Manuela
Acordei assustada, depois de um intenso sonho. Algumas lágrimas insistiram em molhar meu rosto quando a lembrança daquela maldita noite ficou viva em minha mente.
Se eu não tivesse insistido...
Apertei os dedos nos olhos e respirei fundo. Eu não podia começar a chorar agora.
Tentei controlar minha respiração e quando consegui relaxar o corpo, a imagem daquela borboleta azul apareceu na minha mente.
Vi ela pela segunda vez. E aquilo era estranho demais.
Eu só podia estar ficando louca porque... mais uma vez, a presença daquela borboleta me tranquilizou. E isso era estranho demais.
Respirei fundo mais uma vez. Pensar naquilo não estava me ajudando.
Senti o braço de Tobias em cima da minha cintura. Seu corpo estava colado ao meu, e eu sentia seu peito mexer com a respiração profunda. Tudo o que eu queria era me permitir ficar mais um pouco ali, fingindo que tudo ficaria bem e que Tobias poderia carregar o fardo de estar comigo. Mas eu já me permiti demais por uma noite. E como imaginei, o arrependimento já estava começando a se apossar do meu coração.
O que fizemos foi lindo. Repleto de desejo e paixão. E eu não tive força o suficiente para não me entregar a ele mais uma vez. Mais uma última vez.
Respirei fundo para reunir forças.
Ao menos para isso você tem que ter forças, Manuela.
Tirei o braço de Tobias de cima de mim e o ajeitei delicadamente ao lado de seu corpo. Me levantei devagar, ainda sentindo meu corpo quente por tudo o que ele me fez sentir há poucas horas. Peguei minhas roupas e me vesti.
Antes de sair do quarto, olhei para ele mais uma vez. O lado direito do rosto amassado no travesseiro, o semblante sossegado de quem dormia profundamente e as costas descobertas, sendo iluminada apenas pela fraca luz do poste da rua, que entrava pela fresta da janela.
Olhei em cima da cômoda e vi um bloco de papel. Andei na ponta dos pés, escrevi um recado para ele.Obrigada pela noite, Tobias.
Obrigada por cuidar de mim.Tentei escrever mais alguma coisa, mas não consegui. Então, antes que o desespero por magoá-lo me consumisse e eu começasse a chorar agora mesmo, coloquei o bilhete em cima do travesseiro e sai do quarto.
Desci as escadas devagar, com meu tênis na mão, para manter o silêncio absoluto da casa. Procurei pela chave e quando a vi em cima da mesinha, peguei-a e destranquei a porta.
— Por que está fugindo?
Dei um sobressalto e estremeci com o susto, soltei o meu tênis no chão. Me virei para ele e encarei seu corpo esguio parado no alto da escada, usando apenas uma calça cinza de moletom.
— Não estou fugindo. — meu coração estava disparado, batendo violentamente contra meu peito.
Tobias desceu os degraus devagar, sem deixar de me encarar. Apoiou o corpo na parede e ficou com os braços firmemente cruzados em frente ao peito nu.
Ele ergueu a mão, com meu bilhete entre os dedos.
— A propósito, de nada.
Seu olhar estava sombrio, como eu nunca tinha visto antes.
Meu coração doeu.
— Tobias, eu...
— Não passou pela sua cabeça que eu merecia mais do que um maldito bilhete agradecendo a noite? — ele me interrompeu.
Apertei meus olhos com as pontas dos dedos.
— Tobias, eu não queria magoar você! Eu tinha um plano e...
— Ah, você tinha um plano? — ele me interrompeu novamente, abrindo os braços e os batendo ao lado do corpo — Nossa, fico mais aliviado agora em saber que fazer sexo comigo e fugir no meio da madrugada era seu plano.
Eu nunca o havia visto falando com tanta ironia.
Meu coração doeu mais um pouco.
— O problema, Manuela, é que seu plano deu errado. — ele enfiou os braços nos bolsos da calça.
Senti meu queixo começar a tremer.
— Eu não quis dizer plano, eu só... — esfreguei as mãos, sentindo o suor se instalar nelas — ... eu só não queria magoar você.
A voz de Tobias soou melancólica, mas firme quando falou:
— É, mas não foi bem sucedida. — ele se aproximou, mas só um pouco — Eu falei que amava você enquanto beijava seu corpo — ele passou a mão pela nunca e pelo queixo — Como posso ser tão estúpido?
— Tobias...
Dei três passos em sua direção, mas ele recuou. Senti um choro angustiante querer escapar por minha garganta.
— Por favor, me perdoa... — sussurrei, mas acho que ele não ouviu.
