empalideceu. 

– Os pais de Faena. – Ele levantou o tronco – Ma Ulna... me leve até eles.

A velha sorriu. Os olhos dele mostravam resolução, mas as bandagens em seu tronco ainda tinham um pouco de sangue.

– Calma – ela disse – Ainda há tempo para você se curar, se secar e se vestir melhor. Acha que consegue fechar estes cortes, depois de duas horas na fonte de Selaya?

Ele aquiesceu.

– Com certeza.

A anciã observou enquanto o clérigo tocava o próprio peito e fechava os olhos. "Deusa, dama da Luz, dama de prata, atenda ao meu chamado. Ajude-me a curar o meu corpo para que assim eu possa curar os corpos e as almas de meus irmãos. Permita-me ser o seu instrumento, mãe de todos". Era uma oração tão simples... e tão verdadeiramente bonita...

Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)Onde histórias criam vida. Descubra agora