X Missie

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Ela estava caindo. Tudo tinha dado errado. Caía e caía das nuvens cheirosas de Tamires em direção ao chão. E tudo acontecia em câmera lenta. Ela tinha feito alguma coisa errada, essa era a única explicação. Tamires a encarava com nojo. Os representantes dos outros filhos do rei balançavam a cabeça negativamente em sua direção conforme ela descia em queda livre em direção a morte certa. Até mesmo Dave e Bia estavam lá, olhando-a como se fosse uma aberração. Ela gritava e perguntava o que havia feito de errado. Por que todos a tratavam assim, de repente? Então as pessoas começaram a se retirar. A queda era em câmera lenta, mas as pessoas moviam-se normalmente. Olímpio jogou seus cabelos verdes para o lado e foi o primeiro a ignorar de vez os gritos de socorro e perdão de Missie. Depois, Bia segurou a mão de Dave e os dois saíram juntos, olhando para ela uma última vez com um olhar de reprovação. Sua família inteira deu as costas para ela e ignorou a morte eminente da menina. Os outros representantes se foram. E sua mãe também estava lá. Não Martina, a madrasta bondosa que se casara com seu pai, mas Manuelle, sua genitora, a guerreira que fora deixada sem ordens no batalhão especial da princesa. Ela e Tamires encaravam Missie com dó.

-Por favor –Missie suplicou. Estava cada vez mais perto do chão, e os rostos delas estavam sumindo.

Elas balançaram a cabeça negativamente e se viraram. Então a queda voltou a velocidade normal. Missie gritou de desespero. Havia pessoas esperando por seu corpo lá em baixo. Rostos anônimos encarando-a sem expressões. Eles apenas observavam-na. Assim que caísse, eles iriam embora. Ela não era importante. Havia feito alguma coisa de errado e não era mais digna da atenção de ninguém.

-O que eu fiz de errado? –Essas seriam suas últimas palavras.

Quando Missie preparou-se para espatifar-se no chão duro do centro da cidade de Tamires, uma mão prendeu-se ao redor de seu pulso. Puxou Missie para cima sem esforço, e ela viu-se encarando uma garota alta com um enorme laço azul que prendia seus cabelos castanhos. Ela ficou verdadeiramente confusa. Aquela era Cecil, estudavam na mesma escola, ela era dois anos mais velha e eram grandes amigas. O que Cecil fazia flutuando por ali? Missie não achou as palavras certas para agradece-la.

-Vai ficar tudo bem –Cecil abraçou-a. Estavam flutuando à poucos metros do chão. A multidão dispersou-se e o medo de Missie foi junto deles. Tudo pareceu ficar bem. –Missie? -A voz não era mais de Cecil. Ela conhecia muito bem aquele tom sonolento, e simplesmente não se encaixava com as feições alegres e delicadas da menina à sua frente. –Missie, acorde!

Ela abriu os olhos. Estava suada, respirando com dificuldade e algumas lágrimas escorreram por suas bochechas. Bia estava ao seu lado, de costas para o abajur aceso, então era difícil ver seu rosto, mas parecia assustada.

-Você precisa fazer alguma coisa em relação a esses pesadelos –Bia disse, voltando a acomodar-se na cama queen size de Missie.

Ela demorou para acostumar-se com a maciez da cama. A sensação de queda e o punho quente de Cecil eram muito reais. Ela massageou seu pulso.

-Você estragou o final –ela murmorou, virando-se de costas para a menina.

-De nada.

Bia apagou o abajur e a escuridão voltou a reinar no quarto. As duas ficaram em silêncio por poucos minutos e não conseguiram voltar a dormir. Bia era a única pessoa que sabia dos pesadelos constantes que ela tinha. Sempre caia de algum lugar alto, e sempre tinha a sensação de que havia decepcionado alguém. Suspirou. A representante do fogo virou-se na cama para encara-la.

-Com quem você estava sonhando?

-Com ninguém.

Missie levantou-se. Sua cama ficava numa parte elevada do quarto. À sua frente havia uma escrivaninha e uma estante cheias de materias escolares e papéis do trabalho. Na parte mais baixa tinha uma porta de correr –seu armário- e uma coleção de puffs macios virados para uma televisão na parede da direita. Abaixo da TV ela tinha um aquário com peixinhos fáceis de cuidar. Ela não era muito boa com animais de estimação. Andou até as cortinas que cobriam toda a janela que, por sua vez, ocupava toda a parede oposta à porta de entrada. Ela espiou por entre elas. O sol da mnhã já iluminava o jardim de sua casa. Martina e Izzie estavam sentadas na grama, lendo alguma coisa, aproveitando os primeiros momentos do outono. Bia se atrapalhou para escapar das cobertas que antes dividiam. Estava vestida com um moletom grande de mais e a meia-calça do dia anterior. A mania dela decidir dormir com Missie de uma hora para outra e não ter um pijama era um pouco irritante. Ela estava com aquela meia-calça ha quase vinte e quatro horas. Como isso não a incomodava?

Érestha -Castelo de Pedra [LIVRO 3]Onde histórias criam vida. Descubra agora