— Perdoar pelo que, Manuela?! — sua voz se alterou.
Percebi que seu queixo também tremia. Os olhos dilatados, me encarando com um sentimento que eu não soube decifrar.
Ou talvez eu estivesse com medo de decifrá-lo.
Tentei responder alguma coisa, mas minha voz parecia estar presa na garganta.
Um minuto depois, Tobias se afastou e pegou algo de cima da estante e se aproximou de mim novamente.
Prendi a respiração com a aproximação tão repentina. A vontade de abraçá-lo ardeu forte em meu peito.
— Seu presente.
Ele esticou para mim um envelope e uma caixinha de veludo, comprida e fina.
Fechei os olhos com pesar.
— Tobias, eu não posso...
— Você não aceitar não é uma opção. — ele me encarava, mas seus olhos não tinham mais o mesmo calor que há poucas horas — Você pode fazer o que quiser com ele depois, mas ao menos aceite.
Fechei os olhos novamente. Aquilo doeu. Mas eu merecia.
— Obrigada. — sussurrei terrivelmente envergonhada.
Fiz menção de abrir a caixinha, mas ele me deteve.
— Abra só quando estiver sozinha. — sua voz era firme — Há alguns minutos eu adoraria ver sua reação, mas agora as coisas mudaram um pouco, não é?
Senti as lágrimas arderem em meus olhos.
Eu merecia toda aquela mágoa, mas por Deus, como doía.
— Você vai me presentear mesmo depois... — não consegui terminar a frase.
Ele esticou o braço ao meu lado e abriu a porta.
— Sim, vou. — ele disse apenas.
Assenti e abaixei a cabeça.
Eu estava prestes a sair correndo, mas me detive. Fechei a porta com um baque, a coragem e o remorso me corroendo ao mesmo tempo.
Percebi que ele se assustou e mas não recuou.
— Eu não resisti, tá legal! Você é perfeito, como eu poderia resistir? — meu coração batia forte — Talvez se você não estivesse comigo no ateliê, tudo teria acabado! Essa dor esmagadora teria parado. Tudo teria acabado! — falei um pouco alto demais.
Ele me observava com atenção. O maxilar tenso e os braços caídos ao lado do corpo.
— Mas então eu deixei que você cuidasse de mim, me trouxesse pra sua casa, pra sua cama. Eu não planejei deitar com você, mas eu não resisti. Não resisti!
O choro finalmente irrompeu da minha garganta. Cobri a boca com a mão, para tentar abafá-lo.
Não olhei para Tobias. Mas era quase como se eu pudesse sentir sua tensão aumentar.
— A raiva pela morte do meu pai e o rancor pelo que a minha mãe fez, ainda são muito vivos dentro de mim, e eu não posso fazer nada quanto a isso. Eu sinto que esses sentimentos dominam mais do que a metade dos meus pensamentos e das minhas ações. Eu queria ser mais forte do que eles. Mas não sou.
As lágrimas cessaram um pouco, dando lugar ao sentimento de impotência que eu estava sentindo.
— Eu amo você, Tobias. — vi que seus olhos estavam marejados, e as sobrancelhas vincadas — E eu cheguei a pensar que você poderia... que eu poderia me agarrar a isso. Mas não pude. — meu queixo voltou a tremer — Não posso. Eu amo você. Mas infelizmente, isso não é o suficiente.
Ele recuou alguns passos, parecendo ter levado um soco. Talvez o mesmo soco que eu estava sentindo por todo meu corpo.
Ele se apoiou nas costas do sofá. Os braços esticados, como se ele estivesse suportando um peso nas costas que não aguentava.
E então, depois de um tempo que pareceu longo demais para mim, sem me olhar, ele finalmente falou:
— Você não faz ideia do que eu sinto por você. Do que eu faria por você. Mas acho que finalmente entendi o que quer dizer. — sua voz parecia cansada — Eu só peço uma coisa: não abra mais nenhuma porta para mim se você não tiver a intenção de me deixar entrar.
Coloquei a mão sobre a boca antes que um soluço de choro quebrasse o silencio da casa.
Eu não sabia se minhas pernas teriam força, mas corri. E só parei quando meu corpo caiu contra o chão frio do meu quarto. Eu queria me fundir naquela dor e desaparecer.
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Por Caminhos Errados
RomanceSINOPSE "O que levaria você a entrar em um jogo proibido?" Após chegar em casa e encontrar uma cena que nunca mais sairá de sua cabeça, Manuela se vê forçada a criar algumas regras, para não deixar que mais ninguém machuque seu cora...