Em Boston o dia estava claro, sem nuvens, o sol brilhava tímido e não havia neve, mas o frio ainda predominava. A um dia do Natal a cidade parecia um grande formigueiro e ainda que, sem a mínima vontade, tive que colocar os pés para fora de casa, enfrentar os shoppings e supermercados. Minha vó parecia incrivelmente empolgada pelo nosso Natal em família, por isso eu tive que disfarçar uma empolgação. Como poderia estar animada para qualquer coisa se o homem que amo estava numa cela a quilômetros de distância e eu não o veria tão cedo? E o pior, passaria o Natal numa cela. Não seria muito diferente de mim, o fato de estar livre não me livrava da minha prisão interior.
Especialmente nesse dia, a manhã resolveu ter 50 horas, não é possível, preciso saber de Phill e a hora não passa. Não que a companhia da minha vó e de suas gentis amigas não seja agradável, mas é que meu coração está longe, em Bentonville, atrás das grades, literalmente. Minha mente não consegue se distanciar dele nem um momento. Eu sorrio e finjo que estou prestando atenção na conversa, mas meu espírito está longe, e para piorar, as horas resolveram estagnar.
Depois de muitos biscoitos e cafés, enfim o horário de ligar pra Doty chegou, meu coração palpitava e aquela agonia continuava. Atende esse bendito celular criatura!
-O oi, a amiga.
-Oi Doty, você quer me matar do coração? Então como foi hoje? Você o viu? Ele está bem? Desculpa, amiga, nem falei com você direito, você está bem?
-Ca calma, está ta tu tudo ótimo.
-Qual o seu problema? Você está gaguejando, e você não faz isso a menos que esteja mentindo ou assustada. Aconteceu alguma coisa? Pelo amor de deus Doty...
Doty respirou fundo do outro lado da linha, de certeza que tem algo errado.
-Não, está tudo bem, foi tudo ótimo, tudo normal, tranquilo.
- E ele como está? O que ele disse?
-Err, ele disse que está com saudades e que está ansioso pra te ver.
-Só isso?
-Errr, só isso.
-Bom, eu esperava mais, mas já que foi só isso, você tem certeza que está tudo bem?
-É que eu não fiquei muito tempo com ele hoje, cheguei um pouco atrasada e...
-Tudo bem Doty, obrigada pelo esforço, eu sei que você fez o que pôde.
Não conversamos muito nessa noite, Doty me pareceu muito estranha, não engoli aquele nervosismo dela, o que será que houve? Vou ligar de novo e exigir que me fale a verdade, eu a conheço bem demais pra saber que algo não está certo. Filha da mãe, desligou o celular, agora sim sei que tem algo errado. Ligo logo pela manhã, ela não vai escapar de mim.
O Natal enfim chegou. Da janela, eu podia ver as pessoas se abraçando nas ruas, trocando entre si pequenas lembranças, mesma coisa que acontecia em Rogers e me bateu uma saudade imensa da minha cidade. Por essa hora, as ruas e casas estariam repletas de luzes, e as famílias estariam ceando juntas com seus suéteres de Natal. Como será que está Phillip a essa hora? Chorei por horas e não preciso dizer que a noite foi triste e melancólica como sempre foi pra mim, mais uma noite de Natal normal. Pelo menos não tive que aturar a alta sociedade de Rogers a noite toda com Willys grudado no meu pé, e as integrantes da Comissão da moral e dos bons costumes elogiando a decoração da casa e ainda que sejam da alta sociedade, sempre saem com as bolsas cheias de doces, sempre a mesma coisa. Meus pais estavam na França, depois da "vergonha" que eu os fiz passar, resolveram passar o período de festas longe de Rogers, minha mãe não teve coragem de encarar as pessoas. Por mim poderiam se mudar pra qualquer lugar do mundo contanto que me deixassem em paz.
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Mar de tubarões
Romance"Ela não sabia nadar, mas saiu da água domando as feras do mar." Annie Snows é uma jovem de dezenove anos moradora de Rogers, uma pequena cidade pacata do Arkansas, EUA. Seus pais são um dos casais mais influentes e ricos do local, mas nada parece...