Capítulo quatro
Na privacidade de seu quarto, todo revestido com um papel de parede azul escuro, Rhea escrevia alguns lembretes antes de voltar ao tempo. Algumas coisas que ela havia feito errado na primeira vez e que, em hipótese alguma, poderia repetir.
Algumas anotações eram tão dolorosas que ela mal conseguia conter as lágrimas ao se lembrar de tudo aquilo! — Não posso errar de novo! — exclamou Rhea em voz alta.
Com os pensamentos tumultuados, ela foi até a janela para observar o céu e as estrelas. Por um lado, sentia medo; por outro, a possibilidade de consertar tudo lhe trazia alegria.
Mike, seu irmão mais velho, não concordava com o que Rhea estava prestes a fazer e tentou insistentemente fazer com que sua irmã o escutasse, em vão:
— Sabe, desde que você me contou que podia voltar ao tempo, eu sempre senti um pouco de inveja — confessou Mike, aproximando-se de Rhea.
— Mike... sério... Não vou desistir, se veio aqui para me impedir... Está perdendo seu tempo.
— Não, Rhea! Infelizmente, eu não posso te impedir de fazer nada. Apesar de ser seu irmão mais velho, não posso escolher por você — respondeu ele. — Eu só vim aqui para pedir que tome cuidado.
— Estou com medo, Mike. Apesar de tudo, estou com medo — confessou Rhea, olhando em direção à janela. — Mas preciso tentar.
— Eu sei, Rhea — respondeu ele. — Vem cá, me dá um abraço.
— Você me entende, não é?
— Bem mais do que gostaria, minha irmã.
Rhea se aproximou de seu irmão para um abraço antes de se aventurar nas lembranças de seu próprio passado. Mike tentava ao máximo não se emocionar, pois desde que seus pais morreram, ele jurou que sempre cuidaria de sua irmã mais nova e a protegeria de tudo e qualquer coisa:
— Qual é a razão pela qual você disse ter inveja?
— Quem é que não gostaria de poder consertar os erros que cometeu? — questionou Mike.
— Você sabe que a culpa não é sua, pelo papai e pela mamãe terem morrido, não é?
— Eles não teriam sofrido aquele acidente se eu não tivesse pedido para que me buscassem no aeroporto.
— Mike, não tinha como você saber... A culpa não é sua!
— Eu tento tirar isso da minha cabeça, mas não consigo.
— Eu não consigo salva-los, eu já tentei...
— Eu nunca te culpei por isso, também. Você não estava lá, não tem como viajar pelas lembranças. — Disse Mike, secando as lagrimas.— Preciso ir, irmão.
— Se cuida, não quero mais perder ninguém...
— Não vai me perder. Eu prometo.Envolvida nos braços de seu irmão, Rhea se concentrou em uma data: 26 de setembro de 2008. Logo sua visão ficou turva, o formigamento por todo o corpo começou e o som estrondoso explodiu em seus ouvidos.
Ao abrir os olhos, Rhea estava em seu antigo apartamento em Washington, de frente para um espelho em seu quarto. Deu um longo suspiro e foi até a cozinha tomar um copo d'água para se recuperar da viagem no tempo.
Era uma sexta-feira à noite, às sete horas, para ser exato. E estava quase na hora de seu encontro, o que a deixava um pouco mais contente.
Do outro lado da cidade, em um apartamento alugado por uma irmandade de garotas, Melanie terminava de se arrumar.
A noite em Washington estava fria e um tanto chuvosa, mas isso não abalava Melanie, que sempre gostou de chuva e não se importava em se molhar um pouco:
— Como é essa garota? — perguntou Andrea, uma amiga de Melanie.
— Ela é daquele tipo, sabe? Ela é descolada, tem uma moto, é bronzeada, tem olhos claros...
— Hmm... Daquele tipo 'garota rebelde'?
— É... exatamente esse! — riu Melanie.
— Engraçado, as outras garotas com quem você saiu eram bem diferentes. Até me lembro de uma que não saía de casa se o cabelo dela não estivesse perfeitamente arrumado.
— É... Aquela garota me deixou paranoica por um mês.
— E ainda ficava toda hora arrumando o armário da cozinha daqui de casa! — exclamou Andrea, rindo. — Sério, quem faz isso?
— Bom... o importante é que a Rhea não é assim (suspiro). Ela é espontânea, engraçada, rebelde, é linda... Enfim.
— Ah... Com licença, Melanie — disse uma garota loira, abrindo a porta do quarto. — Tem uma garota te esperando lá embaixo.
— Valeu! — respondeu Melanie. — Já estou descendo.
— Ok! — disse a garota, fechando a porta. Melanie olhou empolgada para Andrea, e as duas sorriram ao mesmo tempo.
— Se der certo, nós podemos sair em casal... vocês duas e eu e meu namorado.
— Desde quando você tem namorado, Andrea?
— Ah... É só um lance... Mas vamos chamar de 'namorado'. — respondeu Andrea, rindo.
— Tá, né.
Rhea se concentrava em suas anotações; lembrou-se de que naquele dia, ela havia levado Melanie a um restaurante japonês e acabou descobrindo que Melanie era alérgica a frutos do mar. Então, era óbvio que aquilo não poderia acontecer de novo.
Melanie apareceu no portão enquanto Rhea se distraía com seus próprios pensamentos:
— D'onson? — disse Melanie, aproximando-se.
— Melanie... Oi... Desculpe, estava distraída, não percebi você chegando.
— Eu percebi... Então... onde vamos?
— Quero te levar a um restaurante que eu gosto muito.
— Ok... Vamos lá, então, senhorita.
— Gosta de andar de moto, Melanie Crosby? — perguntou Rhea, acompanhando Melanie até sua Harley.
— Admito que nunca andei em uma.
— Confie em mim, é uma sensação muito gostosa.
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A Filha Do Tempo - A queda de Gazu
General Fiction1° lugar no ranking - 01/03/2021 1° lugar no ranking - 16/10/2020 1° lugar no ranking - 12/03/2019 (LGBT+) Rhea D'onson é uma jovem com poderes inimagináveis de voltar no tempo. A garota ao longo dos anos usa seus dons de forma imprudente, tentando...