Capítulo 1.

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"THIS COULD BE THE END."

O sol fraco me fez sorrir. Talvez chovesse no fim da tarde. Seria ótimo para minha criatividade. Observei o céu mais um pouco. Nuvens encobriram o sol e o vento cada vez mais forte denunciava que a chuva realmente chegaria em algumas horas. Voltar do colégio andando já fazia parte do meu ritual diário. O ônibus sempre estava cheio de alunos barulhentos e levava um tempo muito curto pra me despejar em casa. Eu nunca fui totalmente boa nas interações sociais e nunca gostei de voltar pra casa. É claro que eu tinha amigos, e me dava bem com todos do colégio, porém na maioria do tempo eu preferia ficar sozinha. Com o tempo eles se acostumaram com minhas escapadas e o certo distanciamento.

Os 20 minutos que percorria vagarosamente me davam tempo pra respirar, esfriar a cabeça e admirar as pequenas coisas. No pequeno martírio da minha casa eu mal conseguia entender meus próprios pensamentos. Depois de muitos passos lentos eu avistei a entrada da casa velha. Respirei fundo e aceitei o que era inevitável. Entrei fazendo o mínimo de barulho possível que a porta empenada me permitiu. Joguei minha mochila no sofá. A gravidade simplesmente fez seu trabalho e a mochila caiu com tudo no chão. Instintivamente olhei para a porta do quarto dos meus pais. Esperei pelo xingamento da minha mãe por atrapalhá-la dormir, entretanto só silencio. Abrir a porta com cuidado e ela dormia tranquila. Notei o vidro de remédios no criado mudo e entendi. A casa poderia cair que ela não escutaria. O uso de remédios estava cada vez mais frequente e eu deveria não me importar, mas não consigo. Por mais que ela não dê a mínima pra mim, eu me preocupo. Aos poucos a vejo se acabando de trabalhar a noite na lanchonete e temo que meu destino seja o mesmo. Observei seus cabelos loiros espalhados pelo travesseiro. De longe já se via que estavam ressecados e muito embaraçados. Ela parou de se cuidar ao longo do tempo. Minha mãe definhava enquanto os dias passavam e aparentemente só eu percebia.

Me tranquei em meu quarto e peguei meu caderno de desenhos. Passei algumas folhas e parei onde queria. Minha pagina favorita. Os lugares que sonho em visitar, talvez até morar quem sabe. Califórnia, Paris, Londres... Qualquer lugar onde eu pudesse ser eu mesma. Fechei o caderno, coloquei-o junto ao peito e me joguei na cama. Com os olhos fechados mentalizei meus sonhos como um mantra. Nunca me ensinaram a rezar ou nada disso, mas eu sabia que desejar uma coisa com todas as minhas forças já serviria.

– Só mais alguns meses. – Sussurrei.

Chequei se meu jarro de economias ainda estava debaixo da cama. Estava. Meus pais nem poderiam sonhar que aquele dinheiro estava ali. Criei meu próprio negocio discreto o bastante para fugir da vista gananciosa deles. A cada doce que vendo no colégio me sinto mais perto da liberdade.

Lutei com meu estomago alguns minutos não querendo me levantar, porém perdi. Troquei-me escolhendo algo confortável e encarei o espelho de minha penteadeira. Meus olhos azuis estavam fundos. Suaves manchas roxas começavam a se formar em volta deles pelas noites mal dormidas ocupadas com desenhos e pinturas. Penteei meus cabelos e os amarrei num coque apertado. Eu parecia pálida e nada saudável de modo geral, mas ainda assim conseguia ver beleza no reflexo.

Fui ate a cozinha preparar algo. Cozinhar sempre me distraiu dos problemas, assim como os meus desenhos e os livros.

Depois de poucos minutos meu macarrão espalhou um ótimo cheiro pelo ambiente. Sorri satisfeita com o resultado e me sentei à mesa. Depois de comer e organizar tudo voltei ao meu quarto. A paz na casa me deixava aliviada e ao mesmo tempo cabreira. Eu sabia que em algum momento aquela tranquilidade seria interrompida.

O barulho da chuva me fez abrir os olhos, só então me dei conta de que havia cochilado. Olhei para janela e me encantei com as gotas manchando o vidro. Sentei-me a escrivaninha e comecei a rabiscar esboços deixando a criatividade me levar. Não sei quanto tempo fiquei ali imersa em meus devaneios até que a paz acabou. Pude ouvir minha mãe se movendo agitada pela casa.

DARK PARADISEOnde histórias criam vida. Descubra agora