Capítulos 27 - Patrícia

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“Se cada segundo me deixa mais fraco
Você pode me salvar do homem que eu me tornei

Olhando outra vez para todas as coisas que fiz
Eu estava apenas tentando ser alguém
Interpretei meu papel
Mantive você  no escuro
(...)
(Shape Of My Heart - Backstreet Boys)


― Ah, pelo amor de Deus! Arranjem um quarto! ― Falo brincando e vejo Lara e Guilherme, que agora a pouco faziam carinho um no outro, ficarem envergonhados.

Eles ainda estão um pouco tímidos e eu aproveito cada segundo do início desse relacionamento para pegar no pé dos dois. Estão namorando a cerca de duas semanas e eu já noto mudanças em minha amiga: ela está mais leve e mais sorridente. Guilherme, definitivamente, tem feito muito bem à Lara.

Não tenho e nunca tive nada contra o Rafael. Sei que ele não é uma má pessoa, eu apenas não acredito que exista alguém específico para cada um de nós. Se assim fosse e o cara certo para mim nascesse na China, eu estaria totalmente ferrada, pois não tenho dinheiro nem para ir à cidade vizinha.

Eu acredito que existam pessoas que nos fazem evoluir, criar asas e voar, enquanto outras nos seguram no chão. As pessoas que nos prendem ao chão, embora caminhem ao nosso lado, nos impedem de conhecer as nuvens.

Com o Rafael era assim: ele caminhava com Lara, mas a impedia de voar. Já o Guilherme é diferente. Ele a incentiva, dá apoio e também caminha junto. E, se Lara resolver voar, sei que Guilherme não a prenderá: ou ele voará junto, ou irá esperá-la retornar.

Minha amiga está tão feliz que posso ver isso em seus olhos.

Quando finalmente ela me deu a notícia do fim do noivado e do início do namoro com o Guilherme, eu quase soltei foguetes. Gritei tanto que fiquei rouca e todos os cachorros da vizinhança começaram a latir. Anne também não ficou para trás e, na primeira oportunidade, colocou os dois sentados no sofá e os fez ouvir um sermão pela demora e falta de coragem deles.

― Eu também quero um quarto pra gente! ― André faz cócegas em mim.
― Vai sonhando! ― Respondo, com uma falsa seriedade.

Estamos curtindo um belo domingo na casa dos Müller, como André tem o costume de falar, e nos divertindo bastante. Os pais de Gui estão na área dos fundos e nós nos apoderamos da sala. Cada casal em um sofá e Anne, que se recusou a ficar próxima demais do clima de melação, em sua cadeira de rodas.

― Vem cá, eu sou a única que está assistindo ao filme ou é impressão minha? ― Annelise praticamente afirma.
― Sobre o que é esse filme mesmo? ― Guilherme pergunta enquanto fita Lara, hipnotizado, como se apenas ela existisse no mundo todo.
― Impossível me concentrar em filmes com uma mulher dessa sentada ao meu lado ― André também não deixa passar em branco.
― Argh! ― Anne simula um vômito. ― Quanto mel!! Quase uma criação de abelhas. Sobrei feio e estou até vendo a hora em que serei excluída da turma. ― Anne faz voz de manha antes de começar a rir.
― Vai nada, boba. Se faltar energia, alguém precisa ser a vela ― brinco.
― Se faltar energia, eu não quero ninguém perto da gente.
― Para de ser malicioso, André. ― Dou um tapa de mentira no ombro dele. ― Você não tem nenhum amigo pra gente apresentar para a Anne, não?
― Meus amigos são os mesmos do Müller e acho que ele não aprovaria nenhum deles para a irmã.
― De jeito nenhum! ― Guilherme protesta. ― Nenhum deles quer compromisso sério.
― E quem disse que eu quero? ― Anne fala toda séria e começamos a rir.

Fico observando Annelise, uma moça extremamente bonita, fazendo piadas e, por um minuto, imagino que, apesar de não demonstrar, ela provavelmente deve sentir falta de ter alguém em sua vida.

Meus pensamentos começam a fluir e uma luzinha acende no fundo da minha cabeça. Talvez pudesse dar certo, quem sabe?

Em um determinado momento, os homens nos deixam a sós e aproveito a oportunidade para entrar no assunto.

― Anne, quando foi a última vez que você namorou?
― Ih... Faz um tempinho, Pati. Mas, pouco antes de sofrer o acidente, eu estava de olho em alguém. Ele era gatinho. ― Um sorriso maroto aparece no rosto dela. ― Fazia outro curso na faculdade e eu aproveitava os intervalos para observá-lo ― sua voz tem um tom saudoso. ― Só que ele nem me dava bola, andava com a mesma turminha sempre e nunca me notou. Aí, aconteceu o acidente e comecei a ver a cara de dó com que as pessoas me olhavam, então me afastei de todo mundo. Meus amigos já não sabiam como falar comigo e, sempre que eu recebia visitas, ficava pior. Foi horrível. A vantagem de conhecer novas pessoas é que se elas não me viram como eu era antes, não vão ter pena de mim ― Anne abre um sorriso sincero.

Sinto um nó na garganta, mas me mantenho firme e continuo:

― E desde então você não conheceu mais ninguém?
― Não. Mas, nos últimos tempos é que passei a sair mais. Quem sabe quando voltar para a faculdade eu conheça alguém?
Assinto com a cabeça e continuo maquinando.

― E você e o Don Juan? ― Agora ela resolve me perguntar enquanto Lara apenas presta atenção na conversa.
― Ah, estamos bem, eu acho.
― Estão namorando ou qual é o lance de vocês?

A pergunta de Anne me pega desprevenida. Não parei para pensar muito no assunto, pois André e eu nos vemos praticamente todo dia, então, para mim já é quase um namoro. Ele não fez um pedido oficial, nem nada assim, mas me lembro de que, uma vez, André disse que me esperaria o tempo que fosse preciso desde que fosse o único homem em minha vida.

― Nós estamos nos enrolando ― eu brinco e as duas riem, mas essa dúvida continua em minha mente.

Quando a tarde fica mais fresca, vamos dar uma volta pela cidade. André faz questão de passar na sorveteria favorita dele para tomar um milk-shake e, quando ameaçamos não ir, ele quase faz birra. Um menino no corpo de um homem!

Sentamos no lugar mais ventilado que encontramos na tal sorveteria e ali ficamos, por um longo tempo, conversando e rindo. Eu estou muito feliz e ao mesmo tempo temerosa. Dizem que antes da tempestade sempre existe uma calmaria e o medo de que essa felicidade vá embora acaba me assaltando.

Olho para Lara e Guilherme de mãos dadas, tão certos do que estão fazendo, e depois observo André, que ora beija meu rosto, ora me abraça, e pergunto a mim mesma se o nosso relacionamento é realmente algo sério. Acredito que o fato de ele ser muito reservado sobre sua vida pessoal e evitar falar do passado contribuíram para que essa dúvida começasse a crescer.

― Terra chamando Marte! ― Anne me cutuca e eu espanto meus pensamentos e volto a tentar aproveitar ao máximo esse momento.
― Só dei um pulo ali na lua e já voltei.
― Esse negócio de que gente apaixonada fica aérea é bem verdade ― Anne continua cutucando. Eu pego no pé da Lara e do Gui. Anne se encarrega de pegar no meu pé.
― Tá apaixonada por mim, morena? ― André abre aquele sorriso que eu amo e me deixa meio boba, mas não totalmente.
― Isso depende.
― Depende do quê?
― Se você estiver, eu também posso estar. ― Me faço de durona e ele me dá um abraço.

Acho que não é nenhum crime estar apaixonada. Pode ser perigoso, mas não é nenhum crime e eu, definitivamente, estou.

Sinto aquele medo alfinetando minha alma e percebo que preciso me policiarSpara não deixar que esses corvos façam ninho em minha cabeça. Não posso deixar que isso me afete. Tudo o que eu preciso é aproveitar o que a vida está me proporcionando agora.
― E vocês dois? Ficaram mudos? Vamos parar com essa babação aí? ― Volto a atazanar o casalzinho novo enquanto as sombras da tarde continuam caindo.

Quando a noite chega, Guilherme vai deixar Lara em casa e eu pego minha carona oficial, que agora é André. Sigo calada por um bom tempo olhando pela janela, perdida em meus pensamentos. Na metade do caminho, André protesta contra o meu silêncio.

― Estou estranhando você. Aconteceu alguma coisa?
― Não, não aconteceu nada. ― Sorrio e continuo olhando para a frente.
― Tem certeza?
― Tenho sim. ― Dou um beijo no rosto dele para deixá-lo mais relaxado. ― É tão bom ver aqueles dois felizes, não é? Algumas vezes eu acho que eles nem notam nossa presença.
― Você acha? Eu tenho certeza! Mas não é privilégio apenas deles.
― Não?
― Não. Você também me olha do mesmo jeito que eles se olham ― ele fala e estampa a sua tão famosa expressão de garanhão.
― Ah, é? Só eu? Você não?

André sorri e aperta minha bochecha, mas não responde minha pergunta. Me remexo no banco do carro, mas, como vejo que ele não vai prosseguir com o assunto, pergunto outra vez:

― E você? O que sente por mim?

Observo bem sua reação. Ele continua olhando para frente enquanto dirige, toma fôlego algumas vezes e parece hesitar quando está a ponto de falar algo.

― Algo difícil de definir ― ele responde por fim, parecendo insatisfeito com a resposta que dá. Eu, com certeza, estou.

Passei por cima do meu próprio orgulho para procurá-lo e não saber se estamos ou não namorando é uma coisa, mas não saber se ele, realmente, está apaixonado é outra totalmente diferente.
Estacionamos em frente à minha casa e meus pais estão sentados em cadeiras de fio, observando o movimento da rua, igualzinho àquelas cidades interioranas. André sai do carro e cumprimenta alegremente os dois.

