Capítulo 1

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Alemanha – 1950

Ellie estava sentada na cadeira presente em seu orquidário recebendo a primavera que contemplava seu lindo jardim. Olhou para a mesinha ao seu lado e abriu a pequena caixinha de chumbo que ganhara de seu marido logo que se conheceram. Com delicadeza, retirou a primeira e única carta de Josh.

Era uma espécie de ritual, todo mês de abril no mesmo dia e horário, ela se preparava para ler a carta. Uma forma de senti-lo mais perto e acalentar seu coração quando a ausência dele lhe sufocava.

A caligrafia lhe dava saudades. Saudades dos seus poemas e de sua doce voz. Imaginava ele dizendo o que estava contido em um simples pedaço de papel. Secou algumas lágrimas que insistiram cair e pôs-se a ler a carta.

Polônia– Abril, 1940

Queria Ellie,

Essa é a primeira primavera que passamos separados. Estação tão importante para nós dois. Lembro como se fosse ontem, você estava maravilhosa no teatro Berliner Ensemble. Tão doce e tão especial, logo me cativou.

A peça era de Brecht, Tambores da Meia Noite com a história de um soldado, prisioneiro da guerra que retorna tentando refazer-se no mundo. Você estava tão linda. Os cabelos loiros presos em um coque lhe dava um ar de seriedade, mas no fim, eu descubro o quão doce era. Seus lábios avermelhados no mesmo instante me deixaram sem ar. Seria uma espécie de amor à primeira vista, a princípio pela sua beleza, e depois, por tamanha gentileza.

Fiquei tão encantado por vossa senhoria que o que era apenas um hobby de uma hora ou outra, tornou-se uma rotina. Vê-la em todas as suas apresentações era o meu objetivo ao final do expediente. Era o que me dava coragem para iniciar mais um dia quando o a lua fosse embora dando espaço para o sol.

Lembro-me das vezes que tentei me aproximar de tamanha beleza, mas a minha covardia te afastava de mim. Foi quando eu descobri sua paixão pelas flores, em especial, as gérberas. Fiz questão de que mandassem entregar em seu camarim, assinado ao fim do cartão, como seu esterno apaixonado. Em um belo dia, te vi saindo do teatro em uma noite chuvosa. Era abril, mês da primavera. Um frio como já era de se esperar, e pelo seu estado, era uma surpresa que uma noite tão maravilhosa pudesse se tornar chuvosa. Sem pensar muito, aproximei-me de você lhe oferecendo carona em um simples e estreito guarda-chuva, onde andamos até a sua casa, sentido nossos casacos roçarem um no outro.

Jamais seria capaz de ver tão bela dama com os cabelos murchos e a maquiagem borrada, seria um desrespeito a tão importante obra de arte. E então quando chegamos, você depositou um beijo sereno e suave em cada uma de minhas bochechas ásperas devido aos pêlos que insistiam em nascer. Você não se importou, pelo contrário, sorriu logo que se afastou e correu para adentrar a sua casa.

Naquele momento, meu coração pertencia a você, minha doce Ellie.

Esses sete meses foram uma tortura. Não só pelo cenário desastroso depois de uma guerra, não só pelas perdas que infelizmente tivemos, mas principalmente, porque não veria tão belos olhos ao cair da noite. Olhos tão azuis e tão intensos, que dão esperança a um jovem soldado.

Invadimos a Polônia como forma de resposta devido à invasão deste para com as rádios alemãs, apesar de eu, particularmente, acreditar que não era somente isso. Conseguimos cercar os poloneses por meio de seus soldados, tanto no norte, quanto no sul. Eles até tentaram contra atacar, mas não tiveram sucesso.

Eu espero estar voltando em breve para que possamos comemorar não somente a primavera, mas todas as outras estações. Preocupo-me com você. Com sua rotina e com toda a sua sensibilidade. Peço que não perca as esperanças de tudo o que eu te disse. Prometo lutar com coragem e bravura para retornar sã e salvo aos seus braços. Espero que esteja bem, espero que esteja me esperando com o mesmo sorriso de quando nos conhecemos. O sorriso que eu tanto amo. 

Mas se o destino quiser nos separar, eu juro pelo meu coração que neste momento grita de esperança, que eu nunca deixei de te amar um único dia sequer. Juro que estarei vivo em seu coração e em suas lembranças, assim como você estará em mim até o meu último suspiro. Espero pelo menos ter a chance de te ver antes disso acontecer e poder olhar em seus olhos e dizer o quanto eu te amo.

De seu eterno apaixonado, Josh”

Assim que terminou de ler o último parágrafo, não se aguentou e começou a chorar. Queria poder abraça-lo antes de ele partir e dizer que também o ama. Mas o destino não lhe foi querido.

Respirou fundo e abraçou a carta. Beijou aquele papel que lhe trazia grandes recordações e a guardou, contando a partir daí, os dias para a primavera seguinte. Foi até o jardim para contemplar as flores que já estavam desabrochando, arrancou-lhe os espinhos, assim como os matinhos que lhe cercavam.

Olhou para as gérberas e suspirou. Arrancou da raiz, uma delas para si, cheirou-a fechando os olhos para sentir com mais intensidade. Imaginou Josh lhe envolvendo com os braços, assim como seu inebriante perfume sempre que chegava em casa.
Abriu a floricultura deixando que o sol preenchesse o local, as flores agradeciam. Organizou cada caixa em seu devido lugar até que o primeiro cliente apaixonado chegasse para comprar uma flor.

– Com licença – Ellie olha em direção a voz e se depara com o carteiro. – Carta para a Senhora Ellie Weiss.

– Sou eu. – limpou as mãos sujas de adubo em seu avental e com as costas desta removeu uma mecha de cabelo que insistia em cobrir o seu rosto. Aproximou-se do carteiro e pegou a carta de sua mão.

No mesmo instante que olhou para ver o remetente, seus olhos arderam e suas pernas cambalearam.

– Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? – seu tom de voz era grave.

– Não senhora, algum problema?

Ela não respondeu. Abriu a carta de imediato e olhou para a data: 1941. Um ano depois da primeira. Seu peito ardeu e por instinto repousou as mãos sobre ele para que pudesse de certa forma, controlá-lo. A caligrafia era a dele, nem que quisesse poderia contestar.
Sem conseguir dizer uma palavra sequer, saiu, voltando a adentrar a floricultura sem dar explicações ao carteiro, que pareceu entender. Sentou-se na cadeira atrás do balcão e chorou logo com as primeiras palavras.

Cartas que nunca enviei Onde histórias criam vida. Descubra agora