IV -Dave

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As cortinas eram balançadas pelo vento e batiam levemente no rosto de Dave. O sol entrava pela janela e aquecia seu nariz. Um par de pés descansava em sua barriga e acompanhava o rítmo de sua respiração. Era tão relaxante que ele voltou a dormir, sem nem mesmo se dar ao trabalho de saber onde e com quem estava. O que veio a seguir era real de mais para ser um sonho. Ele estava na clareira da escola para onde Alícia ia sempre que queria estar sozinha. Estava de noite, e fazia frio. Olhou em volta por um tempo, confuso e cansado. Pensou que talvez Thaila quisesse conversar. Ouviu um barulho vindo de trás de si e sentiu um perfume doce. O cheiro o hipnotizou. Deixou-o confuso e inundou sua mente de pensamentos, teorias e memórias. Era o doce cheiro do perfume de Isabelle DiPrata.

Primeiro ele quis virar-se, mas estava paralizado. Não conseguia dizer nada, não conseguia pensar direito. O porquê dela estar ali, a possibilidade de estar acompanhada, como ela estava, o que Tabata estava planejando... Tudo o deixou confuso de mais para tomar uma atitude. Ficou imóvel, de olhos fechados, esperando uma palavra ou uma facada. Mas ouviu-a fungar seu nariz com um tom choroso. Então teve forças para virar-se.

Isabelle parecia pronta para uma guerra muito estilosa. Botas pretas, calças jeans, corpete vermelho e preto e uma jaqueta de couro. Trazia uma espada e uma faca consigo também. Estava diferente, desenvolvida, cabelos menos brilhantes. Haviam arranhões sendo molhados por lágrimas em seu rosto. Ela deixou um soluço escapar e atirou-se contra ele, pondo seus braços ao redor de sua cintura e apertando o abraço como se fosse o último. Ele a ignorou. Tentou organizar sua mente em palavras que fizessem sentido, pensar em que perguntaria primeiro.

Não queria saber se ela estava bem, queria que estivesse tendo pesadelos. Ignorou quando ela começou a soluçar descontroladamente em seu ombro. Queria saber por que escolhera Alícia para ser a felizarda que compartilharia seu lugar de paz e não ele. Ignorou quando levou sua mão pálida até seu pescoço e fez cócegas com suas unhas pintadas de esmalte preto. Dave gostaria de entender o que se passava na mente dela, como conseguia viver sendo representante da rainha das trevas. Ignorou seus lábios frios subindo seu pescoço, alcançando sua boca, implorando perdão num sussurro insignificante. Queria entender o por que de ela estar ali, o por que de ter ido embora, o que fazia por lá, se Tabata a machucava, se Pedro a torturava, por que escolhera traír à coroa. Dave segurou seu ombro, afastou seus cachos negros dali e virou-a de costas num movimento brusco que arrancou uma expressão de susto da menina. Puxou a jaqueta dela o suficiente para ver o selo marcado na escápula. A árvore de Tâmara cortada por duas espadas se cruzando. Toda sua amizade, sua confiança; cortada pelas espadas da senhora da morte. E ela ainda afirmava ser inocente.

-Então é oficial –ele disse. Isabelle virou-se vagarosamente. Ele não ageuntou continuar a frase em voz alta. Sussurrou, como se fizesse tudo mais ficar mais leve, e seria mais fácil perdoar-se no futuro –Você é uma traidora.

-Não. Você não! Por favor, não diga isso –Mais lágrimas formaram-se nos olhos sem vida de Isabelle. Ela então gritou, desesperada e em prantos –Você prometeu!

-E você mentiu. Pessoas morreram por sua causa. Há uma marca de morte em suas costas! –Ela andou alguns passoas para trás, em prantos. -Por que me trouxe aqui? Por que não me mata e acaba logo com tudo isso?

-Eu jamais te machucaria, Dave; nunca. Não faz ideia do que eu passo todos os dias de minha vida, das coisas que ela me obriga a ver e a fazer... E Pedro.. argh, ele é nojento. O pior. A única coisa que me mantém sã é a memória e a esperança de, um dia, nós dois...

-Nós dois? –ela a interrompeu. –Não exite "nós dois". Por que todos insistem em acreditar que um dia houve ou havera "Dave Fellows e Isabelle DiPrata"? Diga o que quer comigo e mande-me para casa. Tenho coisas a fazer.