― Tudo bem com os senhores?
― Tudo ótimo, André! Tudo bem com sua família? ― Minha mãe pergunta toda cheia de intimidades.
― Acredito que sim, Dona Lourdes. Meus pais moram em outra cidade e hoje ainda não falei com eles.
― Ah, claro.
― Você tem irmãos? ― Dessa vez, a pergunta parte de meu pai. Eu provavelmente teria interrompido, mas a curiosidade para saber onde a conversa vai dar, não permite que eu me intrometa.
― Não, sou filho único.
― E você deixou seus pais e veio morar aqui sozinho?
― Vim estudar ― ele continua respondendo às perguntas de meu pai. ― Me formei na faculdade daqui.
― Pretende voltar para junto dos seus pais? ― Minha mãe questiona e eu quase perco o fôlego.
― Na verdade, Dona Lourdes, eu não pretendo voltar para lá. ― Outra vez aquela sombra passa pelo olhar de André.  Ele logo recupera o sorriso e continua. ― Eu gostaria muito que eles morassem aqui, mas nasceram lá e lá viveram a vida toda.
― Deve ser ruim ficar sozinho...
― Eu acabei me acostumando, mas é difícil mesmo.

André dá um jeitinho e muda de assunto. Ficamos conversando com meus pais por alguns minutos e, então, nos despedimos.

Quando me deito para dormir, fico pensando nas semanas anteriores, em tudo que aconteceu, em tudo que ainda está acontecendo. Repasso as imagens do dia que passamos juntos e, apesar das dúvidas que brotam em minha mente, concluo que foi bom. Não só hoje, nos demais dias também.

Desvio o foco dos meus pensamentos e começo a pensar em Annelise. Eu tenho algo em mente e começarei a colocar em prática no dia seguinte. Fecho os olhos e desejo uma longa noite de sono profundo e rejuvenescedor.

Não acordo mais jovem e, para completar, é uma segunda-feira daquelas! Laboratório cheio, pacientes chatos e patroa irritada. O dia de trabalho foi tão puxado que verifico meu celular apenas na hora do almoço.

Enquanto saio, após o fim do expediente, checo outra vez o celular e há uma mensagem de André dizendo que está com saudade e quer me ver. Ele não apareceu pela manhã, mas essa mensagem compensou o sumiço dele.

Pela visão periférica, vejo George passando ao meu lado, também distraído com seu celular, e seguro o braço dele.
― Opa, opa! Aonde vai tão rápido assim? ― Pergunto.
― São 18h. Você percebeu? Tenho que pegar o ônibus, ir para casa, dormir, acordar e começar tudo de novo.
― Me fala, você tem namorada?

Pergunto subitamente e ele substitui a expressão de surpresa pela de convencimento em poucos segundos.

― Olha, Pati... eu também te acho muito atraente. ― Ele roça a mão em meu rosto e, se não a tivesse tirado logo em seguida, eu teria dado um tapa monumental nessa mão. ― O problema é que você não faz o meu tipo, eu prefiro as loiras, sabe? Além do fato de eu não me envolver com colegas de trabalho. Mas eu fico lisonjeado.

Sério? Sério mesmo? Ele acha que eu estou realmente a fim dele? Não me contenho e começo a gargalhar. George me olha com curiosidade.

― Ah, para! Você não achou que eu estivesse a fim de você, achou? ― Paro de rir para não deixá-lo sem graça e continuo fazendo biquinho. ― Você é muito gente boa, pequeno coração. ― Encosto o dedo indicador no coração dele. ― Mas não sou eu a interessada. Bom, na verdade, sou e não sou.
― Não estou entendendo nada. ― Ele faz cara feia.
― É do meu interesse porque eu gostaria de te apresentar uma amiga, entendeu?
― Ah, sim ― ele, finalmente, compreende.
― E ela é loira!

George dá um sorriso tímido e eu percebo que ele gostou da ideia. Talvez fosse meu estado de espírito; talvez estar apaixonada me fizesse ver todo mundo mais bonito; mas, olhando-o sorrir aqui na minha frente, acho George um cara gatinho.

Ele é um moreno da pele marrom bombom, alto e sempre anda arrumadinho. Apesar de ser um pouquinho sem noção algumas vezes, possui grandes atributos internos. Eu o apelidei de pequeno coração justamente por ser o contrário: ele tem um coração enorme, é uma pessoa muito amiga.

― Vou te mostrar uma foto dela, George.

Pego meu celular e procuro uma foto que Anne e eu tiramos juntas há alguns dias atrás. Entrego o aparelho para que George olhe a foto de perto e vejo a expressão em seu rosto mudar instantaneamente.

― Essa não é a Annelise Müller?

Ok. Agora a surpresa foi minha.

― Sim. Você a conhece?
― Sim. Aliás, não. ― Ele olha a foto mais alguns segundos e me entrega o celular outra vez. ― Ela estudava na faculdade na qual me formei. Eu sempre a via durante o intervalo com as amigas. Ela era... como eu poderia dizer? Han... muito popular. Nós nos cruzamos algumas vezes, mas ela com certeza não se lembra de mim. Ela era linda e eu invisível. ― Ele dá um suspiro e meu detector de interesse está, definitivamente, localizando algum sinal aqui.  ― Um dia fiquei sabendo que ela havia sofrido um acidente bem feio, depois disso nunca mais tive notícias. Como ela está?
― O acidente foi bem feio mesmo. Ela ficou paraplégica.

Olho com atenção a reação de George. Ele apenas levanta a sobrancelha e diz:

― Essa foto é recente? ― Ele aponta para o celular.
― É sim.
― Então, ela continua linda do mesmo jeito.

Esse é o meu garoto!

― Bom, se você quiser, posso apresentá-los oficialmente.
― Está falando sério? ― Ele pergunta, incrédulo.
― Lógico!
― É claro que eu quero! Quero dizer, ela vai querer? Eu sou um zé-ninguém, né?
― Psiu! ― Coloco a mão na boca dele. ― Que feio! Chuta esse complexo de inferioridade para longe.
― É que ela é muita areia para o meu caminhãozinho.
― Então, meu querido, pegue seu caminhão e dê várias voltas! ― George sorri e ainda parece não acreditar. Acho que tem uma paixãozinha enrustida aí. ― Vou marcar algum dia para sairmos e te aviso, certo?
― Certo. ― Ele fica me olhando com um ar de agradecimento e eu fico constrangida.
― O que foi, George?

Ele me abraça e agradece.

― Obrigado, Pati!
― Por nada, seu chato. Mas vou apenas apresentá-los. Você vai se encarregar do restante.
― Tá bom, deixa comigo.

Ele vira as costas e começa a ir embora, mas volta correndo outra vez e me abraça.

― Obrigado de verdade, nem vou dormir essa noite.

Começo a rir e fico observando-o ir embora antes que eu me toque que preciso ir também.

Estou tão absorta pensando em como esse mundo é pequeno que só percebo o carro de André estacionado mais à frente depois. Fico feliz em vê-lo ali e estou doida para contar a novidade, mas quando entro no carro, noto que ele não está tão feliz quanto eu.

― Oi, André ― cumprimento-o um pouco receosa e recebo um cumprimento seco em resposta.

Não me arrisco a falar mais nada antes que ele chegue à minha casa, mas meus pensamentos estão a mil. É claro que ele estava estacionado ali tempo suficiente para me ver conversando com George e, de onde André estava, era impossível ouvir o teor da conversa. Com certeza ele está pensando o que não deve.

Me controlo o quanto posso. Não gosto que pensem mal de mim e o fato de imaginar que ele está pensando que eu tenho outro além dele me deixa irritadíssima. Eu não sou uma qualquer, eu tenho princípios.

Assim que ele estaciona, tento parecer o mais calma que posso e pergunto o que aconteceu com ele.

― Você ainda me pergunta? ― Ele respira fundo e me olha nos olhos. ― E aquela cena que eu vi agora há pouco? Você abraçando e beijando outro cara?

O quê? Eu não abracei ninguém. Eu fui abraçada!

― Ei! Não foi bem isso o que aconteceu.
― Eu estava lá, Patrícia. Eu vi. Ele é seu colega de trabalho, né? Eu já deveria imaginar.
― Deveria imaginar o quê? O que você está insinuando? ― Pergunto com a voz alterada.
― Não estou insinuando nada. Nem é preciso insinuar, eu vi. ― Que droga! Ele viu? Viu um colega de trabalho me agradecendo por algo e já está tirando conclusões?
― Você não viu nada, André. Eu não sou uma qualquer. Se você achava que eu não tinha caráter, por qual motivo ficou correndo atrás de mim?
― Justamente porque eu pensava que você era diferente ― ele responde. Sua voz contém raiva e tristeza e meus olhos começaram a arder assim que ele diz essa frase.
― Achava? Então não acha mais?
― Depois de hoje, não.

Ele me julgou e condenou sem sequer me ouvir e isso dói muito mais do que ouvir o julgamento que ele havia feito. Se ele me perguntasse, me ouvisse e chegasse à conclusão de que eu não prestava, tudo bem, mas não! Ele apenas bateu o martelo, sem chance de defesa.

― Qual é o seu problema?
― Qual é o meu problema, Patrícia? Ontem você me perguntou o que eu sentia por você. Eu cheguei em casa e fiquei pensando sobre isso, fiquei pensando no quanto eu estava gostando de você, em como o idiota aqui sentia sua falta e queria estar com você o tempo todo. Hoje eu vim te buscar para responder a sua pergunta e me deparo com aquela cena. O cara fazendo carinho em seu rosto e você toda cheia de intimidades. Eu é que te pergunto: qual é o seu problema?!!! Eu te pedi apenas uma coisa: pedi para ser o único homem em sua vida, só isso. Se você não queria nada sério, poderia ter me falado. Preferia ter ficado sem você a ter que passar por isso. Seja feliz, Patrícia, continue com sua liberdade. A partir de agora não tem mais ninguém para pedir exclusividade a você.

É uma cena surreal. Eu não acredito no que estou ouvindo e sei que nada que eu diga agora o fará mudar de ideia. Na realidade, não quero dizer nada, pois estou tão decepcionada com ele que quero apenas sumir. Eu simplesmente não consigo raciocinar direito tamanha a raiva que sinto.

― Você me ofendeu, André.
― Você me decepcionou, Patrícia.

Eu não quero e nem preciso ouvir mais nada. Basta. Vou chorar, mas não na frente dele. Então pego minha bolsa, bato a porta do carro e nem olho para trás.

Entro feito um furacão em meu quarto, tranco a porta, jogo a bolsa em algum canto, sento no chão e choro.

No fim das contas, André também havia me machucado, não como Leonardo fez, mas a dor também é grande. A bonança durou pouco tempo antes que tempestade chegasse, arrasando tudo. E eu aproveitei tão pouco...

Como ele pôde me tratar daquele jeito, pensar aquilo de mim? Ele não faz ideia do que eu passei, de quem eu realmente sou...

E aqui estou eu, mais uma vez, vendo meu coração se partir sem poder fazer nada, sabendo que eu terei que recolher novamente os cacos e seguir em frente.

Tomo um banho, pego algo na geladeira e volto para o quarto sem conversar com ninguém. Mantenho o celular ligado na esperança de que ele me peça desculpas, mas ele não o faz. Então, ouço música até que o sono me vença.

Acordo com cara de quem andou chorando e tento amenizar com maquiagem.

Tenho que aguentar a empolgação de George no trabalho e explicar que ainda não vi a Anne para marcar algo. Penso em como será sair sem o André. Se George e Anne se entenderem, eu serei a vela agora.

Por incrível que pareça, consigo sobreviver ao dia de trabalho.

Eu não quero que as coisas sejam como foram com Leonardo, não quero sucumbir à raiva e voltar a me isolar do mundo. Não quero parar de acreditar no amor, mas, a cada segundo que passa, eu me desestabilizo mais.

Na segunda-feira e na terça-feira, eu me isolo: chego em casa após o trabalho e vou para o quarto. Na quarta-feira, ouço vozes na sala e sei de quem são antes mesmo que batam na porta do meu quarto.

Lara entra após bater e eu apenas chego para o canto da cama, abrindo espaço para que ela se sente.

― E aí, amiga?! Que milagre você aqui em casa.
― Vim ver como você está. Não atende celular e responde as mensagens com monossílabas. Precisava me certificar se é você mesma ou seu corpo foi tomado por um ser espacial.

Respiro fundo e ignoro a piadinha. Eu sabia que logo Lara tomaria conhecimento sobre minha briga com André. Afinal, ele trabalha com Guilherme, então passei os últimos dois dias fugindo do assunto.
― Estou bem, Lara, apenas sem ânimo.
― Amiga, o que aconteceu?
― Ué, você não sabe? Pensei que o André já tinha feito minha caveira para o Guilherme.
― Ele não fez isso. Na verdade, ele não contou nada. Disse apenas que vocês não estavam mais juntos e se recusou a falar sobre o assunto. O Gui disse que ele está mal.
― Mal? ― Sorrio com sarcasmo. ― Mal estou eu que ouvi o que não precisava.

Conto toda a história para Lara. Explico minha ideia de apresentar George a Anne, a reação dele e as coisas que André me disse no carro.

― Sabe, Lara, se ele tivesse pensado alguma coisa, mas me ouvisse, mesmo chateado, eu relevaria. Ele simplesmente despejou aquele lixo todo em cima de mim. Eu passei por cima do meu passado e do meu orgulho e corri atrás dele e ele sequer soube definir o que sentia por mim quando perguntei. E ainda se acha no direito de me ofender.
― Pati... ― Lara se manifesta depois que termino de falar. ― Eu concordo com você, ele deveria ter te ouvido, mas acredito que ele realmente gosta muito de você.
― Han... ― Ergo a sobrancelha.
― O Gui disse que ontem e hoje ele nem parecia a mesma pessoa, ficou distante, triste. Ele se enganou, amiga, e precisa ouvir isso. Explica o que aconteceu, xingue o André se for preciso, mas conte a ele.
― Lara, eu não vou mais dar o primeiro passo. Se o André quiser ouvir o que eu tenho a dizer, sabe muito bem onde me encontrar.
― Tem certeza do que está fazendo?
― Ele não pensou duas vezes antes de soltar os cachorros em cima de mim.

Lara respira fundo.

―Tudo bem. Eu queria ficar mais, mas o Guilherme está lá na sala me esperando. Vamos fazer algo no fim de semana?
― Claro. Se puder agendar alguma coisa com a Anne, eu aviso o George e nós saímos. Mas não fala que é um encontro para não ficar aquele climão.
― Vou falar com ela.
― E manda um abraço para o Gui. Não vou sair aí fora… ― Aponto para minha roupa curta e esfarrapada.
― Mando sim.

Lara me dá um abraço, vai embora e eu, antes de fugir outra vez da minha realidade ouvindo músicas, confiro meu celular: nenhuma ligação ou mensagem. Eu não darei o primeiro passo dessa vez.

