♛ A Colina ♛

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Fecho meus olhos e inspiro o ar doce das flores e do verde no alto da colina. Aprecio com cuidado a brisa bater levemente em meu rosto e bagunçar meus cabelos enquanto faz seu caminho pelo alto, livre e sem impedimentos alguns. Como eu queria ser a brisa nesse momento, e correr por aí, sem problemas, sem medos, mas eu sei que só o fato de estar aqui já me causará problemas. Como eu queria que todos os meus problemas desaparecessem, e eu pudesse ser feliz novamente. Como eu era quando tinha oito.

Fecho meu livro com cuidado e o aperto contra meu peito. Eu poderia fugir, eu sei, sair correndo agora mesmo, como uma adolescente faz, mas como uma adolescente também descobre; não se pode fugir dos problemas, nunca!

Levanto-me e bato a mão levemente pelo vestido – agora todo sujo de terra. Ótimo! Terei de esfrega-los.

Começo a descer a colina, vagarosamente, me despedindo do céu cor de rosa, roxo, laranja, vermelho e amarelo. É uma esplendorosa visão. Paro no meio do caminho para observar mais uma vez. Talvez eu não saia nos próximos dias, então isso é tudo que eu tenho.

Suspiro e começo a descer, passando pelas árvores, e logo, no meio delas, posso avistar a casa grande e cercadas de grades. Empurro o portão velho que range causando um barulho irritante. Fecho-o com cuidado, mas quando me viro ela está lá. Parada com braços cruzados e um olhar sombrio. Eu queria entender por que ela é assim, e não sorri como antes.

—Onde você esteve? —Mabel pergunta semicerrando os olhos, sem qualquer emoção.

—Na colina. —Murmuro encolhendo os ombros.

Ela me faz ter medo. Faz eu me sentir uma menina errante de cinco anos. E ela é minha mãe. Minha própria mãe me prende, me obriga a viver aqui. Eu sei que deveria ter fugido, mas quando o tentei, ela me colocou em um hospício, alegando que eu estava louca. Eu fiquei alguns meses lá, e confesso que quase enlouqueci. Depois ela me tirou de lá, e disse que aquilo serviria de lição.

—Me desculpe. —Sussurro abaixando a cabeça, como criança envergonhada.

—Olhe sua roupa! —Ela grita me fazendo dar um solavanco. —Está imunda. Você irá esfregar esses vestidos.

—Eu odeio vestidos! —Falo nervosa.

—Abaixe seu tom! —Mabel grita ainda mais alto. —Agradeça por eles.

—Obrigada. —Murmuro prendendo a vontade de gritar. —Eu não quis dizer isso.

—Ainda bem, caso contrário andaria nua. Imagine só!

—Eu sei, me desculpe, mamãe.

—Vá, entre. Se prepare para jantar.

—Sim senhora. —Falo caminhando, e estremeço ao passar do seu lado.

—E tome um belo banho. Use o vestido florido, nós teremos visitas.

—Está bem. —Entro pela porta da cozinha e vejo Nana arrumando as coisas. Ela me dá um sorriso fraco, é claro que escutou tudo. —Oi.

—Olá menina.

—Como está a Gabriela?

—Doentinha, mas logo melhora.

—Espero que sim. —Dou o meu melhor sorriso e saio rapidamente da cozinha.

Minha mãe não gosta que eu converse com os empregados, mas Nana é minha babá desde que eu nasci, então ela sempre foi uma exceção, é claro... contanto que mamãe ou Bob estejam por perto. Passo pelo corredor principal e ouço Bob ao telefone, dentro do escritório. Ótimo! Odeio quando ele enche o saco. Subo correndo para o meu quarto e vou para o banheiro, e embaixo do banho, penso em mil vidas que poderiam ser melhores.

Saio do banheiro e certifico-me que a porta está fechada. Eu odeio quando Bob entra sem bater, ou a minha mãe. Sento-me na cama e encaro, forrado ao meu lado, o vestido longo repleto de flores brancas e ramos verdes. Eu odiava vestidos, ainda odeio. Papai adorava quando eu usava, ele dizia que eu parecia uma princesinha, mas... ele também comprava muitas calças ou shorts, e isso me deixava muito feliz. Tanta coisa mudou após sua morte. Ele foi lutar na guerra e nunca mais voltou.

Suspiro pesadamente e começo a me arrumar. Depois de colocar o vestido, escovo meus cabelos e não os prendo, eu não posso usá-los presos. Me encaro no espelho. Minha pele está suave, sem manchas ou qualquer coisa. Minha mãe sempre me ensinou a hidrata-la, mas acho que o fato de nunca na minha vida ter usado maquiagem, ajudou um pouco.

Me encaro mais uma vez então suspiro mais uma vez e me dirijo para fora quarto. Descalça. Eu também não posso usar sapatos. Já contei o medo que minha mãe tem que eu fuja? Entro na sala de jantar e encaro a figura desconhecida de um homem sentado ao lado esquerdo de Bobo.

Mamãe está ao seu lado direito como sempre, então eu caminho vagarosamente para o meu lugar ao seu lado, e por nenhum segundo desprendo meus olhos do homem. Ele é velho. Não tanto. Uns cinquenta anos talvez, cabelos grisalhos, olhos alaranjados, sorriso perfeitamente branco. Ele me encara por um breve segundo, mas não fixa o olhar.

Sento-me silenciosamente e logo a empregada vem me servir. Como em silêncio, apenas ouvindo-os conversar, e vez ou outra mamãe fala lago, ou responde. Descobri que o homem se chama George. Por um segundo acho que o conheço, mas não consigo me lembrar. Ele não me olha durante o jantar inteiro. Quando termino de jantar, mamãe se levanta e eu faço o mesmo, ela pede licença e segura meu braço começando a me puxar para fora da sala.

George, nesse instante me olha, e por algum motivo consigo entender um 'tudo ficará bem' formando pelos seus lábios. Isso me deixa tão confusa que nem noto que estou sendo arrastada para o porão. Ah, não! Tento me soltar, mas minha mãe crava suas unhas em meu braço.

—Você não pensou que escaparia, não é mesmo? —Ela diz me fuzilando e me empurra para dentro da pequena porta de madeira. Cambaleio e caio no chão olhando-a assustada. —Você vai passar a noite aqui, para aprender que não se deve sair sem a minha autorização.

—Não, mãe, por favor, não faz isso.

—Calada! —Ela exclama sem paciência alguma e se abaixa pegando a corrente presa ao chão. Arrasto-me, mas ela logo puxa meus pés e os acorrenta. —Você tem sorte por eu não te mandar para um hospício, lá o seu lugar.

—Não me deixa aqui, por favor. —Imploro apavorada.

—Calada! —Mamãe grita. —Você passará a noite aqui, e irá agradecer por isso amanhã.

—Mãe, não faz isso! —Grito quando a vejo ir para a porta. —Por favor, mamãe, me tira daqui.

Sua resposta é a porta batendo. Um calafrio me passa. Eu odeio ficar aqui, meus tornozelos doem, faz frio, barulhos horrendos, há ratos. Ela prende aqui sempre que faço algo de errado, e isso é horrível. Ela é a minha mãe, deveria cuidar de mim, não fazer isso comigo.

Encolho-me no cantinho úmido do porão enquanto as lágrimas caem freneticamente, ah, papai, eu queria tanto que você estivesse vivo, e viesse me salvar. Eu sinto tanto sua falta. 

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