Revelação (Misaki)

1.3K 73 2
                                    


O clima estava tenso. Muito tenso. Tenso demais. Tenso de todas as formas possíveis. Tão tenso que todas as pessoas que estavam ali sentadas pareciam que estavam prestes a revelar seus piores pecados. Estava tão tenso que era como se eu não reconhecesse e conhecesse cada uma daquelas pessoas, como se cada um de nós pudesse enxergar a mais profunda escuridão que habita na alma de cada ser ali presente.

O clima estava pesado.

Dona Glória estava sentada com a coluna curvada e seus braços apoiados nos joelhos. Ela esfregava as mãos rapidamente pelo o resto vermelho por conta do choro pesado, tentando acalmar e esfriar a cabeça. Amélia e Margot espreitavam-se por alguma brecha tentando escutar a conversa, elas também sabiam de tudo. Souberam de tudo, antes dos outros. Daniela e Kit Kat choravam e soluçavam fortemente. Kat em meus braços e Daniela nos braços de Mary. Meus pais tentavam acalmar as senhoras atônitas na sala e as mães desesperadas por perdão.

-Como ela pôde fazer isso? Ela não me contou nada...Durante anos. –Sussurrava Kit entre soluços.

-Shiiii. Calma. Foi um erro, mas ela estava tentando protege-la. –Afagava seus cabelos.

-Daniela é minha irmã e ela é filha da minha mãe e meu pai não é meu pai de verdade. É muita informação para um dia só.

-Eu sei. Eu sei. Vem, é melhor você ir para o quarto descansar um pouco. Tudo bem?

Ela assentiu vagorosamente com a cabeça. Chamei Mary e levamos as meninas para o quarto de hóspedes. As duas queriam ficar em quartos separados, então respeitamos a vontade delas com a esperança de que conversariam melhor amanhã.

Acontece que, Dona Cece. -mãe de Célia - e Dona Betânia, mãe de Dona Glória, são irmãs. Somente Dona Betânia foi para o Brasil, pois Cece ainda era muito nova e estudava. A família delas era muito tradicional e recatada. Era uma vergonha uma mulher ficar grávida sem ter marido, e foi isso que aconteceu com Dona Cece. Ela engravidou com apenas quinze anos, isso foi motivo para que seus pais a expulsassem de casa. O namorado não assumiu o filho. Ela estava sem casa, sem marido e comida. Sua única opção foi ir ao Brasil, com a esperança de que a irmã iria acolhê-la. Entrou em um barco clandestino e demorou 6 meses para chegar ao seu destino. Com muita sorte, ela não perdeu o Bebê e encontrou Dona Betânia, que como já era o esperado, ajudo-a e acolheu-a. Depois de três meses o bebê nasceu, Dona Cece conseguiu um emprego e passou a viver no Brasil. Aprendeu a cultura Baiana, conheceu povos de diferentes nações, e um deles era o cigano. E foi lá que descobriu uma tia por parte de mãe. Ela lhe contou que na verdade, ela não era europeia, mas sim, indiana. Sua mãe a teve na índia durante uma viajem para conhecer o governador daquela época, afinal, os pais dela eram pessoas muito conhecidas e ricas. Mas a mãe dela não poderia dizer que a filha não tinha o privilégio de ser europeia, até porque a Índia, naquela época, ainda era muito subdesenvolvida.

A filha de Dona Cece se chamava Celia. Ela passou a maior parte da vida morando no Brasil, que foi onde arranjou seu primeiro marido, Ronaldo, e teve Kit kat. Porém, esse era um casamento somente por comodismo. Dona Cece e Célia não tinham quase nada para comer, pois o dinheiro que Betânia ganhava era somente o suficiente para alimentar uma pessoa, por isso Célia teve de casar-se com um homem rico para sustenta-las, mas ele a maltratava e não a amava, assim como ela não o amava. Logo quando Kit nasceu, eles decidiram ir para Portugal, juntamente com Dona Cece. Eles moraram escondidos na casa dos avós dela, dividindo uma única cama durante meses. E foi lá em Portugal onde Célia se apaixonou por Seu Arthur. Eles mantinham um relacionamento escondido, e em apenas quatro meses ela estava grávida dele. Decidiu, então, dar um fim no seu casamento, mas Ronaldo, seu marido, não iria deixar as coisas assim. Passaram-se 5 meses e logo quando Daniela nasceu, ele a roubou e a jogou em uma estrada qualquer, que por sorte, um grupo de freiras a acharam e a levaram para um orfanato. Dona Célia conseguiu localizar Daniela depois de alguns meses, mas decidiu não a pegar de volta, pois tinha medo de seu ex marido toma-la de volta. Assim, durante três anos, ela ia visitar a menina, mas depois parou quando teve a ideia de pedir para a segunda filha de Betânia, Matilde, adota-la, pois assim, ela ficaria mais perto da filha. E assim ocorreu. Mas Célia não visitou a filha após a adoção, pois tinha medo de Daniela a reconhecer, mas ao menos sabia que ela estava em boas mãos e sempre tinha notícias. Depois de um tempo eles arranjaram um emprego e conseguiram ter uma estabilidade financeira. Compraram a própria casa, o próprio carro e matricularam a filha em uma escola decente. Durante anos esse segredo de família ficou guardado, e o quarto da passagem secreta era o menos quarto em que dormiam Dona Cece, Dona Célia, seu ex marido e Kit kat. É uma grande e confusa história, mas é bem comovente.

O destino ao nosso lado(Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora