Capítulo 3

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Rússia, 1942

Querida Ellie,

É com essa carta que se inicia mais uma primavera sem você. O acaso me disse que hoje você se apresentaria. Poderia ser mais uma apresentação qualquer, mas essa é diferente, porque será bem no dia em que faríamos quatro anos de casados. Após o grande espetáculo, eu a levaria para jantar no terraço de nossa casa para que pudéssemos contemplar as estrelas. Colocaria nossa música preferida e então dançaríamos sob as estrelas. Perdoe-me, mas eu sou um romântico incurável, e a saudade de você, somente desperta todo esse meu lado sensível e subjetivo de ser.

Quero lhe desejar uma boa apresentação, pois infelizmente não poderei comparecer. Nem nessa e provavelmente muitas outras. Mas eu sei que será tão maravilhosa como todas as outras, simplesmente porque você é a estrela. A minha estrela.

Saia para jantar com alguns amigos ou até mesmo familiares. Ou se preferir, vá ao terraço e beba um bom vinho. Mas não exagere. Você é um pouco fraca demais e eu não estarei presente para lhe segurar em meus braços e te contemplar até que você durma.

Pense em nós. Pense em como éramos felizes e em como continuaremos as ser mesmo depois dessa terrível tempestade, pois meu amor, eu ainda voltarei na primavera. O nosso amor reflorescerá depois de tanta ausência. Pense em nós. Você toda de branco com um singelo buquê de gérberas em suas mãos adentrando a igreja. Pense em nós, em nossos votos de casamento onde juramos amor eterno. Pense em nós, pois eu estarei pensando em vós. Pense em nós porque eu ainda te amo. Pense em nós, porque ainda falta um ano para a próxima primavera.

Os tempos não são um dos melhores para nós, Ellie. Estamos passando por um período turbulento. Tivemos um inverno rigoroso aqui na Rússia e a situação não está nada bem. Não entrarei em detalhes para não te preocupar.

Oh Ellie, não conte os dias, pois isso será tortura demais. Apenas espere chegar abril. Não se esconda do mundo, eu estarei com você mesmo quando sua mente estiver ocupada. Por favor, não se esqueça de mim, não se esqueça do que a primavera nos traz, pois eu jamais a esquecerei. E principalmente, jamais se esqueça do quanto eu te amo.

De seu eterno apaixonado, Josh”.

– Eu também, Josh, jamais te esquecerei. – disse em voz alta entre soluços.

Assim como Josh havia dito, ela pegou um bom vinho de sua adega e subiu em direção ao terraço. A noite era de lua cheia e se emocionou em ver o brilho das estrelas e a intensidade com que a lua lhe tocava a pele. Fazia tempo que não ia ali, pois as lembranças eram intensas.

Abraçou a si mesma e fechou os olhos. Josh vinha até ela e a tomava em seus braços. Segurava sua mão e logo se percebia o contraste entre a textura da pele e o tamanho das mãos. Ellie se sentia protegida. Uma criança que busca refúgio no colo de quem se ama. Ele levantou suas mãos até a altura de sua cabeça e a girou. Segurou em sua cintura e eles começaram uma dança tranquila a qual Ellie cantarolava. Os dois faziam de um simples terraço, um palco com um grande espetáculo. E então, no último giro, Ellie abriu os olhos e notou que estava sozinha.
Soltou o ar pesadamente quando notou que vivia em uma intensa solidão. Novamente pôs se a chorar, não aguentava tamanha saudade. Saudade de seus olhos amendoados cor de mel. De seus cabelos negros como a noite sem luar. Saudades de sua pele branca e corada pela gentil genética. Saudade de seu peitoral, dos seus braços largos e musculosos como um soldado deve ter. Saudade da pele, do cheiro e do toque. Saudade de seu eterno apaixonado, Josh.

Cartas que nunca enviei Onde histórias criam vida. Descubra agora