Escuridão da Noite

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Renato ouviu novamente o farfalhar das folhas sobre o chão.

- Está sem sono, dolcezza?

Hermione soltou um suspiro alto, olhando por cima do ombro, ainda remexendo-se em seu saco de dormir.

- Sim.

Cavallone piscou, virando-se para cima, encarando os pinheiros do bosque. O céu noturno estava límpido, anormalmente escuro. Uma única estrela, pequena e tímida, brilhava na imensidão azulada.

- Também não consigo dormir – o homem murmurou.

Por algum tempo, houve um longo momento de silêncio.

- Renato...

- Sí, bela?

A jovem se virou na direção de seu cúmplice, franzindo o cenho.

- Acha... que isso vai adiantar? - sussurrou, deslizando os dedos pela folhagem seca à sua frente – quer dizer... - fechou os olhos, tocando o pingente de seu medalhão – depois que tudo acabar... essa dor vai... diminuir?

O bruxo a encarou, sua expressão suavizando-se ligeiramente.

- Eles merecem sofrer, não é? - falou em tom baixo – fizeram nossas famílias sofrerem. Ceifaram a vida de centenas de bambini. Vamos erradicar esses miseráveis da face da Terra. Impedir que causem mais sofrimento. Chi fa male con il ferro, il ferro sarà male – ele resfolegou, angustiado – a nossa dor pode esperar... não acha?

A moça baixou o olhar.

- É – respondeu – ela pode esperar.

Era tudo que Hermione conseguia ver. A única coisa que parecia alimentar sua vontade de permanecer inteira e viva. O único motivo pelo qual ainda não havia se deixado sucumbir pelo pesar.

Sua sede de vingança anestesiava sua angústia. Era a válvula de escape para a dor em sua alma. E faria de tudo para manter aquela sensação terrível longe de si.

- Fon – Renato sobressaltou-se quando ela disse o nome – seu outro filho. Onde ele está?

Percebeu Cavallone se retrair ligeiramente diante dela.

- Com sua tata, em San Gimignano. Seguro... - ele fechou os olhos - Grazie a Dio... eu o havia mandado para minha casa de veraneio com Giordana há algumas semanas. Iríamos passar o fim do verão lá. Eu e Timoteo estávamos para deixar o país... - contraiu os punhos – mas não tivemos tempo...

Surpresa e condoída, Hermione assentiu.

- Sinto muito.

- Ele morreu em meus braços – ofegou – igual à mãe dele... - os olhos de Renato pareceram sair por um tempo daquela realidade - donna meravigliosa, exatamente como você, Weasley – voltou a fitar o céu – uma bruxa talentosa, meiga... extraordinária. Mas de saúde frágil – soltou um arquejo – o parto de Fon foi demais para ela... meus meninos ficaram órfãos de mãe logo depois... - e agora, também perdi Timoteo – uma risada amarga e chorosa escapou de sua boca – parece que o Destino repudia qualquer tipo de felicidade, não é? Quando você acha que nada mais pode te atingir, sua vida acaba. E tudo que resta... é pensar que poderia ter impedido que acontecesse.

Olhou Hermione soltar o medalhão, ainda olhando para baixo.

- Mas não podemos – ela sibilou – só podemos impedir que coisas piores venham a acontecer.

O rapaz voltou a se cobrir, aninhando a varinha perto de seu peito.

- Tente dormir, signorina. Temos uma longo caminho a percorrer amanhã – acrescentou, dando as costas para Hermione – à bem dizer, faremos com que aqueles bruxos implorem por piedade. Irão tremer quando estiverem diante de nós. Eu lhe prometo.

A jovem bruxa não lhe respondeu.

Mas Renato sabia o que sua quietude queria dizer.

Hermione finalmente havia selado aquele acordo. E agora, nada no mundo poderia fazer com que ela voltasse atrás.

Harry balançava a cabeça, olhando de modo atônito ao redor.

Kingsley não aparentava estar menos lívido, os braços unidos sobre a mesa, enquanto suas mãos abarcavam a testa.

- Estão me dizendo – o rapaz sentiu seu estômago se contrair – que o incidente na prisão temporária... foi obra de um auror?

Do outro lado da mesa, Rony soltou um arquejo alto e aflito. Não havia tido coragem de contar ao amigo – e a mais ninguém – as horríveis conclusões que o gabinete ministerial havia chegado.

- Não só de um auror, Potter – Shacklebolt suspirou, preocupado – mas alguém com todas as habilidades e astúcias necessárias para causar um ataque destes sem ser visto. Um dos nossos... que conhece todas as áreas, esquemas e estratégias do Ministério da Magia – ele fitou todos os presentes na sala de reuniões – senhores... temos uma situação delicada em nossas mãos. Muitos de vocês perderam crianças de sua família para esse ritual... e, pessoalmente, por mais que seja um ato criminoso, jamais conseguirei julgá-la, se isso realmente a tiver motivado. Ainda assim... precisamos considerar nossas opções, e impedir esta perseguição.

Estranhando a divagação do ministro, Neville ergueu a cabeça.

- Perdão, Quim – ele vincou a testa – ela? O assassino do Comensal capturado... é uma mulher?

Oliviene se remexeu na cadeira, incomodada.

- Quim disse que era uma situação delicada – murmurou, enfim – suspeitamos... que Hermione Weasley tenha ido... pessoalmente... atrás dos seguidores da Serpente.

A perplexidade da Ordem da Fênix não poderia ter sido mais compreensível. Hermione Weasley, o maior modelo de auror, uma das funcionárias mais importantes do Ministério da Magia, cotada para dirigir a divisão mais alta do quartel-general, havia rompido irresponsavelmente com o sigilo ministerial, autonomamente chegando ao extremo de cometer um assassinato quase grotesco?

- Isso não tem graça, Oliviene! - vociferou Harry, indignado.

- Que tipo de brincadeira é essa? - Neville zangou-se – Hermione está desaparecida!

- Exatamente, Longbottom – lamentou-se Oliviene – ninguém a encontra há mais de dois dias. O assassinato aconteceu de modo velado e rápido – pareceu se culpar por admitir – infelizmente, vi bastante das incursões de Hermione para reconhecer seu estilo de ataque. Não podemos descartar a ideia de que ela orquestrou tudo isso.

- Não temos provas! - Dino boquiabriu-se – estão acusando-a sem pista alguma!

Durante todo aquele tempo, Rony manteve-se quieto, sentindo seu peito se apertar de desespero.

Havia sido sua culpa. Se não tivesse se enclausurado em seu próprio sofrimento, poderia ter impedido que Hermione tomasse aquele caminho tão radical.

Podia estar enlutado, mas apenas havia sido o pai de Rose. Jamais poderia conseguir imaginar quanto estava sofrendo aquela que havia carregado sua filha no ventre, alimentando-a e a amadon-a desde o início.

Coisa assim nunca havia acontecido, afinal de contas. Como lidariam com uma bruxa que assumira a identidade de uma justiceira solitária? E como o Ministério encararia Hermione agora?

A intenção era ajudá-la... ou persegui-la?

Ergueu-se, chamando a atenção dos demais.

- Decidam o que bem entenderem – grunhiu, fechando a mão em punho sobre a mesa – não sei o que planejarão... me passem informações depois – sua voz baixou – dane-se se Hermione trucidou todos os Comensais da Morte deste mundo - rosnou ameaçadoramente - porque se alguma coisa acontecer à minha mulher, não será mais com a Serpente que terão de se preocupar.

E por fim, dizendo isso, retirou-se da sala de reuniões, espancando a porta ao sair.

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