Capítulo 1

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Daniel esfregou os olhos vermelhos e cansados, tão necessitados de sono com impaciência. Não adiantava, não conseguia dormir... Não agora, não antes de cumprir um determinado ritual que começara há 5 dias...

Conferiu as horas em seu relógio preso ao pulso: 2h da madrugada. O que fazia ali? Ele se perguntava toda noite sem achar uma resposta aceitável para aquele comportamento curioso. Durante o dia cumpria todas as responsabilidades, num dia normal trabalhava até 16 horas, nunca reclamara, na verdade sempre gostara. Desde cedo acreditava na máxima de que não se deve deixar para amanhã o que pode ser feito hoje. Então, trabalhar duro era com ele mesmo. Desejava,simplesmente, após  horas de esforço físico e mental, aproveitar as poucas horas que tinha para descansar.

E essa havia sido sua rotina até alguns dias atrás...

Até que tudo mudou. Agora passava o dia dividido entre os negócios da família e os seus também e, á noite, quando a inquietação atingia o mais alto grau, ele pegava o carro e vinha parar ali; só conseguia dormir um pouco depois de conferir como ela estava.

O silêncio do quarto era quebrado pelo som contínuo das máquinas ligadas, tão necessárias para mantê-la presa à vida. De braços cruzados, Daniel olhava quase sem piscar para figura deitada na cama. Não a via há um tempo, no entanto, ela nunca saiu dos seus pensamentos, reconheceu finalmente. Não pronunciar seu nome, não fazia menos presente em sua mente... Nem em seu coração, a vozinha insidiosa de sua consciência sussurrou. Ele praguejou baixinho contra esse último pensamento.  Foi tirado de suas reflexões por uma enfermeira de meia idade, de rosto redondo e sério que entrou checar os sinais vitais da paciente. Ela resmungou ao vê-lo.

- Ainda aqui? Sabe que só pode ficar por alguns minutos... – ela repreendeu o homem alto, moreno e de aspecto cansado, ele aparecia nas ultimas cinco noites no hospital. Ali, no centro de terapia intensiva era proibida a permanência de pessoas, principalmente aquelas que não tinham parentesco com o doente – era o caso daquele gigante mal humorado a sua frente, ele a examinava atentamente como se não confiasse no que ela estava fazendo – logo o arrastaria para fora assim que terminasse de medicar a paciente.

- Não houve nenhuma melhora... – ele afirmou mais para si e algo no tom de voz dele fez Graça, a enfermeira olhá-lo com mais simpatia. Por baixo da arrogância e teimosia se via uma preocupação genuína com a moça ferida. O homem causara um verdadeiro rebuliço ao se recusar ir embora sem ver a paciente. Contudo, antes de ser retirado pelos seguranças, o doutor Caio Junqueira, chefe do setor, apareceu e permitiu sua presença no CTI por cinco minutos. Isso foi só no primeiro dia. Não devia ter se tornado um hábito, porém ele vinha toda madrugada velar a mulher que seguia impressionando a todos pela resistência, pois chegara muito ferida na emergência na sexta-feira.

- Infelizmente o estado dela permanece inalterado – Graça confirmou o que ele já sabia. A paciente Catarina de Almeida Novaes seguia em coma profundo. Dera entrada no hospital com um ferimento à bala e, enquanto era operada sofrera quatro paradas cardíacas. Os médicos consideravam um milagre que ela ainda estivesse viva, Entretanto, não tinham muita esperança que ela resistisse a esse ataque tão chocante.

Daniel acompanhou a enfermeira anotar os dados e, com cuidado, ajeitar os cabelos da ex-mulher, afastou-os do rosto pálido dela, parcialmente escondido sob a máscara de oxigênio. Sentiu um aperto no peito vendo-a tão inerte, a pele negra e luminosa que tanto o atraíra no passado, estava desbotada, sem vida e isso o deixava muito perturbado. Parou ao lado da cama e, ignorando o olhar curioso da enfermeira, ergueu a mão para tocar o rosto de Catarina, contudo parou antes de completar o gesto. Com receio que o simples toque fosse, de alguma maneira, incomodá-la. Fechou o punho irritado consigo pela confusão de sentimentos.

Por mais uma vezOnde histórias criam vida. Descubra agora