Prólogo

5.3K 388 31
                                    

Sem revisão


Catarina Novaes

O ar quente do meio-dia a fazia transpirar mesmo com o ar condicionado do carro ligado. Uma leve dor de cabeça começava incomodar a doutora Catarina Novaes; também o dia hoje estava insuportavelmente quente causando mal estar a quem precisasse enfrentá-lo a essa hora, talvez mais tarde houvesse um alívio nesse calorão, pois a previsão era de chuva para o fim do dia. Olhando a longa fila de carros parados a sua frente, ela tentava calcular quanto tempo levaria para chegar ao seu destino.

- E se a gente não chegar a tempo, drª. Catarina? – sentada ao lado dela a cliente jovem, bonita e curvilínea e, com impressionantes olhos azuis a fitava apreensiva. A moça estava ansiosa por causa da audiência de divórcio.

- Estamos adiantadas. – Catarina  assegurou e verificou as mensagens sem olhá-la. Francileide Prado estava se divorciando do rico empresário Walter Prado, dono de boates na cidade de São Paulo. Há quatro anos ela era apenas mais uma das dançarinas da boate de Prado e logo fora promovida a esposa. Pelo que se sabia a ex-dançarina era a sua quarta mulher.

O motorista do lado começou a buzinar, gesto inútil que só serviu para aumentar sua dor de cabeça. Analisando agora, sabia exatamente quando esse desconforto começara. Foi logo pela manhã, depois de ver alguém que não via há anos. E, embora detestasse admitir, ficara muito abalada com aquela visão. Era doído, de repente, dar de cara com um passado que tanto se esforçara para esquecer.

Controle-se, Catarina. Repreendia-se tentando recobrar o equilíbrio. Precisava de todo sangue frio para lidar com um futuro ex-marido furioso e seu astuto advogado. Com certeza, os dois viriam com toda a carga para cima dela. Prado alegara ter sido enganado por sua jovem esposa e esperneava afirmando que não daria um centavo a ela. Distraída, não notou o homem que se aproximava até ser tarde demais. Walter Prado caminhava entre os carros em direção a elas. E vinha com uma arma.

- Meu Deus! É o Walter... Ele vai me matar! – Francileide gritou desesperada tentando abrir a porta do carro e quando conseguiu, começou a correr. Contudo, não foi muito longe, porque nesse momento, um primeiro tiro foi disparado atingindo-a nas costas e fazendo-a cair.

Os outros motoristas começaram a gritar apavorados sem entender o que acontecia. Quando a advogada finalmente conseguiu livrar-se do cinto e sair do carro já era tarde.  Aproximou-se correndo e parou em choque ao ver a cena. O homem se abaixou, virou o corpo da esposa e sussurrou alguma coisa em seu ouvido antes de se levantar e apontar a arma para ela.

- Eu amava essa mulher e isso é culpa sua. – o homem acusou com ódio e disparou. Catarina sentiu o corpo estremecer com o impacto e caiu de joelhos. Notou sua blusa branca rapidamente se tingir de vermelho.

Tanto sangue...

A poucos passos estava Francileide com os olhos azuis abertos, parados. Essa a última coisa que viu antes dela mesma tombar com a cara no asfalto.

Daniel Camargo

Ele soltou um gemido ao ouvir o primeiro estampido.

Levantou para ver o que acontecia quando várias explosões ocorreram. Chegou a janela para observar o show dos fogos de artifícios iluminando o céu da fazenda Nova Esperança seguido por gritos e aplausos animados para o casal Camargo. Devia imaginar que as irmãs, sempre tão barulhentas, inventariam alguma coisa bem espalhafatosa para comemorar o quadragésimo  aniversário de casamento dos pais.

A festa lá fora estava no auge. E, há menos de uma hora Daniel se encontrava misturado aos quatrocentos convidados, parentes, amigos e empregados festejando a união de Antônio e Rosa Helena Camargo. Ainda deveria estar se não fosse por uma sensação esquisita, meio sufocante, como se um muro invisível começasse a se fechar ao seu redor o atingisse de repente.

Decidiu então, se afastar um pouco até que essa impressão passasse. Sabia que não era nada físico e, se fosse alguém que acreditasse em presságios diria que alguma coisa estava prestes a acontecer. Quase riu daquele pensamento. Nunca acreditara em pressentimentos ou intuições, era um homem racional demais para isso, bom, talvez os acontecimentos de dias atrás o tivesse abalado mais do que pensara...

Bobagem. Afastou o pensamento e, com um gesto enérgico, saiu da biblioteca.

Encontrou alguns parceiros nos negócios cumprimentou-os rapidamente, sem  deter-se. Reparou no irmão, Jonas e Ana, a namorada,  meio escondidos e agarrados num canto da varanda aproveitando os últimos dias antes da viagem.

Desceu a escadaria para encontrar a mãe no final dela.

- Parabéns, mãe. – beijou a testa daquela mulher alta, grisalha e bonita que era Rosa Helena.

- Obrigada, filho. – trocaram um abraço apertado e depois observaram os convidados dançando num espaço especialmente montado, mais acima da armação havia um palco para apresentação das bandas ..Muitas pessoas continuavam sentadas nas mesas espalhadas por todo o gramado. Daniel avistou Heitor bebendo, rodeado por um grupo de mulheres.

- Será que ele nunca vai tomar jeito? – Rosa seguiu seu olhar suspirou inconformada – Quando vocês dois vão se tocar que não estão ficando mais jovens, criarem juízo e nos dar uns netinhos? Olhe para isso, um lugar tão grande ficaria lindo com um monte de bebês correndo por aí. Ah! E prefiro que essas crianças tenham mães casadas com meus filhos, por favor. O que posso fazer? Sou antiquada.

- Você já tem netos. -fez questão de lembrar, caso ela tivesse esquecido.

- Quero sempre mais, sou gananciosa também... - ela sorriu e depois voltou a ficar séria - Daniel, seu primeiro casamento não deu certo, e eu fico pensando, filho, se  não é hora de dar outra chance...

- Mãe... – começou num tom de aviso que normalmente a faria parar e mudar de assunto, contudo, ela parecia disposta a desenterrar o passado justamente nessa noite em que se sentia meio instável.

- Querido, sua história com Catarina foi há tanto tempo... – Rosa começou hesitante e o filho fechou a cara. Que ideia infeliz da mãe falar desse assunto logo hoje. Banira aquela mulher de sua vida há tempos, e durante anos evitara até tocar no nome dela. Felizmente a chegada de Antônio distraiu a mulher  e a impediu de continuar com aquela conversa deprimente.

Chateado, ele deu uma olhada em volta e localizou, perdida na multidão a bela Sophia Heckmann, sua ex-noiva. Os dois sempre foram amigos, ficou feliz por ela ter aceitado o convite para a festa. Há anos a moça não vinha à cidade. Talvez fosse isso que precisasse essa noite, diversão. Deixou os pais e foi ao encontro da loura mais bonita da festa.

- Mano! – um grito afobado o fez parar , seu irmão mulherengo corria em sua direção – Preciso te mostrar uma coisa...

- Agora não, Heitor. - retrucou mal humorado, queria evitar mais chateações e conversa fiada. Afinal, tinha um alvo e estava indo direto para ele. Decidido, ignorou o outro e recomeçou a andar. 

- Você precisa ver isso! – afirmou enfático o irmão mais jovem  segurou o braço de Daniel que parou, notando pela primeira vez a palidez dele ao estender o celular.

- Ver o quê?! –  gritou muito irritado, apanhou o telefone. Alguém enviara uma foto a Heitor.

Franziu a testa ao observar uma mulher morena desconhecida, de olhos abertos e arregalados,  ensanguentada, caída na rua e, obviamente morta. Deu um esgar impaciente. Por Deus! Quem compartilhava esse tipo de imagem? Desgostoso, já devolvia o aparelho com uma bronca enorme para Heitor quando notou, um pouco desfocada, a outra figura deitada em uma posição que impedia de ver seu rosto, mas viu que esta mulher era negra. Sua mão tremeu ao buscar outra foto. Catarina. Sussurrou enquanto a sensação que o perseguira a noite inteira retornava com força total.

"

Por mais uma vezOnde histórias criam vida. Descubra agora