Para a felicidade de George, Lara marca com Anne na sexta à noite e eu nunca o vi tão empolgado. Ele pede conselhos sobre o que vestir, sobre como se portar, parecendo ser seu primeiro encontro.

― George, seja apenas você mesmo. Se a Anne gostar de você, será pela pessoa que você é, e você é uma pessoa maravilhosa ― digo a ele, com sinceridade.

George tem os defeitos dele, mas quem não tem? Além do mais, é melhor ser autêntico do que aparentar ser outra pessoa e, mais tarde, um dos dois se decepcionar.

Ele me agradece novamente e, por um momento, acho que como prova de gratidão, ele oferecerá sua honra e seus serviços de vassalo a mim enquanto viver. Mas George apenas volta para a sala da tortura para espetar e tirar sangue da próxima vítima.

Na sexta à noite, me arrumo sem ânimo algum. Só estou indo para que George não fique sem graça por não conhecer ninguém. Tudo que eu quero, na verdade, é vestir meus trapos e continuar deitada.

George nos encontrará no cinema e Guilherme vai passar aqui com as meninas, já que agora eu não tenho mais minha carona oficial.
Quando ouço a buzina lá fora, pego minha bolsa e saio.

Fecho a porta atrás de mim e, assim que me viro em direção à rua, minhas pernas congelam: André está de braços cruzados encostado em seu carro. Eu não sei se deveria continuar andando ou virar as costas e deixá-lo lá plantado feito uma bananeira, o que, na verdade, é o que ele merece.

― Eu tenho cinco minutos. ― Olho para o braço procurando o relógio e só então vejo que não estou usando um. Disfarço e passo a mão no cabelo, mas é inútil. Ele percebe e dá um sorriso fraco.
― Eu vim buscar você no lugar do Guilherme. ― Continuo encarando-o. ― Podemos conversar em outro lugar?

Olho para a janela e, embora ninguém esteja nos espionando dessa vez, acho melhor sair daqui. Entro no carro e André dirige silenciosamente até estacionar em uma rua desconhecida para mim. Acho que nem ele sabe bem onde parou.

André respira fundo e aperta o volante.

― Não fui trabalhar ontem e Guilherme me fez uma visita à noite. ― Penso em soltar um “que bom para você”, mas não quero gastar palavras com ele, então apenas continuo ouvindo. ― Ele me contou que a Lara visitou você e que, na verdade, você, ham... ― Ele fica sem graça. ― Estava tentando apresentar aquele cara lá...
― O George ― dessa vez, eu o interrompo.
― É, o George, apresentá-lo para a Annelise.
― Hum. ― Continuo séria.
― Eu...ham, eu...
― Eu o quê? Você quer me pedir desculpas por ter me ofendido, dito que eu tinha dois caras ao mesmo tempo e insinuado que eu era igual a todas as mulheres que não prestam?

André me olha assustado.  Continuo falando e despejando o que está entalado na minha garganta. Ele disse tudo o que pensava de mim naquele dia e agora é minha vez.

― Você não faz ideia do que passei, André. Não sabe nada da minha vida, não conhece o meu passado e sequer conhece bem o meu presente. Você não se dá ao trabalho de conhecer e eu acho que faz isso porque, se você conhecesse minha vida, teria que contar a sua e revelar seu segredinho sujo da sua cidadezinha do interior.

Ele continua me olhando atônito.

― Achou que foi fácil para mim procurar você no bar aquele dia? Você não sabe como foi difícil. Eu tive que superar meus medos e passar por cima do meu orgulho. Eu não sabia se você iria me usar e sumir, mas ainda assim te dei um voto de confiança. E você, o que fez? Me pediu para te dar uma chance e, na primeira oportunidade, faz isso! Me tratou como se eu fosse uma qualquer, como se eu tivesse traído você. E eu nem sei porque tanta tempestade em um copo d’água, já que você nem se deu ao trabalho de me falar que tipo de relacionamento nós tínhamos. Eu não sabia se estávamos namorando ou passando o tempo e, na verdade, acho que estávamos passando o tempo mesmo, já que você nem sabe definir o que sente por mim.

― Patrícia... ― Ele tenta tocar meu braço.

― Patrícia uma pinoia! Eu te entreguei meu coração, achando que talvez fosse recíproco, mas a verdade é que eu nem te conheço. Não sei quem você foi e, definitivamente, não sei quem você é. Eu realmente não sei...

Por fora eu aparento segurança, mas por dentro eu estou quebrada. Há uma sacolinha plástica, daquelas bem vagabundas, pendurada na cavidade do meu tórax e dentro dela, meu coração estilhaçado. Minha vontade mesmo é de pegar essa sacola e bater com força na cabeça dele.

― Me desculpa ― ele lamenta, quase inaudivelmente enquanto encosta a testa no volante.
― Me desculpa? É só isso que você tem para me falar?

André levanta a cabeça e me olha. Parece querer dizer algo, mas não diz palavra alguma. Apenas continua me pedindo perdão com o olhar.

