Capítulo 8

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Cheguei em casa depois de meia hora esperando papai! Pensei em vir de apé.

Caminho até a entrada, papai foi guardar o carro na garagem e quando abro a porta estou encantada. A casa parece mais habitável com os móveis posicionados.

Subo para o quarto e olho pela janela. Está escuro, mas prometi que iria atrás de Rocca. Preciso de uma lanterna e carne. Decido descer para jantar e vejo papai sério.

- Está tudo bem papai? - ele está sentado em uma poltrona na sala e com o olhar vazio. Ele parece não ter ouvido minha pergunta. Repito.

- Papai? - me aproximo e encosto em seu ombro com o olhar preocupado. - Papai fala comigo! - ele pisca e olha para mim, está muito triste - papai o que aconteceu?

- Nada querida! Estou lembrando de sua mãe deitada sobre aquelas folhas... - ele para e olha para as mãos. Dou um beijo em sua testa e caminho para a cozinha, pego carne e procuro pela lanterna. Encontro na última gaveta da cozinha. Coloco dentro de uma sacola escura e volto-me para papai, seu semblante é triste. Suspiro.

Me aproximo de papai e me abaixo ao seu lado.

- Vai ficar tudo bem! - dou um sorriso fraco e papai deposita um beijo no topo das minha cabeça.

- Eu sei querida! - ele acaricia meu rosto e se levanta, começa a caminhar em direção a escadaria.

- Papai! - ele se vira discretamente - Vou caminhar um pouco, janto quando voltar.

- Claro, eu não estou com fome, vou me deitar mais cedo, se importa? - me levanto e sorrio.

- Não papai, descanse... Volto logo! - papai volta a subir a escadaria e eu decido sair antes que ele mude de idéia e diga que é perigoso.

Caminho em direção a floresta e ligo a lanterna quando os três últimos postes que iluminam a rua ficam para trás.

Estou tentando enxergar mais coisas a minha frente, porém não vejo bem! Chego a entrada da floresta.

- Rocca! - grito. Nenhuma resposta e escuto o eco de minha voz correr pela floresta.
Decido entrar um pouco e tentar encontrar o local que mamãe foi encontrada, caminho um pouco e a lanterna falha.

- Droga! - bato ela na palma da mão, mas ela não volta a funcionar, minha sorte é a lua que ilumina a noite hoje.

Decido continuar e o que vejo me deixa fascinada. O local onde mamãe morreu tem flores, mas as flores estão brilhando em um intenso tom avermelhado. É lindo!
Me aproximo e me abaixo para tocar as flores brilhantes.

'Ada corra! Saia daí Ada! Ele está vindo!'

Conheço esse sussurro, é Rocca. Meu coração acelera com suas palavras. Sussurro de volta.

'Onde você está?'

Escuto as folhagens se moverem e vejo Rocca com os olhos amarelos. Ele está com medo.  Ele acena me chamando e o sigo correndo, os próximos sussurros eu não reconheço, estão em meus pensamentos, como se tivessem invadido minha cabeça. É uma voz grossa, rouca e atraente, é quase como uma súplica, pedindo, quer dizer, implorando pelo meu nome.

'Ada!'
'Ada!'
'Volte Ada! Volte para mim'

A voz está vindo da direção de onde estão as flores brilhantes. Sinto uma vontade enorme de voltar. A voz fica mais exigente e firme.

'Ada, chame pelo meu nome! Deixe-me ouvir sua voz! Chame meu nome!'

Corro mais desesperada atrás de Rocca, sei quem está me chamando. É Severo e ele quer ouvir eu dizer seu nome! Não posso.
Paro subitamente e fecho os olhos.

'Chame meu nome! Deixe-me te encontrar'

A voz é inebriante e cheia de desejo, é irresistível e estou começando a me perder em seu som rouco e desejoso.

Sinto algo me puxar, abro os olhos e vejo os imensos olhos amarelos me arrastarem para fora da floresta. Estou ofegando quando paramos. Rocca está me olhando assustado.

- Não se deixe levar pela voz de Severo! Nunca pronuncie o nome dele Ada! - seu tom de voz está repleto de pavor. "Mas a voz é tão sedutora" estou olhando para Rocca com confusão.

- Era Severo? - parte de mim sente que sim. Rocca me olha e assente.

- Não posso ouví-lo, mas sei que ele estava na floresta, por isso não sai, fiquei com medo de que ele me seguisse e te achasse. - vejo seus olhos amarelos se entristecerem - ele chamou por você né? Por isso que parou no meio da floresta! - ele olha para todos os lados apavorado, parece temer que eu tenha o chamado mesmo em pensamento.

- Fique tranquilo! Não chamei ele, você não deixou eu chamar... - dou um sorriso sincero e me aproximo de Rocca, seus dentes afiados estão escorrendo algo pegajoso. Retiro os pedaços de carne da sacola e entrego para Rocca. Ele está trêmulo e pega os pedaços, seus olhos começam a voltar para o branco e vejo que ele se acalmou.

Ainda me recordo do som que a voz tinha. Era uma mistura de várias sensações, nunca tinha ouvido voz tão profunda e atraente. O tom grosso e rouco me causava êxtase. "Pare agora Ada!" me repreendo por ter essas sensações e me lembro que devo odiar profundamente com todas as minhas forças, Severo.

Tento ligar a lanterna novamente e ela volta a funcionar como se nada tivesse acontecido "Que estranho!" .

- Rocca quero que você se cuide! Se esconda e não deixe Severo te encontrar - tenho medo que Severo machuque ele, se ele foi capaz de matar minha mãe, imagina o que poderia fazer a essa pobre criatura.

- Sim, se cuide também Ada, não volte a floresta! Severo está muito perto de te encontrar. - Rocca parece muito preocupado.

Ouço pisadas lentas na folhagem da floresta. Rocca pede para que eu vá embora. Ouço uma risada sínica cruzar a floresta e espantar os pássaros, mesmo meu coração estando pulando de medo, algo dentro de mim pulsa fortemente ao ouvir aquela voz. Corro sem olhar para trás e só paro quando fecho a porta do quarto atrás de mim. Corro para a janela e olho de soslaio, não vejo nada. Sinto um súbito medo em relação a Rocca.

Fecho as janelas e sento-me no chão, estou apavorada e com o coração na mão, sinto um frio na espinha ao me lembrar da risada de Severo. Sua voz é como uma melodia tranquila e perturbadora ao mesmo tempo.

Controlo o meu pavor e desço a escadaria, vou para a cozinha e esquento um prato de comida. As janelas desta casa não são de vidro e sim de madeira, por conta disso não vejo o que está escondido por trás delas, é reconfortante a sensação de dúvida que sinto, não sinto medo do que há atrás da porta.

Lavo meu prato e tomo um banho demorado, tentando limpar as lembranças da voz inquietante de Severo.

***

Deito em meu travesseiro e começo a relembrar de mamãe, sinto uma raiva tomar meu coração de tal forma que lágrimas rolam pelo meu rosto.

"Maldito Severo!" Minhas angústias estão cada vez maiores e penso em papai, em como ele está e o que aconteceria se Severo encontrasse ele também, sinto uma pontada em meu peito ao pensar na possibilidade de encontro dos dois.

Lembro-me de cada palavra da carta e a que mais está batendo em minha porta é a palavra desprezível. Mostrarei do que a garota desprezível é capaz Severo.

Faruk - Amando o Inimigo (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora