Epílogo - Gabe

3K 388 467
                                    

EPÍLOGO

Eu soube que havia
um acorde secreto
Que Davi tocava para
louvar ao Senhor
Mas você não liga muito
para música, não é?
Hallelujah, Jeff Buckley

Estou prestes a ter uma conversa decisiva com minha mãe. Respiro fundo antes de descer da moto, buscando coragem para dizer a ela as palavras certas e para ouvir o que ela pensa e sempre pensou todo esse tempo sobre o que nos aconteceu.

Não tenho muita certeza de que estaria aqui se não fosse o apoio de Roger, que nos aconselhou a colocarmos tudo em pratos limpos antes de minha partida.

Tiro o celular do bolso da calça e olho a última mensagem de Erin me dizendo que chegou bem e que está amando o trabalho, enquanto entro na cafeteria da rua norte, e caminho até uma mesa ao fundo, onde uma mulher magra, de cabelos escuros e um olhar distraído, se encontra. Assim que me aproximo o suficiente, ela enfim me enxerga e olha diretamente para mim.

- Oi, mãe - cumprimento e deposito um beijo em sua testa.

- Oi - ela responde em tom seco.

Seu rosto está sério e seus lábios têm risquinhos no canto que lhe dão a impressão de um sorriso ao contrário. Não sei se essa é uma marca sua ou se foi a vida que ao longo do tempo os desenhou ali. Tudo que sei é que eu amo quando ela sorri, mas não é sempre que tenho o privilégio de ver seus momentos alegres.

- Já pediu alguma coisa? - pergunto, enquanto me sento à sua frente e coloco no chão os dois capacetes que trouxe e o celular sobre a mesa.

- Não estou com fome.

- Então tome um café ou chá.

- Pode ser um café. - Ela dá de ombros.

Chamo uma garçonete. Peço a ela que traga um café e um frapuccino. Assim que se afasta, eu torno a encarar minha mãe. Ela não parece nada receptiva e eu estaria mentindo se não dissesse que não imaginei que seria assim, pois em momento algum eu pensei que pudesse ser fácil para algum de nós. Mas não podemos adiar o que já guardamos por tanto tempo. Se ela me culpa pela morte de Daniel, preciso que me diga claramente ainda que doa; mesmo que me rasgue por dentro, pois não suporto mais esse jogo de indiretas que vem me machucando lentamente, em pequenas porções.

- Mãe, olhe para mim - peço.

Ela obedece. Seus olhos gélidos me fazem engolir em seco, mas eu vim com um objetivo e não sairei daqui sem cumpri-lo.

- Seja sincera. - Ela não move um músculo sequer, mas continua me encarando, as mãos entrelaçadas sob o queixo e os cotovelos fincados à mesa. - Você acha que Daniel morreu por minha causa? Você me culpa?

Choque. Esse é o olhar que minha mãe me lança agora. Suas sobrancelhas estão franzidas e seus lábios entreabertos. Seu peito sobe e desce mais agitado. Eu não digo nada. Apenas espero que ela responda.

- Como... - sua voz sai fraca como se os pensamentos que ela quisesse exprimir tivessem se perdido em algum lugar dentro dela.

- Tudo bem, mãe, eu mesmo já me culpei tanto. Vou entender perfeitamente se você me disser que sim, afinal, fui eu que dei o cello para ele.

Ela continua com o olhar perplexo até que finalmente acha as palavras.

- Por Deus, Gabriel, você... Como você pode pensar algo assim? Eu... Eu jamais te culpei pelo que aconteceu.

Eu me sinto aliviado por ouvi-la falar assim, mas ainda há uma parte de mim que me diz que ela não está sendo totalmente sincera. Ela pode mesmo não achar que eu tenho culpa, mas algo a atormenta e preciso saber o que é.

Sem Canção Onde histórias criam vida. Descubra agora