Capítulo 33 - Doce ilusão

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– Mortos? Como assim...?

Eladar estacou. Ele e Faena estavam perto de Alastor, e o burro os olhava como se estivesse prestes a sair correndo. A dokalfar suspirou.

– Mortos. Todos. Tudo. Até as galinhas, elfo. Eu não sei o que aconteceu, só sei que precisamos sair daqui antes que a noite caia.

O garoto balançou a cabeça.

– Faena, quantas pessoas?

A moça se virou para Alastor como se fosse montar. Queria ignorar a pergunta do elfo, mas aqueles olhos grandes e aflitos não deixavam. 

– Por que quer saber? – Ela perguntou, ríspida.

– Porque sim, Faena. – Eladar insistiu. – Olha, se há pessoas mortas, alguma coisa as matou e está perto de nós, de qualquer jeito.

Agora ele segurava o braço dela, ainda que delicadamente, e Faena não sabia muito bem o que fazer. O garoto a encarava, esperando a resposta como um cão faminto espera por comida.  

– Cinco. – Ela disse, finalmente. – Dois adultos, um velho... e duas crianças.

Imediatamente depois disso, Faena mordeu os lábios. Droga. Eu devia ter mentido. Por que não menti? Por que diabos disse que havia crianças? O garoto engoliu em seco, e seus olhos se arregalaram, ficando ainda maiores.

– Crianças...? – ele arquejou.

Faena aquiesceu. 

– Escute, clérigo...

Pela primeira vez, ele não a ouviu. Ao invés disso, Eladar montou em Alastor, pálido, e agarrou as rédeas.

  – Clérigo! - ela protestou.   

– Faena, eu preciso ir até lá.

A dokalfar sacudiu a cabeça. Não, não precisa.

– Já estão mortos, Eladar. Não há mais nada que você possa fazer. 

– Eu sou um clérigo, Faena. – Ele afirmou. – As almas deles precisam de descanso. Eu sei que não quer, mas... é a única coisa que eu pedirei a você nesta viagem toda. São crianças, Faena...

– Garoto...

– Eu só quero enterrá-los. Por favor.

A dokalfar passou a mão pelos cabelos, nervosa. Eladar tinha seguido até ali sem questionar um único passo. Agora, ele pedia tempo para enterrar cinco miseráveis. Em Afeldhun, havia um ritual de três dias para assegurar que as almas dos mortos seguissem o caminho da Lua. Três dias. Tudo o que Eladar pedia era meia hora, talvez um pouco mais. Ela o encarou. Os olhos dele estavam vermelhos e úmidos, e ele disse "por favor" mais uma vez.

Droga.

– Tudo bem, clérigo. – Ela disse. – Não precisa ficar assim. Vamos, e seja o que a Lua quiser.

Não acreditando no que tinha dito, Faena se aproximou e subiu em Alastor. Respirou fundo, zangada consigo mesmo.

– Se nós morrermos, a culpa é sua – disparou.

***

A fazenda tinha uma casa grande. Havia um cômodo só, mas os quartos eram separados da cozinha e do salão principal por cortinas escuras. O ar ainda cheirava a sangue, e não a carniça, mas não demoraria muito para que o mal odor e as moscas começassem a se acumular.

Os corpos estavam amontoados ao redor da mesa. Alguns pratos ainda tinham mingau. Os dois adultos – um homem e uma mulher – haviam sido arrastados para mais perto da porta e faltavam-lhe alguns membros. O velho, por sua vez, tinha morrido ao lado das crianças, com uma faca na mão.

Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)Onde histórias criam vida. Descubra agora