Capítulo 4

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Se alguém pudesse tê-lo visto, a impressão inicial não teria sido tanto a sua aparência

de réptil verrugoso mas a maneira pela qual seu vulto parecia absorver a luz e não refleti-la,

como se ele fosse mais uma sombra do que um objeto, um estranho buraco animado no espaço.

Mas esse pequeno espírito era invisível aos olhos humanos, invisível e imaterial, vagueando

sobre a cidade, virando deste lado e daquele, guiado pela vontade e não pelo vento, as asas

rodopiantes propelindo-lhe o corpo, vibrando num borrão acinzentado.

Ele parecia um pequeno e nervoso gárgula, o couro de um negror viscoso e profundo, o

corpo magro e aracnídeo: meio humano ide, meio animal, totalmente demônio. Dois enormes

olhos amarelos como os de um gato saltavam-lhe da cara, disparando de um lado para o outro,

espreitando, procurando. O fôlego saía-lhe em arquejos curtos e sulfurosos, visível como

brilhante vapor amarelo.

Ele vigiava e acompanhava cuidadosamente a sua incumbência, o motorista de um carro

marrom nas ruas de Ashton, lá embaixo.

Marshall deixou o escritório do Clarim um pouco mais cedo naquele dia. Depois da

confusão da manhã, foi uma surpresa encontrar o Clarim de terça-feira já na tipografia e o

pessoal ajeitando as coisas para a sexta-feira. Um jornal de interior era exatamente o ritmo

certo... talvez ele pudesse voltar a conhecer a sua filha.

Sandy. Sim, senhor, uma linda moça de cabelos cor de fogo, filha única do casal. Era um

mundo de potencial, mas havia passado a maior parte da infância com uma mãe

excessivamente presente e um pai excessivamente ausente. Marshall era um sucesso em Nova

York, isso ele era, em quase tudo exceto em ser o pai de que Sandy precisava. Ela sempre

fizera com que ele soubesse disso, mas como dizia Kate, os dois eram muito parecidos; os

clamores por amor e atenção que ela emitia sempre saíam como pequenas punhaladas, e

Marshall lhe dava atenção, isso dava, como cães dão a gatos.

Não vamos brigar mais, repetia ele consigo mesmo, não vamos mais implicar e arranhar

e magoar. Deixe-a falar, deixe-a pôr para fora o que sente, e não seja duro com ela. Ame-a

pelo que ela é, deixe que ela seja ela mesma, não tente encurralar a menina.

Era uma loucura o modo pelo qual o seu amor pela filha estava sempre a manifestar-se

em forma de despeito, através de irritação e sarcasmo. Ele sabia que estava apenas tentando

alcançá-la, tentando trazê-la de volta. Mas nunca funcionava. Ah, vamos, Hogan, tente, tente

de novo, e não ponha tudo a perder esta vez.

Ao virar a esquerda, ele pôde ver a faculdade à frente. O campus da faculdade

Whitmore não era diferente da maioria dos campus norte americanos — lindo, com prédios

imponentes e antigos que levavam as pessoas a se sentir cultas só de olhá-los; amplas áreas

Este Mundo Tenebroso - Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora