Quando Lyriel viu a porta do quarto abrindo, não teve tempo de fingir que estava adormecida. Lena entrou, trazendo uma bandeja com água e comida, e Lily continuou sentada contra a parede, abraçando o manto de seu irmão. A peça estava com cheiro de cachorro molhado, verdade... mas Lyriel também sentia um leve aroma de incenso e lavanda vindo do capuz. Por isso afundava o nariz ali, nostálgica; era como ter um pedacinho de casa nas mãos. Não só isso, era como ter um pouco de El e de seu pai, já que eles sempre voltavam do templo com aquele cheiro. Quando pequena, Lyriel não gostava daquela mistura, mas depois, aprendera a amá-la - era um sinal de que seu pai e seu irmão estavam em casa.
– Oi, prima – Lena disse. – Desculpe a demora. Fui dar uma olhada no ombro do nosso menestrel.
Lily franziu o cenho. Tinha uma expressão entre arrependida e preocupada.
– Ele está bem? – perguntou.
Lena se aproximou da cama, largando a bandeja em cima de um pequeno criado de madeira.
– Está, ao menos fisicamente – a anã considerou. – Fez graça enquanto eu o tratava, mas dava para ver que estava triste. Está preocupado com seu irmão e com você.
Lyriel mordeu os lábios.
– Eu sei – ela lamentou. – Não devia ter saído da mesa daquele jeito, mas... a música... ele cantou a favorita do El.
– É, Dufel me disse – Lena sorriu. – Ninguém ficou chateado, Lyriel. Só estamos preocupados com você. Agora, deixe-me fazer um cataplasma nesse braço e no seu pé. Depois, você vai comer, e amanhã vai estar novinha em folha.
– Você... fez um no ombro do Dufel? – a elfa perguntou.
Lena riu, mexendo em seu alforje.
– É claro... e falando nisso... Lily... posso perguntar uma coisa?
A garota aquiesceu, tímida. Lá vem uma daquelas conversas em que a gente fica contra a parede.
– Por que não dá uma trégua para seu amigo? – Lena foi direta. – É tão óbvio que se gostam. Mas você tem sido bastante fria, e eu imagino que tenha seus motivos. Só que...
– Lena – Lyriel a interrompeu. – Acha mesmo que é hora de pensar na minha vida amorosa?
A anã deu de ombros enquanto desenfaixava o braço da elfa.
– Bem... sim. Ninguém sabe o dia de amanhã, Lily. Você se lembra da última vezque vimos seu irmão?
Lyriel fez uma careta de dor, e Olena sabia que não era por causa dos cortes no braço. Talvez a anã estivesse indo longe demais, mas era melhor que uma pessoa como ela cutucasse as feridas da elfa. Se Lyriel precisava ficar zangada, que fosse com a anã, e não com seus amigos de longa data. Além do mais, aquela garota precisava conversar; se não o fizesse, poderia explodir no momento mais inoportuno. Lágrimas começaram a escorrer dos olhos da elfa. Bom, Lena ponderou.
– Sei o que está querendo dizer – Lyriel murmurou. – Eu briguei com ele, naquela manhã... disse uma porção de bobagens...
– Sim, prima. É isso mesmo que estou querendo dizer. Não faça coisas das quais vai se arrepender depois.
A anã começou a passar uma pasta espessa com cheiro de ervas nos cortes da prima. Lily mordia os lábios e seus ombros sacudiam-se por causa do choro.
– Se eu falar com Dufel, vou ceder – ela disse. – Ele tem sido ótimo. Me sinto completamente vulnerável, o que é péssimo, portanto, não quero... e não vou... me jogar nos braços dele para buscar consolo... não é justo, nem com ele, nem comigo e nem com El.
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Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)
FantasíaCerta manhã, Myron, o sumo sacerdote de Silena, simplesmente não desperta. Vivo, mas em um estado de coma, o clérigo não pode dizer o que há de errado, para desespero de sua esposa, Valenia, e de seus filhos, Eladar e Lyriel. Na mesma época, relatos...