04 de março de 1995.

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04 de março de 1995.

Querido senhor L. 

Hoje acordei indisposta, apesar de ser meu aniversário de 15 anos. Deveria ser uma data especial, afinal, toda menina sonha com seus 15 anos. Mas comigo foi diferente. E o culpado é você, senhor L!

Primeiro dia de aula no ensino médio, escola nova, colegas novos e professores novos. Só você que continua o mesmo, senhor L, lindo e esnobe. Não ficamos na mesma turma, diferentemente, dos outros anos. Acredito que foi melhor assim. Está na hora de esquecê-lo. Não sei o porquê ainda insisto em querê-lo tanto, talvez seja meu coração imbecil que insista, pois a razão já se deu conta que você não me quer.

Às vezes, sinto vontade de gritar aos quatro ventos o quanto gosto de você. Talvez assim conseguisse me libertar de toda a adoração que sinto por você. Infelizmente, não tenho coragem para fazê-lo. Sou covarde demais para me expor.

Jamais esquecerei o dia em que se recusou a dançar comigo. Está certo que não sou nenhuma beldade e nem tenho olhos claros. Sou tão comum, eu sei. E isso machucou muito, senhor L. Seria tão simples se pudesse arrancá-lo do meu coração, não é?

Minha pequena festa de 15 anos acontecerá no sábado, senhor L. Será simples e monótona, igual a aniversariante, afinal, você mesmo me acha entediante, não é? Há quem diga que sou inteligente demais e garotos não gostam de meninas inteligentes demais. Eu não sou tão inteligente assim. Apenas, sou curiosa e gosto de descobrir coisas novas. Não sei ao certo qual o problema com as garotas curiosas. Eu mesma gosto muito de conversar com pessoas curiosas. Enfim, nem me dei ao trabalho de convidá-lo para minha humilde festa de 15 anos. Com toda certeza, iria recusar, sem sequer se incomodar em inventar uma desculpa. Lembre-se, senhor L, eu sou entediante. Também sei que me considera um exemplar feminino desengonçado. Nesse ponto, não posso fazer nada, sou como sou e ponto. Até minha mãe não me acha bonita. Cresci mais do que as outras meninas. Aos menos, minhas mãos e meu nariz são delicados.

Como disse, hoje, faço 15 anos e devia ser uma data especial. Não recebi qualquer agrado, senhor L. Acordei no mesmo horário de sempre. Preparei meu café no mesmo horário de sempre. Meus pais saíram cedo para o trabalho e sequer me deixaram um bilhete. Sou filha única e poderiam ter se importado mais. Na escola, ninguém sabia que era meu aniversário, a não ser minhas duas melhores amigas. Mas elas estavam ocupadas em paquerar com os colegas novos e acabaram esquecendo também. Almocei sozinha, como de costume. Recebi uma ligação de minha avó. Ao menos alguém se lembrou do meu aniversário, senhor L.

É noite agora. Meu pai teve a decência de passar na padaria e comprar um bolinho. Mamãe chegou logo após, de mãos vazias e com a desculpa que o meu presente chegaria no sábado, o dia da minha reuniãozinha, como ela gosta de falar. A verdade é dura, mas queria ter tido uma festa de debutantes. É claro que o dinheiro da festa seria guardado para financiar meus estudos e, bem assim, meu futuro. Só espero que meu futuro seja brilhante, porque o presente deixa muito a desejar, senhor L. Também espero que você não esteja mais nele. É irritante amar platonicamente!

Também queria ter ganhado um anel, daqueles que as debutantes ganham. Infelizmente, não terei um lindo anel de brilhantes no meu dedo. Transformou-se em investimento para meu fundo de educação, com ganhos a longo prazo. Só tenho a dizer uma coisa, senhor L, que este futuro chegue logo! Meu pai costuma dizer que meu futuro será promissor e que poderei comprar o que quiser quando tiver um bom emprego. Espero que, no futuro, ainda tenha vontade de ter um anel de 15 anos. Será que poderei comprar um namorado também? Seria muito bom, senhor L, com certeza poderia comprar você.

A vida, aos 15 anos, é estranha. Todos insistem em lembrar-me que sou uma mulher agora. Tenho 15 anos, afinal. Não me sinto uma mulher, sabe! Meus peitos não cresceram muito, o que é desesperador, pois poderão não crescer mais. Também não tenho muitas curvas, sou do tipo estrada reta, o famoso retão. Não há como perder-se em meu corpo. Simplesmente, siga reto e você chegará ao seu destino, ao menos seguro, penso eu.

É também solitária. Passei o dia do meu aniversário sozinha, senhor L. Se, ao menos, eu pudesse voltar no tempo e ser criança de novo ou então ir direto para os 20 anos e começar a bendita faculdade, provavelmente, seria mais feliz. Ainda tenho esperanças, senhor L! Como não deu meia-noite ainda, pode ser que a fada-madrinha da Cinderela sinta pena de mim e apareça para me transformar numa princesa, daquelas bem lindas, e eu vá ao seu encontro, senhor L.

De sempre sua, senhorita S.

Cartas que nunca enviei Onde histórias criam vida. Descubra agora