Capítulo 3

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Bernardo Campos

O trabalho tinha sido complicado naquele dia. Fiz tantas contas, que até estava com dor de cabeça. Estávamos montando um projeto de construção de um prédio comercial no centro de São Paulo. Isso exigia tanto de mim e de outros engenheiros, arquitetos, pedreiros, que parecia que estávamos na mesma obra há meses e olha que estávamos apenas nos alicerces.

Dirigia pela marginal Pinheiros, a fim de chegar logo em casa enquanto curtia uma música que bombava os auto-falantes do meu baby.

O trânsito estava carregado e por esse motivo foi fácil ver de longe um carro parado, com uma sinalização a 30 metros de distância. Uma garota estava debruçada no teto com uma porta aberta enquanto mexia no celular furiosa.

Percebi de prontidão que seu pneu estava furado e estacionei na frente, desligando e saindo do baby. Eu poderia ajudar sem problemas uma gata daquelas a trocar pneu sem problema algum.

— Oi, bonita! — me aproximei, fazendo a menina se assustar. — Que passa?

— Nossa Senhora, assim você me mata — ela olhou-me de cima embaixo. — Não, espera...

— Olívia? — Eu perguntei quando uma luz acendeu em seu rosto.

— Piolho? — Ela arregalou os olhos. — Quer dizer, Bernardo?

— O que aconteceu para a Alice estar perdida na terra do nunca? — provoquei, encostando na lataria do carro.

— Se você não sabe, Alice é de Wonderland e não Neverland — revirou os olhos, citando os contos de fadas. — E meu pneu estourou, estou esperando o guincho.

Merda, eu não sabia nem flertar mais.

— Eu posso ajudar se quiser, bonita — ela apenas sorriu e balançou a cabeça em negativa.

— Eu agradeço sua gentileza, Piolho, mas não será preciso — ela bloqueou a tela do celular, jogando os cabelos loiros para trás. — O guincho... — ela olhou para o celular e fez uma careta chorosa. — Não vem?

— Opa, então eu vou indo — dei as costas, caminhando para o meu carro. — Passar bem!

— Bernardo! — ela me chamou com a voz mais alta, parecia desesperada.

Virei, andando de costas. Olívia mordia a ponta do dedo, nervosa. Pelo que bem me lembro, ela nunca foi o tipo de garota a desistir de alguma coisa, ou a pedir ajuda — somente quando necessário —, porque não tínhamos tanta intimidade para isso.

— Ok, eu preciso de ajuda — confessou ainda indecisa se era uma boa escolha.

Eu não iria negar, alguma coisa estava me incomodando em relação à ela. Arregacei as mangas, desfazendo o nó da gravata e abrindo alguns botões da camisa. Fiz um coque em meu cabelo grande, para evitar que me atrapalhasse.

— Tem o macaco? — perguntei ligando a lanterna do meu celular.

— Não — ela franziu a testa.

— Busque no porta-malas do meu carro o macaco e algumas ferramentas para que eu troque o pneu — apertei no alarme para destravar.

Ela andou apressada em busca das ferramentas e com dificuldade trouxe todas para mim. Aproveitou para abrir seu próprio porta malas e pegar o step que ficava por baixo de um carpete preto. Colocou ao meu lado e sentou-se, observando.

— Você tem que aprender, imagina se eu não apareço para ajudar? — coloquei o macaco na lateral do carro e comecei a suspende-lo. — Primeiro você faz isso...

— Você está me ensinando agora? — ela levantou uma das sobrancelhas.

— Sim, quer tentar? — indiquei a roda e ela assentiu.

A menina mesmo hesitante fez e continuou a subir o macaco, até uma altura em que conseguiria tirar o pneu. Mostrei para ela como fazia para desrosquear e utilizando muita força, ela fez. Tirou as 4 porcas, e colocou-as no chão. Pegou o step ao seu lado, colocando no lugar do antigo pneu. Parafusou usando força novamente e por fim desceu o macaco.

— Você é demais, Piolho — ela agradeceu, pegando o pneu estourado, colocando no porta-malas. — Vou precisar de ajuda do meu pai para comprar um novo, não entendo muito de carro, só o básico para conseguir tirar ele do lugar — riu um pouco sem graça.

— Bom, para a próxima você já sabe — eu dei de ombros.

— Você vai? — ela andou até o triângulo, colocando também junto com o pneu no porta-malas, batendo logo em seguida.

E eu já sabia do que se tratava.

Não precisava ela dizer o assunto por completo, mas sabia que se tratava do casamento. O pior era todos os meus planos, e eu simplesmente... não podia dizer.

Elas eram irmãs!

Eu demorei responder, mas cocei os cabelos, desmanchando o coque que tinha feito minutos atrás.

— Depois de tudo o que aconteceu, estranho seria se eu aparecesse por lá — respondi rindo sem graça.

— Bom, obrigada, Bê — ela sorriu, colocando o cabelo loiro atrás de uma das orelhas. — Você ajudou muito. Inclusive, adorei seu novo estilo, está lindo.

Ela entrou no carro e antes de voltar a pista local da marginal pinheiros, deu uma leve buzinada. Acenei e caminhei para o meu carro, voltando as minhas músicas, ao meu conforto e a pensar em como seria minha possível vingança se eu fizesse uma com Karina.

Entrei na página do buffet, que era o mesmo que havia contratado alguns anos antes. Aquelas fotos atuais de casais felizes pareciam fotos para comerciais felizes — mas muitas vezes sabemos que esses casais não são assim, ou até mesmo que a vida de casado não deveria ser fácil: pensa você ter que ver a mesma pessoa todos os dias, dividir um espaço, a vida, não poder ter seus momentos de sossego e ainda transar com a mesma pessoa pelo resto da vida?

Acho que eu precisava de uma bebida.

Tomei um banho rápido e pedi comida mineira em um restaurante maravilhoso perto de casa, já que Cida estava de folga. Não demoraram a entregar e muito menos eu para devorar.

Uma mensagem chegou em meu celular, e fiquei surpreso com a eficiência do buffet em responder uma mensagem que eu havia mandado sem compromisso algum. Pude ver mais para cima meu primeiro contato com eles alguns anos antes, buscando informações para a minha festa de casamento que nunca aconteceu.

"Olá, Sr. Bernardo Campos. Estamos disponíveis para visitação de domingo à domingo, a partir das 11h até às 13h. Devido a demanda de final de ano, estamos muito ocupados, mas será um prazer recebê-lo. O senhor gostaria de marcar uma visita?"

Eu só queria ver como as coisas estavam, então acho que não tinha nada demais, né?

"Bom! Sim, claro. Consigo fazer amanhã mesmo?" respondi.

"Amanhã tenhos uma cliente, mas se o senhor quiser, podemos apresentar o nosso trabalho para os dois."

"Perfeito!"

Larguei o celular, e peguei o controle da televisão. Liguei na globe, pronto para assistir a novela das 21h. Qual é? Sou noveleiro e fofoqueiro.

Azar de quem teve a oportunidade e perdeu.

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Como Cancelar um Casamento [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora