Epílogo

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Amo ouvir o som das árvores e sentir a brisa forte bater em meus cabelos acobreados. Amo ouvir a risada inconfundível de um ser que jamais imaginei que poderia amar. Amo sentir o cheiro de terra molhada quando ele se afunda em pensamentos. Sei que a chuva é necessária e me sinto mais útil ainda quando o faço sorrir e a tempestade serena passa.

Consigo amar o movimento violento que ele faz com as asas negras ao rasgar os céus em alta velocidade, consigo amar seus defeitos, são tantos que seria impossível contar.

Consigo amar seu mal humor e a escuridão das nuvens que chegam como um milagre particular de tons de cinza a pequenos salpicos de uma negritude sublime e resplandecente.

Consigo amar seus movimentos e cada gota de suor que pinga do seu corpo e de sua roupa de couro completamente rasgada, após um árduo dia de brigas e resoluções de problemas.

Amo quando ele aperta o maxilar e respira fundo, fechando os longos dedos pálidos.

E tenho a impressão que amo ainda mais seu humor insano e desprovido de estabilidade.

Apesar de tudo isso, apesar de todas as coisas que me fazem bem aqui, tem algo que me deixa preocupada cada vez que fecho os olhos.

A visão de um ano atrás me persegue, a visão de Faruk decepando a cabeça de Alicia tem sido perturbadora.

Lembro das lágrimas e lembro de tudo que passei, mas o que dói mais é o modo como alguns moradores de Pearl me olham, para ser específica, três.

Três misteriosos moradores do vilarejo.

Os quais tem tirado meu sono e perseguido meus sonhos com risadas histéricas e perigosas e que sempre acompanham a cena de Faruk cortando a cabeça de Alicia, porém o mais perturbador é que eles não estavam lá.

Um deles é extremamente atraente e parece sempre querer chamar minha atenção, seu olhar penetrante me deixa assustada e ao mesmo tempo atraída por seu jeito peculiar.

Os outros dois sempre me causam calafrios e parecem querer vingança.

- Está se sentindo bem Ada? - sou tirada de meus devaneios pela voz de Faruk.

- Si-Sim! - digo.

É noite, de junho aproximadamente, em Pearl e como todas as tardes frias de todos os anos, estamos sentados em frente a fogueira da cozinha como duas crianças que esperam ouvir uma história sobre bruxas e monstros horríveis que são sempre mortos por príncipes ou cavalheiros com suas espadas e escudos.

Os serviçais não se importam e seguem sempre seus afazeres com paciência e as vezes até mesmo cantarolam.

Os dias em Pearl tem sido cada vez mais calmos e alegres e todos estão felizes​, ou pelo menos parecem estar.

Menos os três.

- Estava pensando e creio que seria legal se fizéssemos uma viagem para o sul! - olho para Faruk de boca aberta, ele não tira os olhos dá fogueira e solta um riso de canto de boca.

Ele nunca permite que eu voe para lá desacompanhada ou cogite passar mais de duas horas para aqueles lados.

- Está falando sério? - pergunto incrédula.

- Estou! Estava pensando em receber um pouco de adrenalina nas veias e visualizar um pouco de violência e terror... - reviro os olhos e ele gargalha.

- Sabia que era brincadeira! - Faruk detesta quando meu lado sanguinário aparece e fico louca com a visão de sangue, é como se fosse uma injeção de êxtase.

- Sim meu amor! Mas sinceramente... Gostaria de sair de férias com você... Quem sabe, talvez conhecer toda a minha história em um tour por Pearl! - sorrio.

- Gosto da ideia - digo - seria interessante...

Ele virá o rosto para me encarar e segura minha mão.

- Tenho medo de que não seja capaz de ouvir tudo e continuar comigo! - seus olhos carregam tristeza.

- Jamais te deixaria! - digo e me recordo de tudo que passamos e mesmo assim me recusei a abrir mão de nós.

Ele parece não acreditar que minhas palavras sejam verdadeiras, mas não questiona, apenas se levanta e me puxa para cima, espreguiço minhas asas e caminhamos para fora da cozinha, me despeço de todos e seguimos para nosso quarto.

O lindo quarto com céu estrelado, magicamente estrelado.

A cada passo observo seus movimentos, como seus músculos da perna se contraem e como é lindo o jeito que ele anda, cada passada é um passo elegante e bem colocado.

Parece flutuar.

Chegamos ao quarto e entro após Faruk abrir a porta, me jogo na cama quente e em seguida ele se deita ao meu lado.

Olho para ele sorrindo e ele se apóia sobre os cotovelos na cama, me encara sorrindo sempre e carrega no olhar uma profundeza de sensações que me deixam sem rumo, mesmo que já tenha olhado tantas vezes.

- Já pensou em me dar um herdeiro? - a pergunta dele me pega de surpresa e fico um pouco constrangida, pois não penso em engravidar tão cedo.

- Ainda acho que seja cedo... - digo em voz baixa, ele fica sério e seu olhar mais penetrante.

- Teremos muito tempo para pensar nisso, certo?! - assinto e me aproximo depositando um beijo em sua têmpora.

Me aconchego nos travesseiros e fecho os olhos, Faruk me abraça por trás e diz algo que sempre me conforta.

- Não deixarei você perder mais nada que ama, Ada Roth! - sua voz rouca em meu ouvido sempre me causará calafrios e tremores inexplicáveis.

Adormeço.

"Estou retornando para o castelo e me sinto apreensiva, 'Parece que já vivi isso tantas vezes!' respiro fundo.

Abro a porta do castelo e sigo para a sala de jantar, a cena me choca! Faruk está com um machado nas mãos e seus olhos estão centrados no corpo de Alicia, correm lágrimas pelos seus olhos e algo me deixa mais amedrontada ainda.

Os homens do vilarejo estão aqui, os três estão me olhando sem parar, mas dessa vez não estão rindo descontroladamente.

Faruk abaixa o machado, ouço um barulho forte e a cabeça de Alicia está fora do corpo quando me dou conta.

Sangue jorra.

Sinto um pavor inexplicável, mas a sensação piora, piora muito mais...

Só vejo dois deles... Só tem dois caras do outro lado da sala de jantar 'Cadê o outro?"

Estou imóvel e sinto alguém tocar meu ombro esquerdo e respiro desesperada.

Olho para o lado com relutância e sinto minha face quente, sendo inundada pelas lágrimas.

- Ada, certo? - 'Ele falou comigo' - Tenho uma dívida a acertar com você! - 'Ele nunca falou comigo nos sonhos, o que está acontecendo?!' - Terá que pagar rainha vermelha!

A voz dele é terrivelmente horrorosa.

'Ada'

Ouço a risada sádica dos três novamente.

'Ada!'

A risada fica mais alta.

'Ada acorde!'

Dou um grito e me lanço para frente em soluços. Faruk me abraça.

- Foi só um pesadelo meu amor! Estou aqui com você! - retribuo o abraço.

- Ele falou comigo! - digo entre soluços.

- Ele quem? - a voz de Faruk está repleta de fúria e seus olhos estão vermelhos.









Continua...

Faruk - Amando o Inimigo (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora