DARK PARADISE

Capítulo 16.

"WASH THE SORROW FROM OFF MY SKIN AND SHOW ME HOW TO BE WHOLE AGAIN."

– Está com fome? – Forçou uma casualidade que nos tirou abruptamente do momento intenso. – Trouxe panquecas e geleia de framboesa, sua favorita.

Não pude deixar de sorrir. Eu tinha surtado. O repeli de todas as formas possíveis e ainda assim ele tinha pensado em fazer as pazes com comida.

Caminhamos para a cozinha e ele começou a nos servir vagarosamente. Encarei o relógio sujo da cozinha. O único da casa. Eram quase 6 da manhã. Eu havia passado muito tempo naquela pintura e John muito tempo fora do apartamento.

Iniciamos nosso café da manhã calados. Sempre impaciente, eu queria despejar toneladas de perguntas, mas nem sabia como começar a falar.

– As melhores memórias que eu tenho da minha infância são das pescarias que fazia com meu velho. – John mais uma vez leu meus pensamentos e iniciou conversa.

Escutei atentamente muitas histórias de pescaria no lago, sobre uma casa de parentes no campo numa cidadezinha no interior com nome estranho e difícil de se lembrar. Algumas baboseiras bem mentirosas sobre peixes gigantes que me arrancaram risadas. Uma das histórias fez meu estômago se agitar por um instante. John contou sobre a única vez que o pai usou a caixa de primeiros socorros que eu havia usado semanas atrás. Contou em detalhes da vez escorregou na beira do lago e cortou o joelho em uma pedra pontiaguda, bem feio, e o pai teve que costurá-lo ali mesmo já que o hospital mais próximo não era próximo. A cicatriz que John me mostrou não o deixava mentir. Um corte grande e bem irregular. Coisa de menino travesso com 8 anos de idade.

Demorei meus olhos nas pernas de John. Um homem daquele tamanho logicamente tinha coxas grossas e muitos pelos nas pernas. Ele ajeitou a calça e me fez prestar atenção no que ele falava.

O assunto emendou nas coisas guardadas no outro quarto. John explicou com os olhos baixos que havia vendido a casa onde morava com o pai porque não suportava olhar para os lados e sempre lembrar dele. Vendeu todos os moveis e a maioria das coisas. Guardou o essencial em caixas e colocou-as naquele cômodo fechado. Era um quarto de memórias dolorosas que devia ficar esquecido. Pedi que ele me mostrasse e ele hesitou. Depois de uma longa pausa e meus olhos suplicantes ele assentiu.

Entramos no cômodo abafado e eu comecei a encarar as fotos. John foi me explicando a história de cada registro e chegou a dar risada de alguns. Uma risada alta, rouca, contagiante e gostosa de ouvir. Apontei para os troféus e fiquei sabendo o quanto Sr. Robert, pai de John, era bom com a pesca e ganhava prêmios por suas façanhas. John também ostentava 3 troféus de futebol do colegial. Era o quarterback, posição mais privilegiada do esporte. O líder e cérebro do time. Também conhecido como rei da escola e objeto mais desejado pelas meninas. O encarei já julgando a escolha de posição e ele deu os ombros se fazendo de desentendido. Mesmo que John tenha frequentado o colegial bem antes de mim, certas coisas nunca mudam e ele sabia muito bem o que eu estava pensando.

Mudamos de assunto para coisas mais sentimentais e percebi os olhos dele marejando. Alguns objetos naquela estante empoeirada guardavam momentos de muito amor entre John e seu pai.

Por alguns instantes o invejei. Ter um pai amoroso e presente nunca fez parte da minha realidade. Samuel me tratava como lixo. Não lembro de ter recebido um abraço se quer dele, muito menos palavras de carinho ou incentivo. No máximo um tapinha nas costas nos aniversários. Quando criança eu tentava me convencer que um dia ele poderia mudar se eu fosse uma boa filha, mas à medida que fui crescendo parei de me iludir.

Depois de me reprimir mentalmente por ter inveja de John me prendi em outro pensamento: Como o garoto de ouro do papai e da escola acabou daquele jeito? A pergunta pairava em minha cabeça e me deixava inquieta. Como alguém que tinha tanto amor e atenção caiu no buraco das drogas e bebidas?