Voto Perpétuo

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Houve o som inconfundível de alguém que adentrava na tenda.

A prisioneira ergueu levemente o olhar, os cabelos bastos recobrindo-lhe o suficiente do rosto para que o recém-chegado não pudesse ler sua expressão.

O sangue que outrora havia escorrido por sua pele já se encontrava coagulado. Os cortes recém-fechados, embora ainda causassem dor, pareciam-lhe um detalhe dispensável. Toda sua aparência inspiraria pena á um observador comum.

Se não fossem os olhos frios e distantes, que percorreram profundamente a face lívida de Rayane.

A moça hesitou, ajoelhando-se diante da jovem amarrada, baixando uma bandeja. Apanhou uma pequena tigela de barro e uma colher, que inclinou sugestivamente na direção da prisioneira.

- Você precisa comer – guinchou, recolhendo um pouco da sopa na colher.

Hermione vincou a testa, recuando a cabeça.

- Não desperdice seu tempo – sibilou.

Rayane engoliu em seco.

- Eu não te culpo – uma risadinha paranóica escapou dos lábios da garota – ela normalmente é muito ruim mesmo – acrescentou, cabisbaixa – mas tentei melhorá-la com alguns temperos – Rayane parecia excessivamente receosa para voltar a encarar Hermione – experimente um pouco.

Por um momento, Hermione experimentou analisar a expressão temerosa da jovem. Um pequeno brilho de curiosidade rutilou em seu olhar, desaparecendo tão rápido quanto havia surgido.

Contraiu a cabeça para o lado, recusando novamente a comida.

- Tudo bem – após colocar a bandeja ao lado de Hermione, Rayane sentou-se no solo batido da tenda, ainda diante da jovem cativa – eu também fiquei sem fome... depois de tudo isso – suspirou, retirando algo do bolso da jaqueta – eu... posso só... limpar seu rosto? Pharrel fez um belo de um estrago em você...

Outra vez, um veloz laivo de confusão surgiu nos olhos estreitados de Hermione, enquanto sua nova vigia encharcava um algodão com água. Imobilizada, mal conseguiu recuar diante dos cuidados da garota, que gentilmente limpou as camadas de sangue seco em seu rosto.

Rayane, por outro lado, sustentava uma curiosidade crescente sobre o que havia acontecido fora do acampamento.

- O que veio fazer aqui em East Sussex? – não reprimiu a dúvida – por que se afastou do Ministério? Quando souberem de sua captura...

Rayane interrompeu-se, franzindo o cenho, vendo Hermione sustentar sua expressão distante e neutra.

- Espere um pouco... você... estava atrás...? – um gelo formou-se dentro do peito da garota, quando a teoria absurda surgiu em sua mente - Ridark Rockstell... o Comensal que foi capturado...

Os joelhos de Rayane começaram a tremer.

Ela havia percebido o que os demais Comensais da Morte nem haviam sonhado em cogitar.

- Você está aqui...

- Abaffiato...

Sentiu-se violentamente erguida do chão, presa num abraço cruel. Uma adaga afiada cruzou-se contra sua garganta, por pouco não dilacerando a fina camada de pele de seu pescoço.

- Sì, dolcezza – vociferou Renato, ainda transfigurado no Comensal da Morte – não... nem pense em gritar. Vou te matar bem antes de pensar nisso, e todos estão no refeitório agora – o aperto intensificou-se - acho que você sabe demais agora, ragazza... – sussurrou impiedosamente – purtroppo... terá que ser a primeira... mas vamos para os fundos... não queremos fazer sujeira, não é?

Antes que o rapaz a arrastasse para imolá-la fora da tenta, porém, Hermione ergueu a cabeça.

- Espere.

A jovem ofegou, lacrimejando de terror.

- Por favor... – lágrimas desesperadas escorreram pelo rosto de Rayane, conforme ela soluçava penosamente – eu não sou como eles... – sacudiu-se com o choro que a engasgava – eu já perdi tudo... por favor... eu nunca contaria... – arquejou desesperadamente – eu só quero... que tudo isso acabe...

Sentiu a lâmina afrouxar-se ligeiramente.

- Fenice?

Hermione, pela primeira vez, parecia ostentar uma expressão de calculista dúvida.

- Voto Infrangibile – disse Hermione em tom baixo – lamento... mas não vamos nos dar o luxo de confiar em mais ninguém... então faça.

Embora tivesse um parco conhecimento da língua italiana, Rayane havia entendido muito bem o que seus algozes planejavam.

O Voto Perpétuo. Esta seria a condição para que continuasse viva.

- Eu faço... eu faço – concordou, angustiada – qualquer coisa... por favor.

Renato inclinou-a de volta ao chão, ainda ameaçando-a com a adaga. Hermione ergueu levemente a mão que se encontrava presa na pilastra, segurando firmemente os dedos trêmulos de Rayane.

- Seu nome, dolcezza – Renato ciciou rispidamente.

- Rayane. Rayane Blink.

Diante da urgência do ritual, Cavallone proferiu-o rapidamente, apontando sua varinha para as mãos entrelaçadas de Hermione e Rayane.

- Você, Rayane Blink... jura guardar todos os segredos que vier a conhecer sobre os planos de Hermione Weasley, independente das circunstâncias, nunca as revelando á qualquer bruxo das Trevas, assim como sujeitar-se a ajudá-la, sobre pena de perder sua vida?

Sabia que não haveria volta.

Mas Rayane já não tinha mais nada a perder.

- Eu juro – arfou.

Uma tênue e brilhante linha mágica emergiu da varinha em riste de Renato, entrelaçando-se firmemente nas mãos unidas das duas mulheres, e em seguida desaparecendo.

A sensação era aflitiva para ambas as partes. Era como se uma corda invisível agora as unisse, num único propósito em comum.

Suas mãos se soltaram.

Renato soltou Rayane, voltando a guardar sua adaga, bem a tempo de ver um Comensal da Morte adentrar na barraca.

- Pharrel – cumprimentou-o, parecendo surpreso de vê-lo ali – está tudo bem?

Aproveitando a distração do colega, Rayane enxugou o rosto úmido na manga da capa, retirando quaisquer vestígios de lágrimas.

- Tudo, Weird – assentiu Cavallone – vim apenas verificar como a prisioneira estava. Blink veio alimentá-la mais cedo – ergueu a sobrancelha de modo intrigado – pelo visto, nossa convidada não está com fome.

- Tenho boas notícias – sorriu o Comensal – Blackhole estará chegando em breve. Foi notificado sobre nossa jovem amiga aqui. Será uma questão de tempo para que a própria Serpente saiba do que aconteceu.

- Excelente, Weird – Renato assentiu – bem... melhor nos prepararmos. Fique de vigia, Blink.

Cavallone retirou-se com o bruxo da barraca, voltando a deixar Rayane e Hermione a sós na tenda.

Abatida, a jovem debruçou-se sobre o apoio de madeira na entrada da tenda, encarando Hermione.

- E você, garota? – por fim, Hermione voltou a falar – o que você está fazendo aqui?

Amargurada, Rayane ergueu o olhar para fora da tenda, vendo os grupos de Comensais da Morte que voltavam a se reunir na entrada do acampamento.

- Já nem sei mais – falou, sentindo sua voz endurecer-se violentamente – mas... graças á vocês... – levantou a cabeça imperiosamente – sei onde eu deverei estar agora...

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