― Tudo bem, está desculpado. Não vou ficar guardando rancor pelas coisas que ouvi de você. Agora, pode me deixar no cinema? Eles estão me esperando.
― Pati...
― Não, André! Não dá! É óbvio que você não confia em mim e sem confiança nada funciona. Eu não vou entregar meu coração sozinha, não vou me arriscar sozinha, eu não consigo fazer isso. Não quero ficar com alguém que sequer sabe o que sente por mim.
― Eu sei o que eu sinto por você! ― Ele me interrompe, elevando o tom da voz subitamente e eu me assusto. ― Eu fui ao seu trabalho para te falar isso! E você está certa, eu tenho problemas com confiança, mas você também não sabe o que eu passei.
― Não sei porque você nunca me contou ― resmungo.

Ele bufa, passa a mão na cabeça, bagunçando o cabelo e me encara outra vez.

― Não existe nenhum segredo sujo, Patrícia. Existe só vergonha e humilhação. Eu não gosto de falar daquela cidade porque tenho vergonha. Eu nasci e cresci naquele lugar, namorei a mesma menina quase a vida toda e só me mudei para cá para estudar. Pedi a mão dela em casamento e, assim que me formasse, nós nos casaríamos. Passei todo tipo de dificuldade que você possa imaginar. Não gastava, juntava tudo o que ganhava para o casamento e, quando finalmente me formei e voltei, ela terminou o noivado, disse que era nova demais para se casar e que queria conhecer outras alternativas e ter experiências novas. A cidade é pequena e eu tive que suportar todo tipo de comentário maldoso, isso sem contar a cara de piedade de algumas pessoas. Para piorar a situação, os pais dela compraram uma casa quase em frente à casa de meus pais: eu mal podia pôr os pés na rua sem vê-la. Perdi as contas de quantas vezes fui fechar a janela do meu quarto para dormir e ela estava na porta da casa dela, com um cara diferente por vez. Não consegui suportar e voltei para cá, arranjei um emprego com o Guilherme e comprei um apartamento com o dinheiro que havia juntado para o casamento. Por isso vou pouco lá; porque todas as vezes tenho que ouvir algo sobre essa história; todas as vezes eu me envolvo em alguma situação constrangedora. Eu me sinto humilhado quando vou até lá e tenho vergonha de ter sido tão burro, tão iludido, tão estúpido. Satisfeita? Consegue entender agora? É o meu passado: vergonha e humilhação pública. Sim, eu tenho problemas com confiança, e você agora sabe o motivo. Quando eu vi aquele cara abraçando você, eu pensei que estava vivendo outra vez a mesma história. Eu não suportaria passar por isso novamente. Sei que fui um idiota por não te ouvir, eu sei. Mas tente me entender, Patrícia.

Cada uma das palavras que ele acabou de me dizer transparecem a dor e a vergonha que ele sente. Quando ele termina de falar, eu posso ouvir sua respiração pesada e ver aquela conhecida sombra nublando seu olhar.

Agora eu compreendo e vejo com clareza. Por diversas vezes, eu pensei que ele era eu de calças e eu estava totalmente certa: nós somos iguais, vivendo presos a uma lembrança ruim do passado.

Nós dois fingíamos ser quem não éramos, colocávamos nossas máscaras e interpretávamos um papel. Eu era a dona da situação, forte e decidida e ele era o garanhão que não queria compromisso sério.

A verdade é que ele é o oposto de tudo que aparentava ser, mas enterrou isso quando seu noivado terminou. Eu já estava tentando me livrar da minha máscara, estava mais aberta a mudanças, mas André ainda usava a dele.

― Este sou eu, Patrícia. E você não entregou seu coração sozinha. Meu coração já havia te escolhido como dona dele desde o dia que eu esbarrei em você, no restaurante. Eu sei bem o que sinto por você. Estou, completa e perdidamente, apaixonado.

Ah, os caquinhos do meu coração derretem dentro daquela sacola e começam a pingar no chão assim que ouço essas palavras. Eu posso estar muito chateada com André, mas também estou apaixonada demais.

O sorriso de canto de boca é involuntário. Eu agora olho-o com ternura. André não passa de um menino machucado. Coloco minhas mãos em seu rosto e digo:

― Eu entendo você. Sei o peso que o passado coloca nos nossos ombros, mas você pode se livrar desse peso. Tira isso das suas costas, enterra, esquece tudo. Eu não vou fazer a mesma coisa, não vou te machucar como ela fez porque eu também já fui ferida e sei como dói. Eu vou cuidar desse seu coração aqui. ― Coloco a mão no peito dele e sua expressão se suaviza.
― Eu nem sei como tudo aconteceu, foi tudo tão rápido que eu não entendo. Desde o primeiro dia em que te vi, alguma coisa mudou. Você me fez sentir o que eu não sentia há anos, me fez querer ter um relacionamento sério novamente e até pensar outra vez em ter uma família. Talvez eu esteja ficando velho… ― Ele, finalmente, solta uma piadinha.
― Ou talvez tenha encontrado a mulher da sua vida. ― André sorri.
― Eu errei com você, mas se ainda der tempo, vamos definir tudo o que precisa ser definido. Vamos dar nomes a tudo o que você quiser. Nosso relacionamento pode se chamar namoro, o que você acha?
― Isso fará de mim a sua namorada? ― Ele balança a cabeça afirmativamente. ― Eu vou poder falar para as pessoas que nós estamos namorando?
― Claro que sim, mulher!

