II -Dave

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Maria nunca gostou de comemorar o aniversário. Tia Madalena sempre tentava convencê-la a fazer no mínimo um bolo, mas a mulher nunca se sentia disposta a fazê-lo. Alguns dias antes da data, Bia Valarrica decidiu visitar a família Fellows. Fora muito bem aceita por Maria e por Rick, principalmente pelo mais novo, que havia adorado o cabelo pintado dela. Ela conversava muito animadamente com Maria sobre tudo o que ela queria, e Dave ficou extremamente contente de ver a mãe alegre com uma amiga par conversar, embora ele nunca achara que elas juntas dariam certo. Bia era agitada e rebelde. Maria era o exato oposto. Dave achava que as conversas banais sobre Érestha entediariam a menina, que geralmente gostava de falar sobre piercings, tatuagens e música; mas estava enganado. Mãe e amiga se deram muito bem. Ele adorava passar seu tempo com Bia. Adorava ouvi-la reclamando de tudo, assisti-la tentar ensinar jogos de cartas para Rick e gostava principalmente quando ela agarrava seu braço e falava que ele pertencia a ela.

Maria teve que trabalhar no dia de seu aniversário, e as crianças ficaram em casa preparando um almoço especial para ela. Bia insistiu que deveriam fazer uma paella pois era o único prato que ela executava com perfeição. Mandaram Rick comprar um bolo na padaria e ficaram sozinhos, cozinhando ao som das notícias na televisão. Eles não precisavam dizer muita coisa um para o outro. A marca entendia. Era diferente com Thaila pois Dave sempre tinha alguma dúvida. O máximo que Bia precisava falar era para ele lhe passar os ingredientes. Parando para pensar, Dave percebeu o quão pouco sabia sobre Bia Vallarica. Ela odiava seu primeiro nome, Dandara, perdera tudo em um incêndio e fora adotada pelo príncipe do fogo e do gelo. Isso era tudo. Sempre que confrontada sobre seu passado ou questionada sobre atitudes estranhas, ela apenas dizia para seus amigos que não sabiam nada sobre ela. Dave podia sentir que eram tempos que ela preferira esquecer. Guardados tão profundos num canto escuro de seu coração que Dave não podia alcançar nem com a ajuda da marca e nem com seu legado de empatia e retrocognição.

-Me passe o sal –ela pediu. Ao mesmo tempo, o repórter fez a chamada de uma matéria sobre corridas de cavalo. Dave não se mexeu, ainda pensando. Bia sorriu, sem tirar os olhos da panela, e disse, sabendo que Dave se perguntava sobre ela. –Eu gosto de cavalos. Muito. Agora me passe o sal.

Ele tocou seu braço. Não fez de propósito, mas flashes da história de vida de sua protetora piscaram para ele. Como em suas pinturas no jardim de seu príncipe, ela parecia ser muito chegada a um certo cavalo de pelo negro. Em dias de chuva, em dias de sol, e em seu pior dia, Bia esteve ao lado desse cavalo. O cenário dessas memórias variavam. Uma versão jovem de Bia, talvez com sete ou oito anos, montava o animal numa área cheia de barracas e fogueiras. Passava gritando, rindo e agitando as pessoas que dormiam ali. Em outra, ela corria por um bosque atirando flechas contra todas as árvores. Nem sempre acertava. Dave conseguia sentir o vento em seus cabelos e a tranquilidade da menina. Numa última, Bia estava em pé ao lado de um garotinho loiro, nas costas desse mesmo cavalo. Ele conversava com o animal e Bia colocava fogo num circuito que o cavalo percorria. Tudo isso acontecia debaixo de uma lona, com uma platéia animada aplaudindo.

Ele não se demorou nas lembranças dela para evitar que percebesse o que se passava. Quando voltou ao mundo real, percebeu que havia involuntariamente aproximado-se demais do rosto de Bia. A marca em seu braço esquerdo pulsava frenéticamente de ansiedade, e aquietou-se apenas quando os lábios se tocaram. Dave não saberia dizer por quanto tempo ficaram os dois beijando-se ao som dos mariscos crepitantes e a repórter da televisão. Separaram-se apenas ao ouvirem o som de uma caixa sendo posta sob a mesa da cozinha. Os dois viraram o rosto para descobrir Rick abrindo a caixa do bolo que comprara e colocando seus fones de ouvido no bolso da calça. Tinha um sorriso no rosto. Ao invés de ficar constrangido ou com raiva, Dave temeu pelo irmão. Bia atirou a colher de pau que usava contra Rick, o que serviu apenas para que ele risse mais.

Érestha -Castelo de Pedra [LIVRO 3]Onde histórias criam vida. Descubra agora