30

7.5K 802 32
                                    

Luan


50% de alguma coisa é melhor do que 100% de nada.
(Velozes e furiosos - Desafio em Tókio)


Eu perdera completamente o juízo. Desde o primeiro momento em que coloquei os olhos em Eva, não consegui mais deixar de pensar nela. Era como se ela estivesse destinada a aparecer para me tirar da minha zona de conforto.

Não imaginei que ela aceitaria meu convite de passar a noite em meu apartamento. Agora que ela estava aqui, eu não sabia o que fazer.

— O que fazemos agora? — ela perguntou tímida.

— Não faço a mínima ideia — confessei.

— Acredito que aceitarei agora algo para beber — disse mexendo nervosamente as mãos.

— Eu preciso muito mais do que algo para beber.

Eu precisava urgentemente de um banho gelado.

— Não fiz compras, podemos pedir uma pizza, o que acha? — perguntei sem saber o falar depois da nossa cena minutos atrás.

— Adoro pizza.

— Ótimo! Tem o número de uma pizzaria na geladeira. Por que não pede enquanto tomo um banho para tirar essa cara de ressaca?

— Tudo bem, que sabor?

— Deixo você escolher. Eu não demoro.

Demorei mais do que o necessário no banheiro. Eu precisava estar totalmente controlado quando voltasse para a sala. Coloquei uma calça moletom cinza, camiseta branca e voltei para a sala.

— Você demorou, quase comecei a comer sozinha — Eva falou quando sentei no sofá ao lado dela.

— Desculpe, perdi a noção do tempo. Que sabor você pediu?

— Pedi dois sabores, na verdade, mussarela e marguerita.

— Está ótimo. Veio refrigerante?

— Pedi coca. Sou viciada.

— Eu também. É um dos meus vícios que não consigo largar.

Ela sorriu, parecia mais tímida do que antes. Eu precisava fazer algo para quebrar o clima tenso entre nós dois.

— Vou pegar os copos e os pratos — falei me levantando e indo para a cozinha.

Quando voltei, cortei e servi primeiro para ela, e depois me servi.

— Adorei conhecer sua mãe — disse quebrando o silêncio.

— Tenho certeza que ela também gostou de você.

Houve mais um minuto de silêncio até ela voltar a falar.

— Sei que pode parecer intromissão de minha parte, mas o que aconteceu com sua mãe?

Tomei um gole do refrigerante antes de começar a contar nossa história.

— Minha mãe perdeu a visão há alguns anos.

— Acidente?

— Não. Meu pai fez isso.

Eva parou o gafo a caminho da boca.

— Te assustei? — perguntei com medo.

— Não. Quer dizer... Um pouco. Como aconteceu?

— Meu pai bebia muito e sempre que chegava em casa, descontava em quem estivesse na sua frente. Na maioria das vezes, era sempre minha mãe.

Lembrar de como tudo aconteceu ainda me doía. Aquela noite havia sido meu pior pesadelo e eu precisava esquecer para poder seguir.

— Sinto muito.

Eva tocou a minha mão, me passando o seu carinho e compreensão.

— Já está no passado — menti.

— E sua irmã, onde está?

— Emília cansou das surras e resolveu nos deixar.

Embora anos tenham passado, falar de como Emília nos deixou ainda machucava. Eu queria ter feito algo para ajudá-la, mas na época não pude.

— Emília cometeu suicídio.

Eva deixou o talher cair, derrubando pizza no sofá.

— Me desculpe... Vou limpar.

— Não é necessário.

Peguei um guardanapo e limpei algumas manchas de molho que caíram em sua roupa.

— Ela tinha apenas doze anos, não tinha muitos amigos e ninguém a quem pedir ajuda. Emília era uma garota cheia de vida, mas a violência do nosso pai acabou fazendo com que seu brilho fosse embora. Fui eu quem a encontrou com uma corda presa ao seu pescoço. Nunca esquecerei essa cena.

— Eu nem consigo imaginar o tamanho da dor de vocês.

— Minha mãe nunca superou e meu pai começou a beber ainda mais. Quando minha irmã se foi, restou apenas eu e minha mãe para sofrer com suas agressões.

— E vocês nunca pensaram em procurar ajuda?

— Para quem? Minha mãe fugiu de casa para se casar com meu pai. Sua família jamais a aceitaria de volta. Quando minha mãe perdeu a visão, ele começou a me usar como saco de pancada. Tenho cicatrizes espalhadas por todo o meu corpo.

Eva olhou, procurando as marcas.

— Você não conseguirá ver. As tatuagens cobrem tudo.

— Então, onde tem tatuagem, tem cicatrizes escondidas?

Agora ela parara completamente de respirar, seu olhar vagando por cada parta do meu corpo.

— Sim. Queimaduras de cigarros, marcas de surras de cinto.

— Meu Deus! Como alguém consegue fazer isso com um filho? — ela parecia horrorizada.

— Alguém como meu pai. Ele morreu por conta da bebida. Foi quando nos vimos livres, mas já era tarde demais, nossa família já estava destruída.

— Luan... — ela começou a falar com seus olhos transmitindo uma tristeza que não dava para descrever.

— Está tudo bem. De tudo o que perdi, uma das coisas que mais sinto falta é minha audição e eu faria qualquer coisa para tê-la de volta.

— Espera um pouco... Está dizendo que você é surdo?

Acenei a cabeça concordando.

— Não, impossível. Você age normal. Nem usa aparelho, como consegue se comunicar? — Eva estava surpresa.

— Faço leitura labial.

— Impossível. Você frequenta boates, escuta, conversa...

— É tudo uma questão de treinamento. Não consigo ouvir as notas, mas sinto as batidas.

— Deve ser tão triste viver com o silêncio. Não consigo me imaginar sem ouvir o barulho... Quer dizer, me desculpe se estou lhe ofendendo.

— Não está. Você é a primeira pessoa a quem conto isso.

— Não sei o que dizer quanto a isso. Estou sem palavras.

— Você não precisa falar nada. Já aconteceu, não podemos fazer mais nada.

— Como pode ter a certeza? Há cirurgia, implante de um aparelho.

— Tudo isso requer dinheiro, e no momento, tudo que tenho é para minha mãe.

Eva me olhou por um longo tempo até eu ser surpreendido por um beijo. Demorei a me recuperar da surpresa, antes de segurar seu rosto e corresponder o seu beijo.

— Por que meu beijou? — perguntei quando nos separamos.

— Eu não sei. Apenas quis de alguma forma mostrar que eu me importo com você.

— Você me surpreende a cada instante — falei voltando a lhe beijar.

Seu amor, meu destinoOnde histórias criam vida. Descubra agora