Veneno

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Rayane havia conseguido apanhar uma boa quantidade de frascos de Poção Polissuco.

Envaideceu-se pela sua surpreendente ideia de trocar a vigília da tenda de poções, alegando ao Comensal apático que este necessitava se alimentar.

Foi com surpresa aliviada que o viu concordar, ofegando qualquer coisa sobre retornar em menos de dez minutos – tempo que foi o suficiente para a garota surrupiar várias amostras do que Cavallone havia lhe requisitado.

Portanto, naquele momento, havia retornado ao seu posto de vigia, esperando que o bruxo voltasse, sentindo o coração palpitar de preocupação.

Estranhou a incomum quietude do local. Por alguma razão, haviam poucos Comensais transitando naquela área do acampamento. Mesmo que a maior parte estivesse se alimentando no refeitório, era de se esperar que alguns deles já tivessem retomado suas atividades naquela divisão.

– Ora, ora, giovani sbarazzina...

Blink fechou a cara, estreitando o olhar para o falso Comensal da Morte, que havia acabado de chegar.

Irritada, passou para ele a bolsa com os frascos, aproveitando a falta de testemunhas ao redor dos dois.

- Pronto – sibilou – agora pode parar de me sondar, Topo Gigio.

O apelido inusitado pareceu surpreender Renato, que desmanchou o sorriso sarcástico.

- Costumava assistir programas de TV trouxas, piccola?

Rayane esboçou um sorriso humorado, mesmo a contragosto.

- Costumava... quando vivia com... uma amiga.

A jovem interrompeu-se, sentindo o peito doer com a memória. Fechou as mãos em punho sobre o ombro, angustiada.

Cavallone vincou a testa.

- O que houve com ela?

Embora estivesse diante de alguém que decididamente odiava, Rayane respondeu inconscientemente - como se sua mente estivesse configurada para desabafar sobre aquilo sempre que houvesse chance.

- Ela se matou – sussurrou – e matou o filho também... lágrimas ameaçavam escorrer outra vez por seu rosto – e tudo... por que tentou salvar aquele bebê – uma risada amargurada escapou de seus lábios - estou aqui... por que tentei fazer a coisa certa. E, no fim das contas... tudo foi em vão.

A moça fechou os olhos, trêmula.

Para a perplexidade de Blink, Cavallone já não parecia mais confortável com a conversa. Todos os seus trejeitos zombeteiros e insolentes haviam desaparecido.

Um silêncio incômodo surgiu entre os dois. Por fim, Renato balançou a cabeça, suspirando.

- Tudo bem – ergueu a mão – acho... que começamos com o piede sinistro – disse, em tom complacente – pelo visto, você não teve uma experiência muito melhor do que nós, piccola volpe.

Rayane mal conseguiu sufocar um muxoxo de desdém, secando rudemente as bochechas.

- Você acha, é? - piscou, ofegando de raiva – eu realmente sinto muito se toda essa merda aconteceu com vocês... mas seria de bom tom lembrar que não foram os únicos a sofrer – perante a expressão do outro, acrescentou, de modo mais suave – eu quero que isso termine... tanto quanto vocês querem esta vingança. Mas... não posso fazer isso... pelo menos, não enquanto tiver que me preocupar em ser apunhalada no meio da noite.

O rapaz levantou a palmas das mãos, em gesto de rendição.

- Bem... recomecemos do zero, então – propôs, contraindo as sobrancelhas – enquanto você não nos der problemas, piccola, não haverá motivo para nós lhe causarmos mal – Renato se permitiu um sorriso tranquilizador – afinal, caso eu a quisesse morta, teria te liberado pessoalmente para almoçar com os demais.

Por alguns segundo, Blink não compreendeu o significado do comentário de Renato.

Enfim, titubeou, percebendo o que ele havia querido dizer.

- Vocês... - falou em tom baixo, erguendo o olhar – a comida...?

Renato deu de ombros.

- Era a maneira mais fácil. Sem varinhas... sem vestígio de magia... sem provas que nos incriminassem.

A garota sentiu seu estômago gelar.

- Não... não... Nora!

Tentou correr, enquanto Renato agarrava seu pulso.

- Blink!

- Nora! Eu tenho que avisa-la! - arquejou – ela vai... ela também vai...!

A jovem caiu de joelhos, cobrindo a mão com a boca.

- Sinto muito, Blink – Renato ofegou – quase todos os Comensais da Morte foram para o refeitório. O veneno... é potente demais. Já é tarde demais para impedir.

-Não... por favor... - implorou, tentando se reerguer – ela é a única pessoa que me restou! Por favor!

Renato pareceu avaliar sua opções por um momento.

Finalmente, decidido, ajudou Rayane a se levantar, arrastando-a para fora da entrada da tenda. Blink o acompanhou, tropeçando, correndo o mais rápido que podia, sentindo o coração saltitando contra suas costelas.

Quando chegaram diante do refeitório, a jovem testemunhou um cenário assustador.

Poucas pessoas haviam tido a sorte de cair pelo chão, revirados de agonia. A grande maioria dos Comensais tinha convulsionado ali mesmo, durante a refeição, debruçados contra as mesas. Havia tigelas reviradas e restos de comida ao redor dos corpos envenenados.

Ninguém que havia ido se alimentar naquele momento havia escapado.

- Nora... Nora... - os olhos de Rayane varreram o local, tentando reconhecer um dos rostos contorcidos.

Alguém surgiu alguns metros adiante, gritando em sua direção;

- Rayane!

Aliviada, a moça disparou na direção de Nora, engolfando-a num abraço.

- Graças aos céus! - soluçou Blink.

- Eu fui te procurar... para virmos almoçar – Stuart parecia aterrorizada – e quando voltei... - arfou – o que está havendo, Ray?

- Ah, Nora...

Nora encarou Renato, sua expressão enrugando-se de confusão.

- Pharrel? O que...?

Cavallone massageou a nuca, inspirando profundamente.

- Sabe que Weasley não vai gostar disso, não é?

- O que... - a bruxa parecia genuinamente intrigada – Weasley...?

Rayane tentou não saltar de susto quando Cavallone empunhou sua varinha, apontando-a na direção de Nora.

- Estupefaça!

Stuart desabou no chão, inconsciente. Assustada, Rayane foi até ela, puxando seu corpo inerte nos braços.

- Precisava fazer isso?

Renato fechou a cara para ela.

- Preferia que eu a matasse? - bufou – vamos ver o que Hermione vai achar de sua amiga. Não podemos arriscar leva-la se ela tentar nos trair.

- Nora odeia a Serpente tanto quanto nós – rebateu Blink, afagando os ombros da amiga desacordada – ela jamais nos trairia.

Cavallone ergueu uma sobrancelha.

- Ah, piccola... - disse, risonho – não é com a Serpente que tememos nos encontrar...

Dizendo isso, levitou o corpo de Nora Stuart, fazendo-o flutuar ao lado deles, e dirigiu-se com Rayane para o norte, em direção à tenda dos prisioneiros.

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