Entrego os pontos. Eu não quero ficar longe dele nunca mais. O abraço o mais forte que consigo e encho seu rosto de beijos. Ele sorri, mas algo ainda o perturba.

― Pati?
― Sim.
― Eu sou inseguro. É um defeito meu que só se agravou depois de tudo o que aconteceu. Vou tentar mudar, eu te prometo, mas sei que não será do dia para a noite. Eu tenho medo de te machucar outra vez...
― Sei que você não vai mudar do dia para a noite, não é simples assim. Apenas confie em mim. Nós vamos fazer esse negócio funcionar.
― Você vai ter paciência comigo?
― Vou.
― Não desista de mim.

Ai, meu Deus! Um menino machucado e manhoso. Dou outro abraço apertado nele.

― Vamos fazer assim: eu não desisto de você e nem você de mim. Cuidamos um do outro, pode ser?

Ele abre o sorrisão que eu tanto amo e meu coração se aquece. André agora é meu namorado e eu posso sentir a felicidade formigando dentro de mim. Ele se aproxima, encosta sua testa na minha e murmura:

― Senti tanto a sua falta.
― Eu também senti.

Pouso meus lábios demoradamente nos dele e André me puxa para mais perto, me beijando apaixonadamente.

― Nunca mais fique tanto tempo sem me beijar ― eu digo assim que nossas bocas se afastaram.
― Seu pedido é uma ordem.

Meu menino arteiro havia voltado. Sei que dentro dele ainda existe aquele André machucado e inseguro, mas estou feliz em vê-lo sorrir. Se depender de mim, todas as inseguranças que ele carrega vão deixar de existir.

Nossa! A Anne está certa, é muito mel mesmo.

― Que horas são? Nós vamos nos atrasar para o cinema.
― Precisamos mesmo ir? ― Ele pergunta dengoso.
― Precisamos sim. Vou apresentar o George à Anne hoje. ― André fica um pouco tenso ao ouvir o nome de George. ― Ele é um cara legal, você vai ver. Vamos?
― Tudo bem, mulher. Vamos lá.

André dá a partida e logo chegamos ao cinema. George já nos espera, está bem-arrumado, mas de longe é possível perceber que está nervoso.

― George, tudo bem? ― Ele me olha, visivelmente aliviado. ― Esse é meu namorado, André. ― André estende a mão e os dois se cumprimentam. ― Trate de se acalmar se não quer que ela pense que você está segurando uma diarreia aí.
― Você não entende, Patrícia. Eu fiquei durante meses observando-a à distância. Tenho medo de que ela não goste de mim.
― Ah, não. Não quero ser responsável por um coração partido. Se vocês não derem certo, podem ser amigos. Não fique criando expectativas. Estou quase me arrependendo de ter começado com isso.

George fica desolado e eu olho para André, incentivando-o a falar alguma coisa.

― Se a Anne não gostar de você, nós te apresentamos a outras garotas. Tenho uma agenda telefônica cheinha de números de mulher. Te dou ela de presente antes que a Patrícia a queime.

É isso aí, ele voltou com força total!

A brincadeira surte efeito. George ri e parece relaxar. Ele sai por um instante para buscar um refrigerante e, assim que vira as costas, o trio chega: Anne, na cadeira de rodas, Lara, com as muletas e Guilherme, andando devagar, acompanhando o ritmo das duas. Pensando bem, parece que eles acabaram de sair de um hospital. Seguro a onda e não pergunto a eles onde havia sido o desabamento.

Annelise está com seu cabelo loiro solto, linda como sempre, e Lara e Guilherme continuam dentro daquela bolha cor-de-rosa, cheia de passarinhos e borboletas.

― E aí, que filme vamos ver hoje? Ou melhor, que filme eu vou ver hoje, pois você com certeza nem vão prestar atenção ― Annelise abre a noite.

Enquanto André responde a pergunta, eu pergunto disfarçadamente a Lara se Anne sabe sobre George. Lara apenas nega com a cabeça. Muito bom! Assim, as coisas serão menos constrangedoras.

Mal Lara termina de balançar a cabeça, George aparece com o refrigerante e, quando percebe a presença das demais pessoas, dá uma freada brusca. Ah, meu Pai! Ele não pode empacar feito um jumento aqui.
George olha para Annelise e, quando volto meus olhos em direção a ela, percebo que Anne também o olha. Ela parece surpresa, um pouco espantada.

― George? ― Annelise pergunta, ainda surpresa.

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Capítulo mais cedo hj😊.
Ótimo sábado a todos e juízo !!

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