CAPÍTULO 24
O castelo de cartas desmoronou
Eu sinto que o tempo, a brisa te levou
Sonho acordada que ainda está aqui
Mas quando abro os olhos, eu te vejo partir
E onde é que tudo vai me levar?
Se eu só ando a esmo pra qualquer lugar
Eu abro latas de saudades e solidão
Me leve com você, seja minha canção
Uma Canção, Fragementos- Você tem certeza de que quer mesmo isso? - pergunta Judite, incerta.
- Sim, eu tenho.
Ela não parece convencida de minha resposta. Suas sobrancelhas se unem e ela ajeita os óculos.
- Talvez você devesse pensar um pouco mais, ainda há tempo. - Ela coloca os cotovelos sobre a mesa, entrelaça os dedos e pousa o queixo ali. - Você tem sua mãe aqui, esse seu namorado e amigos. Eu não quero que se sinta pressionada por tudo que eu disse.
Estreito os olhos sem esconder o quanto acho irônico que depois de todo o sermão que me deu ela venha com essa de que eu não devo me sentir pressionada. Judite foi a primeira a dizer que eu não devia me importar tanto com o que eu estava deixando. Foi a primeira a mostrar o quão promissor seria ser editora-chefe dessa revista que, para ela, é praticamente sua casa.
- Pode dizer que eu aceito. Não vou mudar de ideia e dar para trás se é disso que você tem medo.
Pela expressão que Judite faz tenho certeza de que minhas palavras soaram um tanto agressivas. Ela se ajeita em sua cadeira e pondera por alguns instantes, me analisando. Eu procuro me manter confiante, embora por dentro esteja insegura.
- Eu não estou preocupada apenas em ficar mal com meus superiores, Erin. - Ela solta o ar, exausta. - Seria bem ruim para mim se você mudasse de ideia no último momento, mas eu me sentiria muito mal se a forçasse a fazer uma escolha que não deixará você feliz. Eu amo o que faço e me sinto realizada com meu trabalho, não me importo de fazer alguns sacrifícios. Mas sei que nem todos são assim e, acima de tudo, eu só quero que você seja feliz.
Baixo meus olhos para as minhas mãos que estão sobre meu colo. Sei que no fundo do coração Judite só quer o meu bem. Ela não é má pessoa e as palavras que me diz agora provam isso. Mas preciso lembrar a mim mesma que a atitude que estou tomando é por algo muito maior do que eu ou do que qualquer um dos meus sentimentos.
- Obrigada, Judite, aprecio que se preocupe comigo. Você foi alguém que me ajudou muito aqui dentro e em quem me inspiro para ser uma pessoa e uma profissional melhor. Mas eu tenho certeza da minha decisão.
Ela assente.
- Sendo assim, eu irei ligar para a filial e dizer a eles que você aceitou o cargo. Você tem futuro, Erin, e vai se dar muito bem lá. Eu sei disso - me encoraja.
Sorrio. Sem dizer mais nada, me levanto e vou até a porta. Sigo para minha sala e aquela pequena caminhada esgota todas as minhas forças. Sinto um gosto amargo na boca e meu estômago oscila. Espero mesmo estar fazendo a coisa certa.
*
- Você pelo menos podia soltar a faca se for continuar me olhando assim - brinco tentando encontrar algum humor em toda essa situação que na verdade não tem nada de engraçada.
- Você disse alguma coisa sobre isso para o Gabe?
Faço uma careta e minha amiga arregala os olhos. Tenho certeza de que ela está se controlando muito para não atravessar a mesa e puxar os meus cabelos.
- E quanto tempo vai esperar para dizer a ele que você está de mudança? Vai contar um dia antes de partir?
Olho para minha amiga com ar ofendido.
- Eu vou contar para o Gabe hoje à noite. Nós combinamos de preparar um jantar no meu apartamento.
Emmeline revira os olhos nada contente.
Nós duas nos levantamos e seguimos até a fila do caixa para pagar nosso almoço.
- Quando você vai começar a arrumar suas coisas? - ela pergunta enquanto digita a senha na maquininha.
- Tenho uma semana e meia.
Emmeline dá um passo para o lado para que eu tome seu lugar. Entrego ao rapaz a minha conta e algumas notas.
- Meu Deus, uma semana e meia - ela diz como se estivesse entrando em pânico. - Uma semana e meia!
- Era eu quem devia estar surtando e não você. - Rio.
- Exato! - ela berra. - Você é a maluca surtada e parece totalmente calma. Erin, isso não é bom.
Meus olhos se enchem de lágrimas. É claro que eu estou surtando loucamente por dentro. Mas não vou me dar o privilégio de ficar arrasada. Se eu desabar agora não vou me recuperar e preciso estar bem. Eu preciso estar bem quando for contar para o Gabe e quando ouvir dele que ele finalmente vai conhecer a tão sonhada academia em Londres.
Não posso desabar.
- Desculpa - pede Emmeline enquanto caminhamos. - Erin - ela segura meu cotovelo e me faz parar para fitá-la -, eu não concordo com isso, mas sou sua amiga e estou aqui para apoiá-la. Só não guarde tudo dentro de você. Está bem?
Assinto e minha amiga me abraça com força.
- Eu não vou guardar. - Correspondo ao abraço.
Mas a verdade é que já estou guardando porque não quero que ela saiba o quanto isso me dói e nem que se preocupe comigo. Sobretudo, não quero voltar para casa hoje e despejar sobre o Gabriel a minha decisão.Ainda não posso acreditar, não posso acreditar...
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Sem Canção
Ficción GeneralSINOPSE PROVISÓRIA Ao contrário da maioria das pessoas, Erin não é grande apreciadora de música. Na verdade, ela prefere o silêncio onde possa ouvir seus próprios pensamentos ao som de instrumentos e canções. Todavia, parte da sua tranquilidade a...