Capítulo 36 - Uma mancha

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Dagran estava muito satisfeito.

A caça não havia sido particularmente proveitosa naquela manhã, mas ele não podia dizer que estava decepcionado; os espécimes que Taer e Keitara haviam trazido eram muito, muito interessantes.

O xamã se levantou de seu habitual lugar debaixo do olmo para examiná-los. Um dos achados, uma jovem dokalfar, fitava-o com ódio nos olhos. Ela vestia roupas de camurça e Dagran sabia muito bem de onde ela vinha. O que ela estava fazendo com aquele elfo franzino, o xamã não conseguia imaginar; Taer havia dito que o fedelho usava mágica da Lua - vira luz saindo das mãos dele.

Dagran nem precisava do testemunho de Taer, no entanto, para saber que aqueles dois tinham algo a mais. Ele simplesmente sentia. Havia um cheiro intrigante no ar, e vinha daquele elfo. O orc se aproximou dele primeiro. Keitara o segurava pelos braços, ajoelhado, mas o fedelho não oferecia resistência alguma; estava quase desmaiado, os olhos e a boca entreabertos. Dagran ergueu o queixo dele e observou seu rosto. Elfo da Lua.

Do outro lado, a dokalfar fêmea quase rosnava.

Taer tinha precisado amarrá-la. Ela se debatia, frenética, mas o orc a mantinha no chão pisando-lhe as costas. A criaturinha gritava palavras na língua dos elfos negros, cuspindo. Dagran sorriu quando se aproximou dela.

– Você fede a Afeldhun, dokalfar. – Ele disse em Edrini, com sua voz rouca – Quem é você?

Ela ergueu a cabeça. Seus olhos prateados estavam injetados de raiva e fitaram as orbes amareladas de Dagran como se quisessem sugar sua alma. A elfa negra cuspiu.

– Não direi nada a você! – Ela sibilou. – Nada.

Taer aumentou o aperto de sua pisada, mas Dagran fez um sinal para que ele parasse. O xamã coçou a careca pintada de negro.

– Acontece que já me disse bastante, elfa da noite. – Ele respondeu. – Eu já percebi que olha muito para o lado, onde Keitara está com seu parceiro. Quem é esse elfo?

– Alguém que eu capturei para vender. – Ela mentiu. – Nada mais. Sou uma proscrita para Afeldhun. Abandonei o bando para seguir meu caminho.

Dagran sorriu. Seus dentes eram todos pontiagudos, e ele tirou a língua bifurcada para fora. Faena estremeceu ao pensar que aquela aparência havia sido forjada por mãos que não se importavam em causar ou experimentar dor. Os olhos do orc de repente ficaram fendidos como os de uma cobra, e então, Faena soube.

Ele também tem um dasavat.

A dokalfar estremeceu. Sentiu algo rastejando sobre sua pele e sibilando em seus ouvidos.

Não, não, eu não vou te dizer nada, eu não vou... saia...

Saia! – Ela gritou, sacudindo a cabeça. – Saia! Não vou te mostrar nada, nada!

Dagran a encarou. Ao invés de ver o que queria, vislumbrou, em um lampejo, a imagem de uma águia batendo as asas. O orc assentiu, calmo.

– Interessante. Muito bem, elfa da noite. Vamos ver o que sua águia acha disso.

Subitamente, o xamã ergueu a cabeça e gritou ordens em sua própria língua. Faena mordeu os lábios, em silêncio, mal conseguindo respirar. Depois de alguns minutos, a dokalfar vislumbrou alguém – outro orc – surgindo à sua esquerda e caminhando em direção a Eladar. A criatura tinha um nariz amassado que lembrava um focinho de porco e trazia uma tina de madeira nas mãos.

Não, Deusa, não!

O coração da elfa pulava pela garganta. O orc entornou o conteúdo da tina – água - no elfo. Eladar despertou um pouco, sobressaltado, mas Keitara o segurou com força e o virou de costas. "Focinho de porco" largou a tina no chão, ergueu a camisa do clérigo e tirou algo da cintura.

Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)Onde histórias criam vida. Descubra agora