XVI Alícia

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Torcia, com todas as suas forças, para que Lorena não precisasse daquela lata de tinta. Não naquela tarde. Ela escolheu lugares aleatóris nos troncos das árvores e desenhou círculos dentro de círculos como na árvore alvo. Amarrou o cinto em volta de sua cintura e respirou fundo. Contou vinte passos andando para trás e segurou a primeira faca. Arremessou-a contra o alvo mais próximo e acertou o segundo círculo. A segunda faca foi jogada em um alvo mais alto e acertou o círculo exterior. Na terceira tentativa, ela calculou mal e o cabo acertou o tronco. Errou também a quarta, que caiu numa pilha de folhas, e a quinta, que perdeu-se na copa de uma árvore. A sexta viajou com tanta fúria de sua mão até o pinheiro que a lâmina foi completamente enterrada a três centímetros do círculo maior. Ela bateu o pé no chão, com raiva.

-Tente à dez passos de distância então. Depois continua se afastando.

Ela atraiu as facas de volta para si, uma por uma, e guardou-as no cinto. Bufou frustada, mas só podia culpar a si mesma. Não estava tentando acertar o alvo. Estava querendo impressionar Matheus. Os dois haviam passado a manhã toda pintando os círculos e atirando pedras contra eles, até Alícia decidir que queria tentar com suas facas. Todos sempre impressionavam-se com a boa mira de Alícia e sua facilidade em arremessar objetos. Nas aulas de Lorena, eles estavam aprendendo sobre vários tipos de armas e testando seu uso em combates. Ela se dava bem com os machados, mas preferia suas facas. Eram mais leves e mais discretas. Riley e Dave estavam muito incomodados de não poder usar espadas, e Lorena batia neles com uma clava sempre que ouvia-os reclamar. Matheus mostrava-se sempre interessado de mais pelas habilidades de Alícia. Eles andavam juntos na troca de aulas e ele insistia em conversar. Normalmene, Alícia estaria contente em receber atenção. Mas tinha muito no que pensar e com o que se preocupar desde as cartas.

Depois de ter certeza de que não eram uma brincadeira idiota de algum dos amigos da favela, nem do irmão e nem de Dave, Alícia deduziu que estavam sendo enviadas por Matheus. Ela mostrara o conteúdo de algumas apenas para Lilian, até as palavras tornarem-se pesadas e sinistras de mais. Então ela começou a queima-las. Antes, ela mal conseguia dormir pensando nas belas palavras e poemas das cartas que chegavam todo o domingo. Imaginava-se vivendo aquelas palavras doces ao lado do quem acreditava ser o autor. Depois ela ficou um pouco confusa e por fim, assustada. Rasgou, queimou e livrou-se das cinzas de cada um dos papéis. Quando chegou na escola ela teve medo de aproximar-se de Matheus e de que Lilian fizesse mais perguntas. Mas ela logo concluiu que não eram dele e Lilian desistiu de lhe interrogar. Isso era desesperador. Ela só teve certeza de que sabia quem era o remetente na festa de Halloween.

Ela estava tentando ignorar as cartas, mas lia-as sempre. Queimava-as imediatamente e tentava tirar a mente daquilo. Passar um dia atirando facas em uma árvore junto de Matheus parecia um bom jeito de relaxar. Contudo, ela esquecia-se de que estava tentando acertar os alvos e não deixar o menino de queixo caído. Candace, sua professora e amiga polarista, já havia avisado-a que era difícil controlar esse legado. "Exige concentrção total" ela sempre dizia. Não foque em fazer certo, foque em atirar as facas nos alvos. É tudo o que precisa pensar, nada mais. Concentre-se. Ela andou cinco passos para frente e respirou fundo. A três primeiras foram arremessos perfeitos, dentro do círculo menor dos alvos mais próximos dela. A quarta fincou-se no segundo círculo do alvo vermelho mais alto e a quinta parou bem ao lado dessa. A última passou de raspão no nariz de Bia Vallarrica. A menina não surpreendeu-se; nem se quer piscou. Estava olhando para Alícia e caminhando em sua direção. Matheus afastou-se, surpreso.

-Uou, olá –ele disse. –O que faz aqui?

-Como conhece esse lugar? –Alícia perguntou. –Como todos, de repente, conhecem minha clareira?

Érestha -Castelo de Pedra [LIVRO 3]Onde histórias criam vida. Descubra agora