Impostor

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O alvoroço no pequeno acampamento dos Comensais havia se iniciado há pouco. Rayane aproximou-se das pilastras que delimitavam o escudo de proteção, tentando enxergar algo entre as dezenas de encapuzados adiante.

- O que está havendo? - virou-se para um dos bruxos que a ladeavam, confusa.

O homem virou-se para ela, os olhos vidrados de expectativa.

- Não vai acreditar no que Pharrel acabou de nos trazer.

Vendo o desesperado interesse de Blink, o bruxo afastou-se, dando passagem para ela. A jovem correu, interpondo-se diante do círculo de pessoas presentes.

Percebeu a aproximação de um dos vigias das redondezas, cujos braços sustentavam o peso inconsciente de um corpo humano.

Atônita, Rayane reconheceu a fisionomia da vítima desacordada.

Os cabelos volumosos e escuros, inconfundíveis, não eram o suficiente para ocultar as lacerações sangrentas no rosto da jovem bruxa.

- Hermione Weasley? - sussurrou, incrédula - o que...?

A garota não conseguia acreditar. Hermione Weasley, a maior auror do Ministério da Magia, nocauteada e capturada por um simples bruxo vigia?

Aquilo era impossível.

- Chamem Torfinn – Pharrel bradou – não vão querer que ela morra antes da hora, certo?

Todos os bruxos bradaram, aplaudindo. Um dos mais próximos sacudiu a cabeça, sem acreditar no que estava vendo.

- Mas como... como você...

- Longa história, Paul. E que eu prefiro contar quando essa sangue-ruim estiver bem presa e segura, em particular, na companhia de uma caneca de uísque de fogo – desconversou o Comensal – aposto que Blackhole vai adorar esta surpresa.

O Comensal da Morte riu, assentindo.

- Excelente – assobiou - vocês o ouviram. Vamos colocá-la com os demais prisioneiros - gracejou, deliciado – a Serpente fará um excelente uso dessa... oportunidade.

Içando a jovem inerte dos braços de Pharrel, dois Comensais arrastaram-na na direção nas barracas mais distantes do acampamento.

Tensa, Blink fitou o sangue que escorria pelo rosto da Weasley, sentindo um arrepio incomum na boca do estômago. Assistiu-os levando-a ao longo do acampamento, passando em meio á multidão estarrecida, até desaparecerem de vista.

Havia algo muito errado ali.

- Nossa sorte virou, rapazes – ouviu Pharrel exclamar, sorridente – isso muda absolutamente tudo. Vocês não acham?

- Com certeza – concordou outro rapaz – uma das maiores aliadas do Ministério, neutralizada sem levantar nenhuma suspeita! - encarou o parrudo Comensal da Morte á sua frente – vai ter que nos contar como conseguiu, Eric. Mas acho que podemos esperar... afinal, Blackhole também ficará muito interessado em saber disso.

- E garanto que ele saberá – enfatizou o bruxo – bem... acho melhor averiguar como nossa coleguinha está. Melhor a mantermos viva e consciente... até que a Serpente finalmente tenha conhecimento de sua captura.

Antes de deixar o pequeno grupo que ainda permanecia na entrada do acampamento, Pharrel virou-se na direção de Rayane.

Havia uma hostilidade raivosa e inconfundível no olhar frio do Comensal da Morte – algo que fez com que a jovem se retraísse completamente.

Pharrel sustentou aquele olhar por alguns segundos, antes de desviar-se na direção contrária, indo no encalço da tenda de prisioneiros, sumindo em meio á multidão.

Conforme os efeitos da Poção do Sono iam passando, Hermione sentiu o torpor em seu corpo diminuir. A dor começou a aflorar em sua pele, fazendo-a enrijecer-se penosamente.

Percebeu que alguém se aproximava. Olhou ao redor, identificando a cor ocre da cobertura de uma grande barraca. Ouvia guinchos e choramingos ao longe, mas não identificava de onde vinham, devido á escuridão que imperava.

- Abaffiato.

A mão de Renato - agora com a textura e tamanho da do Comensal cuja identidade havia roubado – tocou gentilmente o rosto ferido da moça.

- Mi dispiace, Hermione – sussurrou de modo condoído – deveria ter me dito que era o suficiente. Esses ferimentos são mais graves do que eu imaginava – agachou-se, certificando-se de que o feitiço que lançara fazia absoluto efeito – sectumsempra... che terribile incantesimo. Eu realmente sinto muito.

Viu um sorriso fraco e dolorido cortar o rosto de Hermione, enquanto apontava a varinha para os cortes em sua pele, murmurando o feitiço de cura.

- Já passei por coisa pior, Cavallone – ela ciciou, a cabeça ainda inclinada de fraqueza – desaparecerão. O que importa é que foi o bastante para convencê-los de que você realmente é o vigia do bosque. O que importa é não levantar nenhuma suspeita... - acrescentou, taxativa – em hipótese alguma.

- Entendi – concordou – já sei o que fazer. Continuarei a seguir o plano.

- É bom mesmo – ameaçou.

Manteve-se em silêncio por alguns minutos, enquanto o rapaz continuava a cicatrizar suas feridas, sempre alerta à qualquer nova presença que pudesse surgir.

- Dolcezza...

Hermione inspirou profundamente, sacudindo levemente a corrente que atava seus braços á pilastra que sustentava o teto da barraca.

- O quê?

Surpresa, sentiu-o segurar-lhe a mão.

- Realmente...in effetti... não quero que isso volte a acontecer – encarou-a, sério - la mia dolce vendetta... já sofreu demais aqui dentro – tocou-lhe gentilmente o peito com a palma da mão – não vamos deixar que esta dor se espalhe além do necessário. Está bem?

Observou-a, enfim, fazer um esforço para encará-lo.

- O que está fazendo? - sua voz baixou, tornando-se quase zombeteira.

- Scusa?

- O que está fazendo, Renato? - repetiu, sorrindo desdenhosamente – do jeito que age, até parece que se importa comigo de verdade.

Renato suspirou.

- E eu me importo, Hermione.

Ela franziu a testa, olhando-o distraidamente.

- Não faça isso – sibilou – não se importe comigo. Não tem motivo para cometer esse erro, Cavallone.

- E como não me importaria? - rebateu – por fora, pode ser uma fênix furiosa em busca de justiça, mia bella – ergueu-se, finalmente terminando as cicatrizes – mas por dentro... tal como eu... você é uma criança ferida, ainda á procura de um motivo para lutar. E você o tem. Sempre terá – soltou-a, fitando-a de cima – nunca se esqueça disso.

Acariciou o corte recém-fechado no ombro de Hermione, dando as costas para ela. Lançou-lhe uma última olhada, deixando a barraca logo em seguida.

Ainda estonteada, Hermione resfolegou, vincando o rosto. Sua expressão fria e calculista desfez-se por um momento, substituída por algo bem mais familiar.

E, embora o sangue em seu rosto tivesse estagnado, não podia-se dizer o mesmo daquele que corria dentro de si.

Fênix NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora