4 meses - O Gosto da Vitória

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Eu estava começando a desconfiar que passei a morar sozinho nesse último mês. Se não fosse pela minha vida noturna 100% ativa – vulgo, não consigo dormir a noite - eu não saberia se Julia voltava pra casa ou não. Algumas vezes ela chegava só depois da meia noite. Durante os dias só tinham duas possibilidades: ou ela acordava muito cedo ou só saia do quarto quando eu ia para a ONG. Nós não nos esbarrávamos mais quase nunca. Nas poucas vezes que a vi fui completamente ignorado, Julia passava por mim com a cabeça baixa, deixando o cabelo esconder seu rosto e ia direto pro seu quarto. Estava parecendo um pouco comigo, na verdade.

Afinal, era um alivio.

Não era?

Era o que eu falava que queria desde o começo. Pelo andar das coisas meu casamento estava com os dias contados. Só que eu estava curioso. O que ela fazia na rua praticamente todos os dias até aquela hora? De certa forma ficava preocupado também. Ela era só uma menininha, meia noite não é era hora de uma menininha indefesa andar por ai, ainda mais sozinha. Que tipo de cara eu seria se não protegesse minha esposa? Por mais que eu quisesse o fim do meu casamento, era meu dever mantê-la segura. Qualquer pessoa faria isso. Qualquer um no meu lugar teria o mínimo de preocupação. Pelo menos qualquer um com um coração, por menor que seja, estaria se sentindo da mesma forma que eu. Não é? Com certeza... Julia ainda era minha responsabilidade.

Mas depois de tudo que eu fiz não tinha como simplesmente abordá-la e perguntar por onde estava andando. E pelo jeito que estava sendo ignorado, provavelmente ela rejeitaria qualquer carona que eu oferecesse para trazê-la pra casa. As coisas estavam diferentes do último mês pra cá. Julia não era mais a esposa perfeita.

O engraçado é que eu pensei que nem notaria quando esse dia chegasse. Aparentemente estava enganado. Mais uma vez eu estava ali, ouvindo através da porta do meu quarto os mínimos barulhos que pudessem vir do andar de baixo. Eram meia noite e meia e nada dela aparecer. Não sabia se ia atrás dela, se ligava pro meu sogro ou chamava a policia direto. Talvez se eu ligasse no seu celular... aquela era uma situação de emergência. Só depois que colocasse aquela menina dentro de casa é que eu poderia finalmente me concentrar nas minhas letras e músicas.

Decidido, pego o celular no criado mudo e rapidamente busco o contato dela na agenda. Dou dois cliques em seu nome e número e espero chamar.

Primeiro toque... segundo toque...

No terceiro toque ouço o barulho da porta de casa se abrindo e o volume abafado do celular dela aos berros sendo ignorado. Julia não queria me atender. Franzo o cenho meio frustrado e saio do quarto afim de vê-la e confrontá-la por me deixar preocupado e ainda me ignorar como se eu fosse um insignificante. Desligo o celular que ainda chamava o vácuo e sigo para a cozinha, onde a luz estava acesa. Paro no batente da porta, reparando em sua figura. Ela estava com os cabelos molhados e bem penteados, mesmo daquela distancia podia sentir o cheiro do seu perfume, banho recém tomado. Onde diabos Julia estava enfiada pra ficar tomando banho na rua? Estava usando uma calça moletom e um casaco parecido com um meu da Gap, dos meus tempos que jogava basquete, ela ainda carregava uma mochila sobre o ombro esquerdo. Enquanto tomava um copo d'água aos poucos foi se virando distraída até dar de cara comigo na porta. Surpresa ela engoliu o liquido com dificuldade.

- São quase uma da manhã – falo de braços cruzados.

- Eu sei. Tenho relógio – coloca o copo vazio sobre a pia e evita meu olhar. Ou qualquer parte de mim pra falar a verdade.

Ela estava evitando na verdade o fato de que eu estava sem camisa e só de calça do pijama.

- Você ignorou minha ligação.

- Já tinha chegado em casa, não tinha necessidade de atender – da de ombros.

Por alguma razão eu não conseguia brigar com ela naquele instante. Julia parecia fria e distante num primeiro momento, mas envergonhada e frágil no outro. Ela era uma pessoa de primeiros e segundos momentos e eu não estava acostumado com aquilo. Apesar de querer muito, não dava pra brigar com ela quando eu fazia muito pior. Eu estava preocupado, mas não tinha o direito de exigir que me desse satisfações. O problema é que a curiosidade não ia embora de jeito nenhum.

- Você está bem? – mudando de tática... talvez se puxasse assunto Julia falasse o que estava acontecendo.

- Estou ótima – da um sorrisinho meio forçado e bate as unhas sobre o mármore da pia.

Ela estava impaciente comigo? Envergonhada? Sem jeito? Queria sair daquela cozinha correndo, mas eu estava obstruindo a passagem? Todas as alternativas anteriores...

- Você não tem feito mais o jantar? – tentativa número dois.

- É. Tem as sobras do almoço na geladeira pra esquentar.

- Já jantou hoje? – tentativa número três.

Sua resposta é uma afirmação com a cabeça.

- Meu quarto está diferente ultimamente – tentativa número quatro.

Não tinha mais o perfume nada sutil dela no meu travesseiro.

- Ah é! Eu pedi pro meu pai que indicasse uma pessoa de confiança pra arrumar as coisas por aqui. A Ye-jin toma conta da limpeza do seu quarto agora. Achei que você fosse preferir um pouco mais de privacidade – ajeita a mochila que ainda estava sobre seu ombro – Qualquer problema que você tiver é só falar com ela.

Tinha uma pessoa cuidando da casa e eu não sabia disso? Wtf? Como eu nunca vi essa mulher antes?

- Por que você mudou de ideia?

- Ando muito ocupada ultimamente.

Eu estava andando em círculos com aquela conversa. Julia estava me fazendo de idiota e eu não ia a lugar nenhum com todas aquelas perguntas.

- Bom, vou pro meu quarto – anuncia ao se desencostar da pia.

Nem um boa noite, nem um tigrão. Aquele beijo tinha deixado ela implacável, uma vitoria minha. Era bom repetir aquilo pra mim mesmo até me convencer 100%. VITÓRIA. Antes que ela saia da cozinha, faço questão de ocupar boa parte da porta para incomodá-la. Era o mínimo que eu podia fazer depois de ter ficado algumas horas incomodado com minha própria preocupação. Julia passa por mim de lado e encolhida, o rosto escondido pelo cabelo como de costume. Seu corpo pequeno consegue fugir ileso do meu e ela sobe as escadas correndo.

A sigo com calma pelas escadas e paro na soleira da porta do seu quarto, tentando ouvir qualquer ruído que indicasse qual seria seu próximo passo. Mais uma vez não obtenho êxito nas minhas investigações furadas. Era bom que aquela menininha fosse dormir mesmo. Tomo o caminho contrario e entro no meu quarto, me jogando na cama assim que bato a porta. Passo os olhos pela tela do notebook ao meu lado no colchão espaçoso, lendo algumas linhas que deixei anotadas. Mesmo que quisesse continuar trabalhando, uma sensação de frustração imensa não abandonava a boca do meu estomago. A droga do jantar desceu errado, só pode.


UnKiss Me (BTS Suga)Onde histórias criam vida. Descubra agora