Ela chorou mais algumas lágrimas antes de continuar. Sua voz era extremamente trêmula por causa do choro. Dave quase teve pena dela. O medo desapareceu. Isabelle aproximou-se novamente e tomou o rosto do menino em suas mãos com o olhar ainda desesperado.

-Eu só queria te ver antes de... Não importa –ela inclinou a cabeça e encaixou seus lábios nos de Dave. O menino não era capaz de se mover. Estava ali e não estava ao mesmo tempo. Eram coisas de mais para se pensar. Os beijos tímidos e molhados de lágrimas de Isabelle o estavam deixando irritado, mas ele não era capaz de pará-la. Por fim, a representante do mal afastou-se e Dave pode encarar o azul tempestuoso de seus olhos mais uma vez. Ela acariciava seus polegares pelo rosto dele como se fosse algo extremamente precioso. -Tudo vai ficar mais complicado daqui para frente. Essa será a última oportunidade que terei de encontrar-me com você.

Ele podia ter feitos várias perguntas. Queria saber sobre o que ela falava, sobre o reino da morte, sobre Tabata... Mas sabia que ela não responderia. Permitiu-se, então, fazer uma pergunta egoista.

-Por que escolheu Alícia para dividir seu "lugar de paz" e não eu?

-Você é esperto –ela afastou-se um pouco. -Apesar de egoísta e mal agradecida, Alícia precisa de mim mais do que você. Além disso, chegar e saír desse lugar, desse pensamento, é muito cansativo e extressante. Como um pesadelo. Só desejo bons sohos a você.

-Por que? –ele gritou. Não conseguia entendê-la. Falava que desejava-lhe o bem e ainda assim estava aliada a sua maior inimiga. Talvez, se Tabata ganhasse a guerra, não precisaria mais de Isabelle. Sozinha, ela procuraria por Dave, estando ele vivo ou morto. –Se quer que eu fique bem, volte para a escola e garanta isso você mesma. Por que você teve que ir embora?

A menina cessou o choro e soltou o ar, cansada. Chacoalhou a cabeça e disse:

-Apenas lembre-se de que não sou uma traidora, por favor –e virou-se para andar de volta a floresta.

-Espere –Dave disse, desesperado quando a viu andando. Queria sair dali, mas, se aquela fosse mesmo a útlima vez que a veria, deveria ao menos despedir-se, sendo ela a representante do mal ou não. Porém, não conseguiu achar nunhuma palava para dizer-lhe.

Isabelle andou até o menino e abraçou-o. Mais uma vez, Dave não retribuiu, mas aquilo foi o suficiente. Fechou os olhos para tentar por seus pensamentos em ordem, e quando abriu-os, estava na cama de sua mãe, deitado. Bia estava atravessada, com as pernas em sua barriga. Sentou-se num pulo e mexeu as pernas de Bia, consequentemente acordando-a também. Respirando pesadamente, Dave passou a mão por seus cabelos suados e ficou agradecido por ter sua protetora próxima de si. A sensaçao de ter Isabelle ainda ali, o abraçando, o assombrava.

-O que foi que eu perdi? –Bia se espreguiçou.

-Muita coisa –Maria pareceu na porta com um cesto de roupas limpas. –O dia inteiro, para ser mais exata. Já são cinco horas da tarde. Sabe que dia é hoje, filho? Dezessete de Setembro. Foi quando combinei com Ruby que você iria para a casa dos gêmeos.

Ele demorou para processar as palavras da mãe. Era como se ainda estivesse na floresta fria, com grama sob seus pés e vento em seus cabelos. Como se a presença de Isabelle continuasse ali, observando-o, despedindo-se e desculpando-se por algo que ainda estava para acontecer. Era difícil respirar normalmente e seu corpo todo estava gelado.

-O que há de errado? –Maria colocou a cesta no chão e pôs a mão na testa do filho. Bia aproximou-se, preocupada. Ele não ia dizer a verdade.

-Foi um sonho ruim –levantou-se para lavar o rosto no banheiro.

-Não preciso ter uma marca no braço para saber que está mentindo –a mãe o repreendeu.

-Mas é verdade –ele mentiu. Falou baixo a próxima frase –Foi ruim.


:) <3

Érestha -Castelo de Pedra [LIVRO 3]Onde histórias criam vida. Descubra agora