Capítulo 49 - Você a perde, eu a encontro

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Faltava uma hora para o sol nascer quando Ma Ulna e Hagnam, o curandeiro, terminaram sua "conversa animada", como a anciã gostava de dizer. Não era incomum que os dois brigassem e discordassem em relação a métodos. Mas, desta vez, Ma Ulna tinha de admitir que havia passado um pouco dos limites. Esconder o que sabia sobre Faena, permitir que ela trouxesse um pálido sem o conhecimento de todos, ser cúmplice de um sequestro...

Talvez aquela fosse a coisa mais absurda que ela já fizera em toda a sua longa existência, mas também a mais recompensadora.

Ma Ulna fechou a porta do recinto dos Gylfis e olhou ao redor. A noite estava fresca e os archotes da passarela brilhavam com o rútilo púrpura de Afeldhun. A anciã ainda ouvia os resmungos de Hagnam de dentro do quarto, dizendo algo sobre o absurdo de ter sido enganado. Sorrindo, Ma Ulna se afastou, pensando que era hora de visitar Faena e o garoto.

Eladar. Ninguém sabia – nem mesmo ele – mas não era a primeira vez que se viam. Tudo começara por causa de Faena. Depois do cativeiro imposto pela vila de Dorvin, sua pequena águia mudara. Ficara arredia, desconfiada, o oposto da menina que Ma Ulna vira crescer. Talvez eles tivessem errado em deixá-la acreditar tanto. A jovem dokalfar cheia de ideais e sonhos abrira seu coração para uma vila que sofria com a seca, a fome e a doença.

Quinze anos. Era muito nova. Não deviam tê-la deixado ir sozinha, sem escolta, como ela pediu. Faena proibiu até mesmo Faedran de acompanhá-la, porque "sua cara amarrada assusta os menores, irmão". Ela acreditava que estava ganhando a confiança deles, que estava sendo aceita, até mesmo amada. Ensinou o que sabia, e contou até o que não podia – o fato de ser uma com a águia e ter um irmão lobo. Contou para uma jovem da idade dela, uma amiga, ela dizia.

E foi por isso que planejaram tão bem. Usaram as plantas certas, a mistura que ela havia ensinado. Um copo de água e Faena adormeceu, para acordar longe de Dorvin, em um buraco debaixo da terra, amarrada, amordaçada e vendada pela maior parte do tempo. Estava suja de fezes de cavalo para que nenhum olfato pudesse encontrá-la. Não tocaram nela, mas a deixaram na mesma posição por quatro dias, com pouca água – sempre misturada às ervas, para dopá-la - e nenhuma comida. Nos momentos de consciência, ela sentiu cãibras e um pânico maior do que tudo. Chorou a dor da traição. Perguntou-se por que não conseguia falar com seu irmão, por que Faedran se foi?

Ma Ulna, por sua vez, perguntou-se, por aqueles dois anos, por que os espíritos não conseguiram dizer a ela onde Faena estava. Talvez tivesse relação com o que estava acontecendo com Edrim. A energia de Rodrom, a Rosa Negra, a mácula que ela sentia crescer cada vez mais – e que precisaria ser enfrentada. Os espíritos já não conseguiam falar como antes, e a magia de Nuvara tinha desaparecido. Ainda assim, eles recuperaram Faena; sem derramamento de sangue, como Gylfi Duncan queria. 

Certa noite, duas luas após o resgate, a menina acordou com pesadelos e febre. Ma Ulna, então, sentou-se debaixo de seu carvalho e meditou. Meditou por horas, buscando dentro de si uma resposta, pedindo a Deusa que a ajudasse a curar sua Asynja. Faena não era a mesma, embora ainda fosse – e era por isso que sofria. Sofria por seus sonhos partidos, por sua confiança perdida que, no fundo, ela queria recuperar. Por ironia do destino, Ma Ulna dormiu, coisa que nunca acontecia quando a anciã meditava.

Naquela noite, ela conheceu Eladar de Silena.

Ma Ulna se viu em um templo de paredes brancas, dentro do que parecia ser um salão de rituais. Havia vários bancos enfileirados em frente a um altar de madeira clara, entalhado com folhas, flores e uma representação do ciclo da Lua. Também havia um crescente de prata pendurado à parede, quase do tamanho da própria Ma Ulna. A anciã sentiu alguém se aproximar e, ao se voltar para trás, viu um garoto vestido como sacerdote. Um elfo da Lua.

Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)Onde histórias criam vida. Descubra agora