Prólogo | As circunstâncias me tornaram o que sou

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Eu não parava de chorar enquanto corria pela rua escura e deserta.

Meu rosto ainda ardia pela tamanha força que meu pai aplicara com sua mão ao me dar um tapa certeiro, afirmando, com o mais cruel dos olhares, que eu só tinha uma escolha: ou virar "homem" ou ir embora de casa, esta última alternativa indicando que eu não seria mais considerado seu filho. Como eu não poderia ser mudado — nem se eu quisesse —, fui expulso da mesma forma que um cachorro era chutado pelo seu dono quando ele não tem coração. A diferença era de que o cachorro ao menos poderia voltar ao lar; eu já não podia.

Nem sequer tive chance de me explicar — de dizer que o fato de eu ser gay não foi algo que resolvi escolher durante meu crescimento. Desde criança eu reconhecia meus sentimentos o suficiente para garantir que era dos garotos que eu gostava. Mas isso de alguma forma não serviu de importância para meu pai, que estava cego demais para conversar comigo e me compreender.

Como minha mãe também, cujo amor por mim parecia ser tão limitado quanto o dele. Ela simplesmente escutou nossa briga ao lado do meu pai enquanto eu implorava com o olhar de súplica para que eu recebesse um apoio de sua parte. Mas ele não veio, então ela resolveu se unir a meu pai a ponto de concordar com a decisão de me pôr para fora de casa.

Foi como se a dor que ela poderia ter me causado fisicamente fosse convertida apenas com a sua rejeição em me ajudar. Um murro no meu rosto vindo dela seria muito menos doloroso, eu tinha certeza.

Isso só me fez entender que minha revelação de homossexualidade pareceu se erguer como um muro entre mim e o amor que um dia eu pensei receber deles.

Mas tudo, eu percebi, não passou de uma ilusão da minha parte. Eu nunca recebi esse afeto.

Porque aqui estava eu, em plena chuva gélida procurando um lugar que servisse ao menos de abrigo temporário para mim na Itália. Não conhecia ninguém onde moro justamente por mal fazer um mês que nos mudados para cá. Eu estava só — sem amigos, sem familiares que me apoiassem, sem casa... sem amor.

Como alguém poderia viver sem essas coisas?

Corri rapidamente sem rumo definido por uma das ruas principais de Veneza, quase escorregando em uma cerca pequena e metálica que servia apenas para cobrir uma muda de planta mal cuidada. Olhei para trás e limpei meu rosto com algum tipo de medo de que mais alguém estivesse a favor dos meus pais, embora o lugar estivesse vazio.

E eu chorava, claro. Eu já não sabia distinguir o que era a chuva e minhas lágrimas, ambas escorrendo fortemente pelas minhas bochechas sem pausa. A vontade que eu tive era de gritar, mas eu sabia que não haveria ninguém para me ouvir.

A sensação era de que eu estava num pesadelo, ou até mesmo naqueles sonhos onde, por mais que eu tente correr, nunca consigo sair de onde estava.

Por que eles não podem me entender? Por que eles se importam mais com o que não lhes dizem respeito do que com a felicidade do próprio filho?

Perdido em mais dúvidas sem respostas, acabei tropeçando no chão de concreto duro de uma calçada no meio do nada ao mesmo tempo em que um raio cortou o ar, iluminando tudo. Cobri o rosto para não ser atingido chão abaixo, meu corpo caindo por sobre um dos braços.

E naquele momento eu me senti um lixo; me senti um nada.

Encolhi meu corpo para afastar o frio que colida contra meu corpo. Nem ele parecia ter piedade de mim.

Eu não conseguia pensar direito, e não sabia ao certo se eu gostaria de forçar meu cérebro a processar alguma coisa, pois tudo o que reprisava na minha mente era o olhar homofóbico do meu pai e o de reprovação da minha mãe. Não sabia avaliar qual era o pior.

EU ENTREGO MEU CORPO A VOCÊOnde histórias criam vida. Descubra agora