Capítulo 4 - Irmão Sol, Irmã Lua

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Silena não era mais a mesma. A manhã mal tinha raiado e a cidade já estava desperta, repleta de um burburinho confuso. O sino tocava, os comerciantes gritavam, os animais zurravam e baliam, mas tudo isso acontecia lá fora, em um mundo muito distante daquele quarto. Ali havia silêncio. Talvez até demais.

O dia estava nublado, mas alguns raios de sol conseguiam chegar até as janelas; tímidos, eles tocavam o rosto de uma elfa que olhava para o leito onde ela e o marido costumavam dormir. Naquela noite, Valenia não fechara os olhos uma vez sequer, ao passo que seu companheiro ressonava de modo quase imperceptível, embebido em um sono profundo que ela conhecia muito bem.

Ainda não me acostumei a isso. Vinte anos, e todas as vezes eu sinto medo de que você não acorde. De que não volte para mim, Myron...

Bobagem. Ele sempre voltava. Sempre. Por que teria de ser diferente agora?

Porque já está diferente, Valenia. E você sabe. Ontem foi noite de Lua cheia. E tem algo pesando no seu peito há dias.

A porta do quarto estava entreaberta, deixando uma fresta pequena por onde os olhos de Lyriel insinuavam-se. Valenia havia expulsado os filhos do quarto poucas horas atrás. "Não façam alarde. Não se preocupem. Agora, saiam daqui, porque eu quero dormir com meu marido sozinha. VÃO!". Lily notou os ombros da mãe arqueados, como se carregassem o peso do mundo. Fazia tempo que eles não ficavam assim.

Mamãe. Valenia. Filha do ex capitão Dufel. O coração de um dragão, tia Elora gostava de dizer. A mãe de Lyriel era uma mulher com muitas histórias para contar, mas agora seus lábios estavam cerrados, e ela não desviava os olhos de seu marido. Lily suspirou. Às vezes seus pais pareciam dois estranhos, envoltos em seus mistérios. Havia muito que eles não diziam. Por exemplo, os cabelos de Valenia jamais cresciam além da altura do pescoço. A elfa afirmava que os cortava regularmente, mas Lyriel sabia que era mentira. Nunca vira a mãe cortar os cabelos em toda a sua vida. Aquelas madeixas curtas tinham algum significado, mas Valenia nunca se dera ao trabalho de dizer qual. Talvez fosse um segredo. Talvez fosse algo que ela e Myron gostavam de guardar só para eles, um detalhe íntimo demais para ser partilhado, mesmo com os filhos.

Eles passaram por muita coisa. Às vezes, eu me sinto muito longe dos dois... muito longe...

– Lily – uma voz sussurrou, de repente – Lily, o que está fazendo?

Lyriel conteve o próprio sobressalto e se virou discretamente. A mão de seu irmão pousava sobre seu ombro, e ela o olhou nos olhos. Puxa, El. O que você está fazendo aqui, isso sim. Havia manchas escuras ao redor e embaixo das pálpebras dele, nuvens carregadas cercando um pedaço de céu azul.

– El, me deixa em paz. Estou olhando a mamãe.

– Percebi – ele respondeu – Eu sei que está preocupada, Lily, mas nossa mãe precisa ficar sozinha. Ela gosta de estar sozinha todas as primeiras noites em que o pai fica fora.

– Não vejo sentido nisso – Lyriel retrucou, irritada, mas os dois já haviam se afastado da porta – Não gosto de deixar a mamãe sozinha quando ela está triste. E papai não devia estar dormindo, você...

– Eu sei – ele sorriu calmamente – Mas ele está, então vamos agir como sempre agimos quando ele dorme.

Eladar a guiava de volta para a cama. Maldita voz suave. Malditas mãos afáveis. Quando os dois chegaram ao quarto, ela se deitou, mesmo sem querer fazê-lo, e quanto mais ele sorria, mais ela se acalmava. Era uma coisa insana, o dom de seu irmão. Ele fazia as pessoas se sentirem bem. Um toque, uma palavra, um olhar... bastava isso.

Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)Onde histórias criam vida. Descubra agora